Lido no seminário Direito e Exceção, UFSC, 26-29 set. 2016
A exceção e o fora da instituição
Raul Antelo
Política é apenas aquela ação que corta o nexo entre violência e direito. E somente a partir do espaço que assim se abre, é que será possível colocar a questão a respeito de um eventual uso do direito apos a desativação do dispositivo que, no estado de exceção, o ligava à vida. Teremos então, diante de nós, um direito "puro", no sentido em que Benjamin fala de uma língua "pura" e de uma "pura" violência. A uma palavra não coercitiva, que não comanda e não proíbe nada, mas diz apenas ela mesma, corresponderia uma ação como puro meio que mostra só a si mesma, sem relação com um objetivo. E, entre as duas, não um estado original perdido, mas somente o uso e a praxis humana que os poderes do direito e do mito haviam procurado capturar no estado de exceção.
Giorgio Agamben - Estado de exceção
Petar Bojanić, autor de uma tese sobre “La guerre (dernière) et l'institution de la philosophie” (2003) e professor na Universidade de Rijeka (Croácia), tem um ensaio, "Biopolítica (italiana). O fora da instituição"
BOJANI´C, Petar - "Biopolitica (italiana). Il fuori dell ´instituzione" in GENTILI, Dario e STIMILLI, Elettra (ed) - Differenze italiane. Politica e filosofia: mappe e sconfinamenti. Roma, Derive Approdi, 2015, p. 113-120., que resume quase tudo que gostaria de aqui expor. Mas para não me acusarem de pouco original, permitam-me, em compensação, organizar a matéria conforme uma certa ordem conceitual-cronológica mais afim a minhas leituras. Relembremos, então, para início de conversa, que Walter Benjamin, como todos sabemos, dedicou-se por igual tanto às novidades técnicas e mediáticas quanto às mudanças radicais nos significados religiosos e profanos, aquilo que conhecemos como dialética da secularização. Sua teoria da cultura conseguiu postular assim uma dupla origem da cultura que, de um lado, é poiesis/techne e, de outro, é culto. Benjamin não praticou uma suspensão completa dos significados religiosos nas categorias históricas ou nas interpretações racionais da história, à maneira de Adorno. Interessou-se, acima de tudo, pela incompatibilidade de conceitos sagrados e profanos, prestando particular atenção à figuração da pervivência (Nachleben), transformada e deslocada, das marcas ou vestígios religiosos em conceitos seculares. Já no seu esquema sobre a teoria das línguas, que esse ano completa um século, até as derradeiras “Teses sobre a filosofia da história” (1940), podemos constatar, em diversos campos (a linguagem, a estética, a teologia política, a teoria da história), uma crítica constantemente reelaborada desses teoremas, que se inserem numa particular recepção das conotações teológicas na modernidade ou que estimulam o reconhecimento de um imperativo divino, em âmbitos profanos. A questão relaciona-se aos movimentos de uma certa religiosidade que se constatam na arte e na literatura, particularmente, na poesia, entendidos como cultos religiosos, bem como no uso de conceitos extraídos de una ordem divina (como justiça e redenção) por parte da filosofia política ou a historiografia laicas. Verifica-se esse esforço, como já disse, não só no ensaio sobre as línguas de 1916 e sua reformulação cultural e antropológica sobre a faculdade mimética e a doutrina da semelhança, em 1933, onde se desconstrói, numa topografia dialética, o debate acadêmico entre a concepção mística e a moderna das línguas, ou seja, a oposição entre a tese da semelhança da língua com as coisas e o conceito de signo arbitrário. Na visão benjaminiana, a semelhança pertence à pré-história —na narrativa bíblica é o paraíso ou a linguagem adâmica; nas categorias da antropologia da cultura é o culto. Entretanto, a queda do espírito da linguagem marca uma cesura na qual o começo do juízo e o início da história são vistos como fenômenos simultâneos, isto é, como a entrada do homem em uma língua que funciona como código ou como um sistema de signos. Em função dessa cesura, a semelhança não desaparece por completo da cultura, mas pode aparecer no meio de uma história regida por signos abstratos, como marca mágica ou momento mimético no fundo do signo, a saber, no “comunicável” ou no “semiótico”. O “Fragmento teológico-político”(1920-1), taõ bem analisado por Werner Hamacher, descreve assim uma configuração teórica de um conhecimento similar, no qual a relação da ordem do profano relaciona-se com o messiânico como “um dos elementos essenciais da filosofia da história”, enfatizando, portanto, de um lado, o anacronismo fundamental entre o processo histórico e a direção da esfera profana, por meio da ideia de felicidade ("a ordem do profano tem de se orientar pela ideia da felicidade"), e apontando, de outro, o messiânico que coincide com o fim da história ("a natureza é messiânica devido à sua eterna e total transitoriedade. Alcançar esta transitoriedade, também para aqueles estádios do homem que são natureza, é a tarefa de uma política universal cujo método terá de chamar‐se niilismo"). Benjamin diferencia então entre, de um lado, os conceitos de uma esfera divina, e de outro, os conceitos que pertencem à esfera humana das coisas. Faz isso, por exemplo, na distinção entre a justiça divina e o poder de fundação do direito em “Para uma crítica da violência” (1921) ou na diferenciação entre queixa (Klage) e demanda (Anklage), no ensaio sobre “Karl Kraus” (1931).
Mas essas questões não se esgotam em Benjamin. O debate perpassa a cena europeia dos anos 20-30 e valeria a pena relembrar as elaborações que um crítico de arte também alemão, Carl Einstein, nos propõe em 1929. Nos célebres "Aforismos metódicos" com que se abre a revista por ele dirigida, Documents, Einstein estipula que
A obra de arte religiosa é, por assim dizer, produzida pelo invisível, causada pelo desaparecimento, pela não-existência de um ser. A obra de arte é uma proteção contra o invisível que ronda por todo canto e apavora; uma barreira ao animismo difuso que ameaça fazer o crente em pedaços. O naturalismo do homem religioso é uma defesa contra as monstruosidades da fantasia religiosa. Dispomos contra o infinito e as rápidas analogias da imaginação religiosa um cânone e formas acadêmicas. Esse academicismo é o sinal dos limites psicológicos e de uma timorata estreiteza de espírito.
