In Eça, Teresa ; Pardiñas, Maria Jesus A.; Martínez, Cristina Trigo; Pimentel, Lucia (Orgs.) Desafios da
Educação Artística em Contextos Ibero-Americanos (pp.192-203). Porto: APECV (Associação de
Professores Expressão e Comunicação Visual). ISBN: 9789899638402.
(Nota: paginação identical à da fonte original)
WHEN YOU ARE PU“HED, KILLING´“ A“ EA“Y A“ BREATHING 1.
CULTURA VISUAL, VIOLÊNCIA E CINEMA: SOBRE A NECESSIDADE EDUCATIVA DE ANALISAR
CRITICAMENTE AS IMAGENS DA CINEMATOGRAFIA CONTEMPORÂNEA
Leonardo Augusto Verde Reis Charréu
(Universidade de Évora / Centro de Investigação em Educação e Psicologia)
RESUMO
Para uma educação das artes visuais que deseje aplicar uma metodologia de ensino fundamentada na
dimensão performativa da Cultura Visual, os seus materiais de estudo e os documentos visuais com que
sustentará o seu trabalho, são recolhidos no quotidiano do meio social. Mais aí, nas acções e dinâmicas
do trabalho, do consumo ou do lazer (como o cinema) do que nos museus, sem querer, contudo, negar a
importância destes últimos na divulgação e criação de novos relatos a partir das obras-primas da alta
ultu aàaíà gua dadas .
As imagens da bestialidade humana, as imagens da morte gratuita e banalizada, nesta vertigem de
violência sem precedentes, não pode, portanto, escapar ao trabalho de uma escola crítica que muita
gente, de dentro e de fora da educação, diz querer a i à à so iedadeà asà ue,à pa ado al e te,à
continua esmagadoramente a reproduzir e a exigir, na maior parte dos conteúdos disciplinares, e das suas
p ti as,àosà es osà o he i e tosà ep oduzidosàdaà altaà ultu a .
Partindo da análise crítica de mais uma produção cinematográfica norte-americana – o último filme da
série Rambo - e de uma noticia de jornal com uma descrição quantitativa de determinados conteúdos
ligados à violência extrema que percorre esta película, reafirma-se a importância do cinema na cultura
visual contemporânea e o papel das suas mensagens intrínsecas e extrínsecas, positivas e negativas, na
disseminação de significados relevantes. Por outro lado, a imprensa como fonte de informação para uma
pedagogia crítica baseada na dimensão performativa a cultura visual, também é devidamente identificada
e sublinhada no texto que se segue.
Palavras Chave: Educação Artística, Pedagogia Crítica, Cultura Visual, Media, Cinema.
1
Joh àRa oà “ l este à“tallo e:à Qua doàtuà sàp essio ado,à ata à àt oàf ilà o oà espi a à
(tradução livre do inglês do título).
Página 192
MOMENTO 1:
A voz pessoal do autor deste texto. Como as acções do quotidiano, ainda que trágicas, se ligam às
nossas memórias e opções pessoais.
Há três décadas atrás, sempre que os conteúdos violentos se extremavam, nas imagens televisivas,
raramente transmitidas em directo, (pois eram sempre editadas), surgia quase sempre um(a) jornalista
com o ar mais grave do mundo, recomendando às crianças, às pessoas mais sensíveis e impressionáveis,
aos doentes cardíacos etc., que se abstivessem pura e simplesmente de as ver. O texto que também
passava na vertical do écran, de baixo para cima, dizia o mesmo, num estilo bold, muito branco sob um
fundo preto, numa televisão que também só se apresentava tristemente a preto e branco. Julgo que o
efeito, em muitas pessoas, sempre foi o contrário. Lembro-me de ver a minha mãe olhando-as entre os
dedos, como se essa cortina de ossos, pele e carne atenuasse os seus efeitos, enquanto eu as mirava de
olhos esbugalhados, arriscando muitas noites de insónias somadas à minha instabilidade juvenil. Eram as
touradas e pegas de forcado mal sucedidas, as brigas do hóquei sob o gelo (esse desporto tão distante),
acidentes aeronáuticos, rodoviários e ferroviários brutais, crimes inusitados. A mudança que ocorreu
desde então, até chegarmos aos dias de hoje, foi quantitativa e qualitativa.