Se deus morreu é lógico que a obra não seja mais presença mas desaparecimento, ou seja, o próprio do homem moderno não é mais a obra mas a des-obra, a in-operância, aquilo que Malevich, contemporaneamente, reivindicava como direito à preguiça. Algo disso se verificava também no Brasil. Quando as primeiras manifestações da elite econômica brasileira se revoltam contra as massas que irrompem em cena, em 1930, surge a necessidade de criar um aparelho ideológico como a Universidade capaz, senão de frear, ao menos de otimizar essa irrupção. Ora, nesse momento, aos olhos dos poderosos, aqueles que não protagonizavam a rebelião liberal eram apenas monstros; e como explica Mário de Andrade, em crônica de maio de 1932, geralmente imaginamos que o monstro produz em nós tão somente um sentimento de horror, quando, na verdade, "a gente percebe logo que o que sentimos não é horror propriamente, asco porém" e a repugnância é tão intensa que dela provém o horror. O monstro não causa angústia, mas a angústia é que produz as monstruosidades imaginadas
ANDRADE, Mário de "Os monstros do homem" in Táxi e crônicas no Diário Nacional. Ed. Telê Ancona López. São Paulo, Duas Cidades, 1976, p. 529-30.. Essa proto-versão biopolítica não nos diz, em poucas palavras, que a angústia não tenha objeto, que seja objektlos, como supunha Freud. Afirma, porém, que ela nos introduz, segundo Lacan, na função da falta. È o que, em ensaio pouco posterior (1936), sobre o estágio do espelho, nos permitiria entender a sociedade como uma organização de base utilitária que só reconhece a angústia do indivíduo perante a forma concentracionária do vínculo social. O mesmo Mário de Andrade, em novembro de 1930, ou seja, pouco depois de Macunaíma, onde também assombra o monstro, admitia que a maioria da sociedade brasileira associava o comunismo a "uma espécie de assombração medonha"
IDEM - "Comunismo", ibidem, p.281. e, conseqüentemente, não conseguia inscrever a reforma social no campo da memória cultural, preferindo, porém, inseri-la no plano das assombrações, os espectros, as miragens.
Surge, assim, uma aporia relevante entre o sonho e a memória do sonho, que Benjamin teorizará como despertar, porque, como todos já experimentamos ao acordar, mesmo quando lembremos daquilo que sonhamos, em forma nítida, as imagens, ou seja, a própria experiência onírica, perdem força de verdade, e é com pesar que constatamos, conseqüentemente, sua perda de encanto. Temos o sonho, mas, inexplicavelmente, falta-nos a sua aura, que ficou sepultada naquele território ao qual, já acordados, deixamos de ter acesso. Ou seja que confia-se, a rigor, a um outro tempo ou a um outro lugar, a um diferimento a posteriori, o segredo do sonho, porque, só ao despertarmos, quando o sonho emerge, de fato, como uma faísca, ele existe para nós na sua completude. A recordação que o sonho nos traz é a mesma que nos permite ver o vazio que a atravessa, já que ambas estão contidas no mesmo gesto. Coincidentemente, a memória involuntária nos fornece uma experiência análoga. Nela, a recordação que nos devolve a coisa esquecida apaga-se também ela, mas esse esquecimento é, paradoxalmente, sua própria luz. Daí, porém, provém a saudade que a anima: há algo de elegíaco, com efeito, no fundo de toda memória humana já que, no limite, a recordação que nada recorda é a mais poderosa das lembranças. Nesse sentido, mais do que ver, na aporia do sonho e da recordação, uma limitação e uma fraqueza, deveríamos, pelo contrário, tomá-la por aquilo que ela é: uma profecia que tem a ver com a própria estrutura da consciência. Não é aquilo que vivemos e depois esquecemos o que retorna, na sua incompletude, à consciência; somos nós, pelo contrário, que, finalmente, temos acesso a qualquer coisa que nunca existiu, isto é, temos acesso ao esquecimento como parte de nós mesmos.
Não há consciência, não há saber, que possa prescindir do inconsciente, nem há atenção que não tenda, em última instância, a uma distração, a um deslocamento, do qual se conclui que, no extremo, só há pensamento quando ele inclui o estremecimento, o famoso frisson nouveau da modernidade. È por isso que, enfrentado, de certo modo a Mário de Andrade e em sintonia com as ideias de Carl Einstein, Flávio de Carvalho discrimina uma arte operática (o modernismo portinariano-varguista) e uma arte anômala, ácrata e acéfala, a dele mesmo, que seria assim, in-operática. Mas retomemos os aforismos de Carl Einstein:
A obra de arte religiosa está em conformidade com um cânone porque ela é mágica: o que quer dizer que essa obra de arte deve possuir qualidades precisas para causar os efeitos mágicos desejados, e é por isso que é preciso repeti-la fielmente em todos os detalhes, a menor mudança podendo comprometer o resultado. Assim poderíamos em parte explicar o caráter conservador da arte arcaica e exótica. Esse dogmatismo acaba por situar essa arte fora dos processos históricos. E isso termina em uma mnemotécnica das formas totalmente mecanizada.
EINSTEIN, Carl – “Aforismos metódicos”. Documents: 1929. Trad. Takashi Wakamatsu. Florianópolis, Cultura e Barbárie, 2016, p.8-9.
Einstein nos alerta então para o modernismo enquanto totalidade, o modernismo estatal, patrimonialista e institucionalista, tornar-se, na verdade, uma mera mnemotécnica das formas totalmente mecanizada, isto é, reprodutível à exaustão e, em função do que Benjamin explora paralelamente, não ser senão uma forma narcótica de amnésia simbólica. Essas ideias de Einstein precipitam a entrada, na França, do pensamento de Nietzsche e quem operará esse ingresso é o co-editor da revista que as publica, Georges Bataille. Na importante conferência de 1938 sobre a sociologia sagrada no mundo contemporâneo, não recolhida nas suas Obras Completas, Bataille afirma que "l’individu s’est libéré des contraintes liées au mouvement d’ensemble social : il ne s’en est donc libéré que pour entrer dans une servitude tout aussi grande", o que, a seu ver, configura uma "chute dans la servitude". A saída, para Bataille, podia encontrar-se no antagonismo, de que a arte moderna era exemplo, e não tanto no produtivismo que o comunismo defendia como nobreza do trabalhador (e esse será, na esteira de Gramsci, um dos motivos fortes do operaismo italiano dos anos 60): "c’est la lutte et non le travail qui avait fait du parti des ouvriers une forme d’organisation possédant déjà un certain caractère de totalité"
BATAILLE, Georges - "La sociologie sacrée du monde contemporain". Lignes 3/2003 (n° 12) , p. 158-175 . Aprimorando a hipótese, mais adiante, em "O sagrado", um ensaio de 1939, Bataille diz que o objeto dessa busca por parte dos artistas modernos já não é uma
realidad sustancial y que por el contrario sería un elemento caracterizado por la imposibilidad de que perdure. El nombre de instante privilegiado es el único que describe con algo de exactitud lo que podía encontrarse al azar de la búsqueda: nada que constituya una sustancia a prueba del tiempo, todo lo contrario, lo que huye apenas ha aparecido y no se deja apresar. La voluntad de fijar esos instantes, que por cierto pertenece a la pintura o a la escritura, no es sino el medio para hacerlos reaparecer, ya que el cuadro o el texto poético evocan pero no sustancian lo que había aparecido una vez. El resultado es una mezcla de exaltación y desdicha, de tedio y de insolencia: nada parece más miserable y más muerto que la cosa fijada, nada es más deseable que lo que desaparecerá en seguida, pero al mismo tiempo la frialdad del desnudamiento hace temblar a aquel que siente que lo amado se le escapa y se agotan los vanos esfuerzos por crear vías mediante las cuales sería posible recuperar infinitamente lo que huye. (...)
Mientras se impuso la identificación introducida por el cristianismo entre Dios y el objeto de la religión, todo lo que se podía reconocer con respecto a ese “grial” era que no podía confundirse con Dios. Distinción que tenía del defecto de soslayar la identidad sin embargo profunda entre el “grial” y el objeto propio de la religión. Pero ocurre que el desarrollo de los conocimientos referidos a la historia de las religiones ha mostrado que la actividad religiosa esencial no estaba dirigida hacia un ser o unos seres personales y trascendentes, sino hacia una realidad impersonal. El cristianismo sustanció lo sagrado, pero la naturaleza de lo sagrado – en la cual hoy se percibe la existencia flagrante de la religión – tal vez sea lo más inasible que se produce entre los hombres, lo sagrado no es más que un momento privilegiado de unidad comunal, momento de comunicación convulsiva de lo que ordinariamente está sofocado.
E, a seguir, conclui:
La distinción entre lo sagrado y la sustancia trascendente (por consiguiente, imposible de crear) abre repentinamente un nuevo campo – tal vez un campo de violencia, tal vez incluso un campo de muerte, pero un campo en el cual es posible entrar – para la agitación que se ha apoderado del espíritu humano actual. Pues si el campo de lo sagrado es accesible, ese espíritu no puede dejar de atravesar el cerco: simplemente debe reconocer, puesto que buscó y busca sin descanso, que no buscaba y no busca llegar sino hasta allí. El hecho de que “Dios se ha dado por muerto” no puede provocar una consecuencia menos decisiva: Dios representaba el único límite que se oponía a la voluntad humana, libre de Dios, esa voluntad se entrega desnuda a la pasión de darle al mundo una significación que la embriaga. Aquel que crea, que pinta o que escribe ya no puede admitir ningún límite para la representación o para la escritura: dispone de pronto por sí solo de todas las convulsiones humanas posibles y no puede sustraerse a esa herencia del poder divino, que le pertenece. Tampoco puede intentar saber si esa herencia consumirá y destruirá aquello que consagra. Pero se niega ahora a dejar “aquello que lo posee” bajo el peso de los juicios dependientes a los cuales el arte se plegaba.
BATAILLE, Georges - "Lo sagrado" in La conjuración sagrada. Ensayos. Trad. S. Mattoni. Buenos Aires, Adriana Hidalgo, 2003, p.262-7
Na primeira edição desse ensaio, na revista Cahiers d´Art, aparece a imagem de um túmulo lituano. É a única fotografia que Bataille não aproveitará na edição, vinte anos posterior, de O erotismo. Há aí também uma foto tirada por Henri Dussat, poeta que acompanhou Bataille na aventura do círculo comunista democrático de Boris Souvarine e da revista Acéphale
Ver DUSSAT, Henri - "Se mouvoir dans l’éthique". BATAILLE, Georges –L’Apprenti Sorcier. Paris, Éditions de la Différence, 1999, p.435-436., refugiado, durante a guerra, no Brasil. A foto reproduz um falo mutilado em Delos, monumento de Karystios, um gramático do século II a. C. e autor das Historika hypomnemata. Evoco então, sob essa imagem, a epígrafe do ensaio, em que Bataille retoma observações do antropólogo inglês Robertson Smith, em Lectures on the religion of the Semites (1889), e de Freud, em Totem e tabu (1913), que serão reelaboradas por Émile Benveniste, em Le Vocabulaire des institutions indo-européennes (1969) para elaborar o conceito de sagrado, a partir da ambivalência do termo sacer:
Les mots de divers langages qui désignent le sacré signifient à la fois pur et immonde. Le sens du sacré peut-être regardé comme perdu dans la mesure où est perdue la conscience des secrètes horreurs qui sont à la source des religions
BATAILLE, Georges – “Le sacré”. Cahiers d´Art, 14e année, nº 1-4, p.48, mais tarde em Oeuvres Complètes I. Premiers Écrits 1922-1940. Paris, Gallimard, 1970, p.559-563..
Daí vem o uso que desse conceito fará Roger Caillois, um dos membros do Colégio de Sociologia, e daí mesmo provém, ainda, o uso agambeniano do conceito sacer. Em Dieci pensieri sulla politica (2011), Roberto Esposito faz explícita referência a Acéphale, o grupo bataillano, e à própria Enciclopédia Acefálica, onde colaboravam todos os surrealistas heterodoxos, como uma experiência pioneira em que o vazio ocupa o âmago do racionalismo
Sobre essas questões, Agamben escreveu muitos textos em sua primeira fase. Ver "La 121a giornata di Sodoma e Gomorra". Tempo presente, vol. 11, n. 3/4, Roma, mar.-abr. 1966, p. 59-70; "José Bergamin" in BERGAMIN, José. Decadenza dell’analfabetismo. Trad.Lucio D’Arcangelo. Milão, Rusconi, 1972, p.7-29; "I fantasmi di Eros, interpretazione di un emblema psicologico. Paragone, ano 25, n. 290, abr. 1974, p. 19-41; [Sem título] in MIELO, Paola (Org.) - Pierre Klossowski. Milão, Padiglione d’Arte Contemporanea, 1980, p. 1; "La glossolalie comme problème philosophique". Discours psychanalytique, n. 6, Paris, Joseph Clims, 1983, p. 63-69; "Bataille e il paradosso della sovranità" in RISSET, Jacqueline (Org.)- Georges Bataille: il politico e il sacro. Nápoles, Liguori, 1987, p. 115-119; "Bataille e Benjamin". Lettera internazionale, n.11, Roma, Ediesse, inverno 1987, p. 18-19; "Jarry o la divinità del riso" in JARRY, Alfred - Il supermaschio. Milão, Bompiani, 1967, p.147-157; "Prefazione" in ELUARD, Paul; BRETON, André - L’immacolata concezione. Trad. Giorgio Agamben. Milão, Forum Editoriale, 1968.. E, de fato, nesse texto de Bataille sobre o sagrado, escrito no início da guerra, condensa-se a renascença nietzscheana que caracterizaria o pensamento francês a partir dos anos 60-70: Blanchot, Foucault, Derrida e Agamben, já que para alguns Agamben não passa de um autor francês que escreve em italiano
REVEL, Judith - "L´Italian Theory e le sue diffrenze. Soggettivazione, storicizzazzione, conflito" in GENTILI, Dario e STIMILLI, Elettra (ed) - Differenze italiane, op.cit., p.47-58..
Tomemos o caso Foucault. Em "O pensamento do exterior", um ensaio sobre Blanchot, publicado, justamente, na revista de Bataille, Critique (nº 229, junho de 1966), lemos que:
O fictício não está nunca nas coisas nem nos homens, mas na impossível verossimilhança do que está entre eles: encontros, proximidade do mais longínquo, absoluta dissimulação lá onde nós estamos. A ficção consiste, portanto, não em mostrar o invisível, mas em mostrar o quanto é invisível a invisibilidade do visível. Daí sua profunda afinidade com o espaço que, entendido dessa forma, está para a ficção como o negativo está para a reflexão.
A questão colocada por Foucault traz como corolário a impossibilidade de captar a lei.
Assim que é olhada, a face da lei se afasta e torna a entrar na sombra, assim que se queira ouvir suas palavras, surpreende-se apenas um canto que nada mais é que a mortal promessa de um canto futuro. As Sereias são a forma inapreensível e proibida da voz sedutora. Em seu todo, elas são apenas canto. Simples sulco prateado no mar, oco da onda, grota aberta entre os rochedos, praia de brancura, o que são elas, em seu próprio ser, senão o puro apelo, o vazio feliz da escuta, da atenção, do convite à pausa? Sua música é o contrário de um hino: nenhuma presença cintila em suas palavras imortais; somente a promessa de um canto futuro percorre sua melodia. Aquilo com que elas seduzem não é tanto o que fazem ouvir, mas o que brilha no longínquo de suas palavras, o futuro do que elas estão dizendo. Seu fascínio não nasce do canto atual, mas do que ele se propõe a ser. Ora, o que as Sereias prometem cantar para Ulisses é o passado de suas próprias proezas, transformadas para o futuro em poema.
O canto das Sereias, já não celebra, mas lamenta, porém, a impossibilidade de dizer. É uma elegia que marca a impossibilidade de ter acesso ao evento da palavra, que é o que, em última instância, constitui os homens como humanos. Daí, Foucault nos oferece uma nova definição do literário:
A linguagem se descobre então liberta de todos os velhos mitos em que se formou nossa consciência das palavras, do discurso, da literatura. Por muito tempo, acreditou-se que a linguagem dominava o tempo, que ela valia tanto como ligação futura na palavra dada quanto memória e narrativa; acreditou-se que ela era profecia e história; acreditou-se também que nessa soberania ela tinha o poder de fazer aparecer o corpo visível e eterno da verdade; acreditou-se que sua essência estava na forma das palavras ou no sopro que as faz vibrar. Mas ela é apenas rumor informe e jorro, sua força está na dissimulação; porque ela faz apenas uma única e mesma coisa com a erosão do tempo; ela é esquecimento sem profundidade e vazio transparente da espera.
Foucault, a diferença do memorialismo de Mário de Andrade, não teme os monstros e, tal como Flávio de Carvalho, entende que criar é esquecer porque, tratando-se dessa ficção que é a linguagem,
O que a retém não é a memória, é o esquecimento. No entanto, esse esquecimento não deve ser confundido com a dispersão da distração nem com o sono onde adormeceria a vigilância; ele é feito de uma vigília tão desperta, tão lúcida, tão matinal que ele é mais dispersa à noite e pura abertura para um dia que ainda não chegou. Nesse sentido, o esquecimento é extrema atenção - atenção tão extrema que apaga cada rosto singular que pode se oferecer a ela; quando definida, uma forma é ao mesmo tempo muito antiga e muito nova, muito estranha e muito familiar para não ser mais imediatamente recusada pela pureza da espera e condenada por aí ao imediato do esquecimento. É no esquecimento que a espera se mantém como uma espera: atenção aguda ao que seria radicalmente novo, sem ligação de semelhança e de continuidade com o que quer que seja.
Atingimos, assim, portanto, o âmago, o ser da linguagem.
O puro exterior da origem, se é a ele que a linguagem está pronta para acolher, jamais se fixa em uma positividade imóvel e penetrável; e o exterior perpetuamente recomeçado da morte, se levado para a luz pelo esquecimento essencial à linguagem, jamais estabelece o limite a partir do qual se delinearia finalmente a verdade. Eles logo se revertem um no outro; a origem tem a transparência do que não tem fim, a morte abre infinitamente para a repetição do começo. E o que é a linguagem (não o que ela quer dizer, não a forma pela qual o diz), o que ela é em seu ser é essa voz tão fina, esse recuo tão imperceptível, essa fraqueza no coração e em torno de qualquer coisa, de qualquer rosto, que banha com uma mesma claridade neutra - dia e noite ao mesmo tempo - o esforço tardio da origem, a erosão matinal da morte
FOUCAULT, Michel - "O pensamento do exterior". Ditos e escritos III. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p.219-242 .
A linguagem é, para Agamben, o lugar da negatividade social, ideia com a qual concorda até mesmo Alain Badiou, em outros pontos tão distante da imanência agambeniana
Numa resenha sobre A comunidade que vem, Badiou admite que "au cœur du problème du propre et de l’impropre et de l’appartenance et de la non appartenance gît le problème de la souveraineté, définie, comme le fait Schmitt, par le pouvoir de décider sur l’état d’exception, ie de ce qui est exclu, mais aussi de ce qui tout en étant exclu est par là même inclus dans l’état des choses par l’Etat, puisque la loi d’exception proclame le suspens de l’ordre juridique mais, en même temps, elle s’applique en ne s’appliquant pas, ie en se référant à ce qui est exclu, qui est ainsi inclus sous la forme de la suspension même de la loi. C’est encore une figure extrême de l’état des choses. Donc penser quelque chose qui déjoue le couple appartenance / inappartenance, propre / impropre, revient à mettre en échec la souveraineté, ie essayer de penser une chose qui soit ni excluable ni incluable, même pas sous la forme extrême de la souveraineté qui exclut en incluant et inclut en excluant". E dirigindo-se a Jean Christophe Bally diz estar completamente de acordo a respeito de "l’excès de l’appartenance sur l’inclusion, dont le régime de l’exception véhicule une autre figure. Je suis très intéressé par toutes les figures qui mettent en échec le couple propre / impropre, pour penser l’en dehors exclu : cette appropriation désappropriée, cette expropriation appropriée, qui diagonaliserait le pb de l’appartenance et de l’inappartenance. Je suis donc totalement d’accord avec ta critique, sauf que moi j’essaie de penser le langage en tant qu’événement de langage, ie que l’être dit d’une chose n’est pas le nom comme propriété de cette chose, mais une espèce d’événement transcendantal, à condition, et c’est peut-être mon héritage heideggerien, car, chez Heidegger, on peut accepter cette pbtique du langage si on ne prend pas le langage du point d’une linguistique ou grammatical". BADIOU, Alain - "Intervention dans le cadre du Collège international de philosophie sur le livre de Giorgio Agamben: la Communauté qui vient, théorie de la singularité quelconque". https://www.entretemps.asso.fr/Badiou/Agamben.htm.. È que, como argumenta Andrew Gibson, Alain Badiou propõe uma ontologia ética da irrupção intermitente do acontecimento, ao passo que Agamben elabora uma epistemologia ética que busca deixar de pensar como pensamos, profanar convenções e nos libertarmos das signaturas que marcam o comum para fazermos valer as próprias
GIBSON, Andrew - Intermittency: The Concept of Historical Reason in Recent French Philosophy. Edinburgh, Edinburgh University Press, 2012, p. 26; WATKIN, William - Agamben and indifference: a critical overview. London. Rowman & Littlefield, 2014, p. 19.. Mas vejamos, rapidamente, como repercute essa tradição no autor de Estado de exceção.
Agamben
Sobre o autor, ASSELIN, Guillaume e Jean-François Bourgeault (éd.) - La littérature en puissance. Autour de Giorgio Agamben, VLB, Montréal; CALARCO, Matthew e Steven DeCaroli (ed.) - Giorgio Agamben. Sovereignty and Life, Stanford University Press, Stanford, 2007; CASTRO,. Edgardo - Giorgio Agamben. Una arqueología de la potencia, Buenos Aires,UNSAM 2008; CLEMENS, Justin, Nicholas Heron e Alex Murray (ed.) - The Work of Giorgio Agamben. Law, Literature, Life, Edinburgh University Press, Edinburgh 2008; DICKINSON, Colby- Agamben and Theology, T&T Clark International, London, 2011; DURANTAYER, Leland de la - Giorgio Agamben. A Critical Introduction. Stanford University Press, Stanford, 2009; GALINDO, Alfonso - Política y mesianismo. Giorgio Agamben. Madrid, Biblioteca Nueva, 2005; KISHIK, David - The Power of Life. Agamben and the Coming Politics, Stanford University Press, Stanford, 2011 - MILLS, Catherine - The Philosophy of Agamben. Montreal, McGill-Queen’s University Press, 2008; MURRAY, Alex - Giorgio Agamben. London, Routledge, 2010; IDEM e Jessica Whyte - The Agamben Dictionary, Edinburgh University Press, Edinburgh, 2011; NORRIS, Andrew (ed.)- Politics, Metaphysics, and Death. Essays on Giorgio Agamben’s “Homo Sacer”. Durham, Duke University Press, 2005; WATKIN, William - The Literary Agamben. Adventures in Logopoiesis. London, Continuum, 2010, ZARTALOUDIS,. Thanos - Giorgio Agamben. Power, Law and the Uses of Criticism. London, Routledge, 2010.
Se Ulisses é o protagonista, para Adorno e Horkheimer, da dialética do esclarecimento, empurrando sempre a astúcia plus ultra, para Foucault, no entanto, a espera de Ulisses acorrentado e até mesmo o esquecimento assassino de Orfeu (orftu, orfele, orfnós...) são o próprio ser da linguagem moderna. Mas assim como os frankfurtianos propunham uma dialética negativa e a teoria francesa ensaiava oposições binárias, os italianos, porém, tendem a equacionar as forças de maneira bipolar. Apoiados, com efeito, numa tradição que remonta a Maquiavel e a Vico, assentada no tripé história-vida-política, recarregada em 68 pelo resgate dessa tradição nietzscheana de conceituar o excesso e a exceção, é o pensamento italiano que nos persuade, de fato, que uma máquina, por exemplo, em seu sentido mais amplo, é um dispositivo de produção de gestos, de condutas, de discursos. As máquinas agambenianas, tomadas, além do mais, de Canguilhem e Foucault, para não dizer de Raymond Roussel, não se caracterizam, digamos, por sua tensão dialética, mas por sua bipolaridade. A máquina-dispositivo articula sempre dois elementos que, a primeira vista pelo menos, parecem se excluir ou se opor: langue e parole na máquina-infância, sincronia e diacronia na máquina rito-jogo, animalidade e humanidade na máquina antropológica, soberania e exceção na máquina governamental. Portanto, o funcionamento destas máquinas produz constantemente zonas de indiscernibilidade, limiares, mas não limites, nos quais é impossível distinguir de qual dos dois componentes articulados se trata. Assim, por exemplo, a máquina jurídico-política do Ocidente produz essas zonas onde já não se pode distinguir entre o animal e o humano: os campos. Por último, cabe destacar uma questão extremamente relevante e é que o centro destas máquinas está vazio. Para nos servir da metáfora mecanicista, a engrenagem que articula seus elementos constitutivos, sua bipolaridade, não tem nenhuma realidade substancial. Elas giram no vazio (o tópico do vórtice que Agamben explorará, em 2014, em O fogo e o relato) e, por isso mesmo, apenas se definem em termos funcionais. Poderíamos dizer, em suma, que Agamben é um pessimista.
Pareciera que Agamben hubiese radicalizado hasta tal punto el pesimismo antropológico que se tornase impensable toda creencia en el potencial liberador de la acción. De este modo, un mismo dato antropológico motivaría bien la perspectiva del jurista que, pese a todo, defiende la traducción jurídica de la fuerza, bien la del apocalíptico, que rechaza todo derecho y aspira a desactivarlo
HERVAS, Alfonso Galindo - "Deconstructing Agamben". Res Publica: Revista de Filosofía Política, Madrid, Universidad Complutense, nº28, 2012, p. 275.
Por isso vale a pena observar a gênese de suas categorias analíticas. Em Homo sacer II, 1, isto é, Estado de exceção (2003)
AGAMBEN, Giorgio - Estado de exceção.Tradução Iraci D. Poleti. São Paulo, Boitempo, 2004 , o conceito de exceção, através de sua etimologia, ex-ceptio, significa ser e estar "capturado fora", ou seja, ser e estar incluído, porém, através de uma exclusão. Agamben toma a noção de exceção de Benjamin, quem já sugeria que a exceção tornara-se regra e a regra, exceção, uma vez que a excepcional suspensão da lei acontece tão frequentemente na nossa sociedade que já não se pode dizer que o Estado seja um conceito sólido ou coerente. A aporia repousa então em que a função do Estado consiste em suspender a lei para preservar a lei.
Se analisamos com mais cuidado, veremos que todo o raciocínio de Agamben sustenta-se na ideia de que estamos perante um debate entre Walter Benjamin e Carl Schmitt acerca do lugar concedido à violência extra-legal. Com efeito, Agamben argumenta no sentido de que a teoria schmittiana do estado de exceção é uma resposta esotérica ao ensaio de Benjamin, de 1921, sobre "Crítica da violência", já que a pura violência de Benjamin se torna agora decisão soberana que não produz nem preserva a lei, mas apenas suspende-a. De fato, foi Carl Schmitt, nos diz Agamben, quem tentou formular a teoria mais ambiciosa do estado de exceção, em A ditadura (1921) e em Teologia política (1922). Na primeira, o estado de exceção é apresentado através da ditadura. Schmitt faz distinção entre uma “ditadura comissariada” (que procura defender e restaurar a ordem vigente) e uma “ditadura soberana” (uma figura da exceção). Na segunda, porém, desaparecem os termos “ditadura” e “estado de sitio”, e esse lugar é ocupado pelo “estado de exceção”. Apesar das aporias que isso representa, a finalidade perseguida por Schmitt, em A ditadura, é inscrever o estado de exceção no contexto jurídico, articulando estado de exceção e ordem jurídica. A tais efeitos, no caso da ditadura soberana, que é certamente o mais interessante, a inclusão do estado de exceção é levada adiante através da distinção entre “poder constituinte” e “poder constituído”. O “poder constituinte”, para Schmitt, não é simplesmente uma questão de força, uma vez que mantém certa relação com a ordem jurídica e possui um mínimo de constituição. Na Teologia política, a inclusão do estado de exceção na ordem jurídica é levada a cabo através da distinção entre norma [Norm] e decisão [Entscheidung, Dezision]. O estado de exceção revela assim um elemento formal especificamente jurídico: a decisão. A partir daí, conclui Agamben, vinculam-se indissociavelmente, estado de exceção e teoria da soberania. É soberano quem pode decidir a respeito do estado de exceção, quer dizer, a respeito da suspensão da norma. Neste caso, o soberano se situa fora da ordem jurídica, mas, enquanto é responsável de sua suspensão, ele está, ao mesmo tempo, incluído nela.
Então, podemos definir o estado de exceção, na doutrina schmittiana, como o lugar onde a oposição entre a norma e sua aplicação alcança sua máxima pungência irradiante. É um campo de tensão jurídica, no qual um mínimo de vigência formal coincide com um máximo de aplicação real e vice-versa. Mas, também, é nesta zona extrema ou, melhor dizendo, é propriamente em virtude dela que os dois elementos do direito mostram sua íntima coesão recíproca. Essa decisão de, através do estado de exceção, suspender a lei, mostraria a não-relação da lei com a vida e essa ausência de relação entre a lei e a vida significa, ainda, abrir a possibilidade de uma ação humana, a política, que não deveria ser confundida com uma obra, porém, tomada como potencialidade. Na sociedade contemporânea, nos diz Agamben, a política vem sofrendo um longo eclipse a-musaico (afastado das Musas mas acompassado por uma música banal) porque a política foi contaminada pela lei como princípio formal ideal. Isto suscita a necessidade de reivindicar uma redenção, uma ideia de vida ou umas formas-de-vida (Wittgenstein) que não sejam facilmente capturadas pelos dispositivos de poder. Assim, o estado de exceção, como instância biopolítica ou mesmo tanatopolítica, deve tornar-se inoperante. Essa seria a intervenção política mais consistente, segundo Agamben. Por isso mais tarde, em Homo sacer, IV, 2, ou seja, L´uso dei corpi (2015), Agamben nos propõe o relativo como algo simultaneamente incluído e excluído no absoluto. "Il soggetto ultimo, che si tratta di eccepire e, insieme, di includere nella città, è sempre la nuda vita"
AGAMBEN, Giorgio - L’uso dei corpi. Homo sacer, IV, 2. Vicenza, Neri Pozza, 2014, p. 266.. E mais adiante, ainda, esclarece que, ao longo de toda a série Homo sacer,
la struttura dell’eccezione che era stata definita rispetto alla nuda vita si è rivelata costituire più in generale in ogni ambito la struttura dell’archè, tanto nella tradizione giuridico-politica che nell’ontologia. Non si può comprendere, infatti, la dialettica del fondamento che definisce l’ontologia occidentale da Aristotele in poi se non si comprende che essa funziona come una eccezione nel senso che si e visto. La strategia è sempre la stessa: qualcosa viene diviso, escluso e respinto al fondo e, proprio attraverso questa esclusione, viene incluso come archè e fondamento. Ciò vale per la vita, che, nelle parole di Aristotele, "si dice in molti modi" – vita vegetativa, vita sensitiva, vita intellettiva, la prima delle quali viene esclusa per fungere da fondamento alle altre –, ma anche per l’essere, che si dice ugualmente in molti modi, uno dei quali verrà separato come fondamento.
E possibile, del resto, che il meccanismo dell’eccezione sia costitutivamente connesso all’evento di linguaggio che coincide con l’antropogenesi. Secondo la struttura della presupposizione che abbiamo più sopra ricostruito, il linguaggio, avvenendo, esclude e separa da sé il non linguistico e, nello stesso gesto, lo include e cattura come ciò con cui esso è sempre già in relazione. L’ex-ceptio, l’esclusione inclusiva del reale dal logos e nel logos è, cioè, la struttura originaria dell’evento di linguaggio
IDEM - ibidem, p.334..
Portanto, para conceituar a exceção, não há como separá-la da arché. Ora, examinando, em retrospectiva, seu longo percurso teórico, Agamben resume a questão dizendo que
la città si fonda sulla scissione della vita in nuda vita e vita politicamente qualificata, l’umano si definisce attraverso l’esclusione-inclusione dell’animale, la legge attraverso l’exceptio dell’anomia, il governo attraverso l’esclusione dell’inoperosità e la sua cattura nella forma della gloria.
IDEM - ibidem, p 336.
Vamos exemplificar essa divisão com uma aguda observação de Lima Barreto. Em 1907, assinando como "Pingente", um homo sacer que não pertence nem ao doméstico nem ao público mas está pendurado entre ambos, Lima observa, em artigo para a Fon-fon, a supremacia, nos bondes, do fiscal em detrimento do condutor e aventa, a partir desse ponto, a deriva biopolítica:
Eu me explico. A saliva, o sangue e outros líquidos orgânicos, submetidos a agentes químicos, podiam revelar provas robustas do fundo moral e intelectual dos indivíduos.
A bacteriologia e outras sabenças modernas podiam também vir em auxílio das administrações, públicas e particulares, dando uma dosagem matemática dessas aliás qualidades individuais e impedindo que um cidadão como eu estivesse a perder o seu tempo com esta questão: por que razão o fiscal merece mais crédito que o condutor?
A viagem acaba. Desço a rua do Ouvidor, acotovelo-me com as primeiras pessoas da pátria, vejo a Garnier e as ciências, letras e artes nacionais na montra sem vidro de sua porta e de sua sala, olho o Supremo Tribunal, depois a Câmara, chego aqui e ainda pergunto: por que razão o fiscal merece mais crédito que o condutor?
BARRETO, Lima – “O fiscal e o condutor”. Sátiras e outras subversões: textos inéditos. Org. Felipe Botelho Corrêa. São Paulo, Companhia das Letras, 2016, p.233.
Esposito
A estas bipolaridades agambenianas acrescentam-se outras, como immunitas / communitas; dentro / fora. Detenho-me nesta última. "Il fuori" é o terceiro capítulo de Terza persona (2007) de Roberto Esposito. Nele, ativando a tradição francesa do pensamento do exterior, o autor relembra que, em As palavras e as coisas, essa dimensão do fora (dehors) equivalia ao impensado, para depois chamar-se vida, uma vez que, com o desenvolvimento da ciência. "o ser biológico regionaliza-se e autonomiza-se; a vida é, nos confins do ser, o que lhe é exterior e que, contudo, se manifesta nele"
FOUCAULT., Michel - As Palavras e as Coisas. Uma arqueologia das ciências humanas. Trad. Salma T. Muchail. São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 376., o que coloca a questão das relações da vida com o não-vivo. Mais tarde, Deleuze, em sua leitura de Foucault, define esse exterior não como "un limite fisso ma una materia mobile animata da movimenti peristaltici, da pieghe e corrugamenti che costituiscono un dentro: non qualcosa di diverso dal fuori, ma proprio il dentro del fuori"
ESPOSITO, Roberto - Terza persona. Politica della vita e filosofia dell’impersonale. Torino, Einaudi, 2007, p. 167.. De fato, em Arqueologia do saber, Foucault, esclarece que o poder
"non avrà più a che fare solo con soggetti di diritto sui quali la morte è la presa estrema, ma con degli esseri viventi, e la presa che potrà esercitare su di loro dovrà porsi al livello della vita stessa". Ciò non vuol dire, egli continua, che la legge e le istituzioni giuridiche scompaiano, ma che esse funzionano sempre più nel senso della normalizzazione attraverso una serie di apparati di carattere medico e amministrativo, tesi a una regolazione della popolazione nel suo insieme – "una società normalizzatrice è l’effetto storico di una tecnologia di potere centrata sulla vita. Nei confronti delle società che abbiamo conosciuto fino al XVIII secolo, siamo entrati in una fase di regressione della dimensione giuridica". Costituzioni e Codici, che dall’inizio dell’Ottocento si susseguono a un ritmo sempre più sostenuto, non sono che le forme di bilanciamento che rendono possibile un potere di tipo normalizzatore. Abbiamo seguito la deriva tanatopolitica cui questo processo ha dato luogo nel tempo del nazismo. La distruzione della persona giuridica, in quel caso, è diventata il piedistallo di una immensa piramide del sacrificio alle falde della quale sono stati accumulati milioni di morti. Tuttavia, come anche si è visto in un’ottica di più lungo periodo, questo esito mortifero, più che alla critica della categoria di persona avviata nel secolo precedente, è addebitabile semmai alla persistenza del suo dispositivo escludente fin dentro il progetto della sua abolizione.
IDEM - ibidem, p.169-170.
Mas, longe de ser uma instância distante, esse dehors dans le dedans, nos diz Esposito, "siamo noi stessi guardati da un punto di vista che non coincide e anzi collide, con quello, trascendente, della nostra persona per sfociare nel piano radicalmente immanente dell’impersonale"
IDEM - ibidem, p.168.. A questão filia-se, portanto, não só ao conceito de exceção, trabalhado pioneiramente por Agamben, mas preanuncia também o dispositivo da pessoa em obras posteriores de Esposito, como Due. La macchina de la teologia politica (2013) o Da fuori. Una filosofia per l´Europa (2016). E, ainda, entronca-se com a categoria de extimidade proposta por Lacan.
Mais recentemente, Agamben publica o volume II, 2 de Homo sacer, Stasis. La guerra civile come paradigma politico (2015), onde reúne dois seminários desenvolvidos em Princeton, em outubro de 2001, e ali formula duas conclusões que acho importante relembrar aqui, complementando o conceito de exterior de Esposito. A primeira é que
La stasis non proviene dall’oikos, non è una “guerra in famiglia”, ma è parte di un dispositivo che funzione in modo simile allo stato di eccezione. Come, nello stato di eccezione, la zoe, la vita naturale, è inclusa nell’ordine giuridico-politico attraverso la sua esclusione, in modo analogo attraverso la stasis l’oikos è politicizzato e incluso nella polis.
A esta acrescenta Agamben uma segunda conclusão que diz:
Ciò che in gioco nella relazione fra oikos e polis è la costituzione di una soglia di indifferenza in cui il politico e l’impolitico, il fuori e il dentro coincidono. Dobbiamo cioè concepire la politica come un campo di forze i cui estremi sono l’oikos e la polis : tra di essi la guerra civile segna la soglia transitando attraverso la quale l’impolitico si politicizza e il politico si “economizza”
AGAMBEN, Giorgio - Stasis. La guerra civile come paradigma politico. Homo sacer II, 2. Bollati Borighieri, 2015, p.30..
È bom salientar que, na ordenação de sua obra, Stasis segue Estado de Exceção e precede O Sacramento da linguagem (2008), colocando-se no ponto crucial da seção II, dedicada às formas jurídico-políticas e ao governo, e que conclui com a “genealogia teológica” da economia, ou seja, com O Reino e a Glória (2006), cuja numeração correta aliás seria II, 4 e não II, 2, como se lê, erroneamente na folha de rosto. Ainda esse ano, em 2016, Agamben publicou um volume, O que é a filosofia?, onde lemos uma curiosa definição do trabalho do pensamento, que recolhe, de fato, toda essa discussão prévia a respeito do fora da instituição e a encaminha para um ponto central do pensamento agambeniano. O fora da instituição é o resgate da sua arché: a filosofia deve poetizar-se tanto quanto a poesia deve abordar as grandes questões filosóficas. E isto por um motivo muito simples, porque ambas fazem uso da linguagem. Um uso não-comunicativo, não-instrumental. Sagrado e profano, ao mesmo tempo. Incluído e excluído das trocas costumeiras. Em um dos ensaios de O reino e a glória já fica claro que a poesia é precisamente a operação lingüística que torna a língua inoperante ou, em termos de Spinoza, o ponto em que a língua, que já desativou suas funções comunicativas e informativas, ora descansa nela própria, contempla sua potência de dizer e se abre, enfim, deste modo, a um possível novo uso. Portanto, Agamben conclui finalmente seu ensaio de O que é a filosofia? dizendo:
Tutto quello che il filosofo scrive – tutto quello che ho scritto – non è che un proemio a un’opera non scritta o – che è, in fondo, lo stesso – un postludio il cui ludus è assente. La scrittura filosofica no può che avere natura proemiale o epilogale. Ciò significa, forse, che essa non ha a che fare con ciò che si può dire attraverso il linguaggio, ma col λόγος stesso, col puro darsi del linguaggio come tale. L’evento, che è in questione nel linguaggio, può essere solo annunciato o congedato, mai detto (non che esso sia indicibile – indicibile significa solo im-predicibile; esso coincide, piuttosto, col darsi dei discorsi, col fatto che gli uomini non cessano di parlarsi l’un l’altro). Ciò che del linguaggio si riesce a dire è solo prefazione o postilla e i filosofi si distinguono secondo che preferiscano la prima o la seconda, si attengano al momento poetico del pensiero (la poesia è sempre annuncio) o el gesto di chi, in ultimo, depone la lira e contempla. In ogni caso, ciò che si contempla è il non-detto, il congedo dalla parola coincide con il suo annuncio.
IDEM – “Sullo escrivere proemi”. Che cos’è la filosofia?. Macerata, Quodlibet, 2016, p.131.
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