A guerra, violência institucionalizada, passou a ser espectáculo com direito a interrupções televisivas
para ser anunciada, tal como os corpos anónimos lançados em queda livre, para a morte, do alto das Twin
Towers nova-iorquinas. Ou ainda os corpos de mulheres e crianças que se despedaçam regularmente nas
ruas caóticas de Bagdad, ou Bassorá, entre explosões e chapa retorcida de automóveis e autocarros, que
passaram a ser recorrentes e demasiado frequentes no troco que a administração americana, acto
contínuo, exigiu. Estas imagens, e outras, que povoam diariamente o nosso espaço mediático, passaram a
fazer parte de um reportório que se bestializa de forma crescente sem que, aparentemente, a
humanidade pare para pensar. Tornaram-se rotina nos noticiários das oito enquanto meia humanidade
o ti uaà al a e teàaà o e àaàsopa… o oàseà adaàfosse.
Ao mesmo tempo que estas imagens se banalizam é também a própria violência que se trivializa,
abrindo-se assim caminho para a inacção e para o conformismo. Estas atitudes consubstanciam-se num
contexto já de si extremamente moldado e habituado à violência, como sublinha Peeter Linnap, num
artigo recente, ainda que reportando-se a imagens fotográficas. Segundo este investigador:
…While photographic images continue to have the power to shock, the way and extent to which this
happens depends on the particular contexts in which they are created and interpreted. (Linnap,
2007:211).
“hooti gàatàIlli oisàU i e sit àCa pus,àse e alàstude tsà lessedà àu k o àpe so àiaàpassa doàe à
rodapé, como é moda agora nos canais noticiosos. Nas imagens que, nestes casos, parecem ser sempre
prudentemente colhidas ao longe, muito ao longe – não vá uma última bala perdida furar por ali - viam-se
as habituais luzes intermitentes dos carros da polícia e das ambulâncias e as pessoas sempre correndo,
desordenadamente, de um lado para o outro. Actores à força, bailarinos desajeitados de uma qualquer
coreografia contemporânea.
Out aà ez!à Maisà u aà ata çaà deà i o e tes.à Istoà u aà aisà aià pa a ,à e ua toà seà p oduzi e à
produtos culturais violentos, e enquanto se compra uma arma (calibre de guerra), com a mesma
facilidade como se compra um is uei o .à Pe sei.à Colo ueià oà u so à a tesà dosà pa g afos,à ai daà
desconexos, que a seguir já se esboçavam, tinha agora uma infeliz inspiração para fazer avançar o texto e
para sustentar uma posição de partida, na altura sempre difícil e insegura do arranque de qualquer texto
de análise crítica. Sobretudo
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quando essa análise é efectuada sobre uma pequeníssima parte da produção cultural contemporânea.
Os massacres da escola secundária de Columbine (1999), da Universidade de Virgínia (2007) e agora na
de Illinois (2008), perderam crescentemente actualidade poucas semanas depois de terem sido
cometidos, trivializaram-se. Ainda que o filme documentário do mal-amado Michael Moore tivesse, de
algum modo,à oà o d oà deà e upe a à oà te aà pa aà a tualidade,à du a teà u à o à pedaçoà deà te poà
se u dadoàpo àout osàauto es,à o oàG ego à“hafe à ueà u àa tigoà e e teàsuste taà ueà The United
States today is in free fail from the deluge of gun violence. Whether the icon is Mel Gibson, Arnold
Schwarzneger, John Wayne or Clint Eastwood, the images of violence are almost certain to romanticized
the use of high-powered firearms. And so, while schools become Killing fields, movies portray guns –
usually machine gun – as solutions and benign instruments of the American way “hafe ,à
: .
Aceitar a violência com um encolher de ombros, como um sinal inevitável dos tempos, será meio
caminho para o desastre. Sem querer entrar no medo milenar e catastrófico de uma qualquer transição
de milénio, retardada, e sem cair na pura desesperança, um sentido possível para uma educação escolar
das visualidades contemporâneas pode passar por encontrar uma intencionalidade educativa para os
projectos práticos dos alunos, consciência essa que os leve a pensar criticamente sobe o que vêem,
identificar com clareza a humanidade e a desumanidade das/nas acções humanas, seja qual for o
contexto em que são desenvolvidas. Trata-se de, nessa dialéctica Homo Sapiens versus Homo Demens,
com que o filósofoàEdga àMo i à a a te izouàoà aut ti o àho e à esseà es oà ueà eza,àa a,àda ça,à
a taà eà …à gue eia! à faze à pe de à asà a çõesà doà De e sà pa aà oà “apie s.à Po à issoà es oà aleà aà pe aà
apostar na educação, precisamente por acreditar que a escola deve ser o lugar essencial onde tal deve e
pode ser possível.
O autor destas linhas pertence, assumidamente, a uma corrente de educadores de arte que, em
determinados momentos curriculares, julga ser essencial a aquisição de competências críticas por parte
dos aprendentes no sentido de compreenderem uma intencionalidade educativa, ancorada eticamente,
que deverá subjazer a qualquer projecto de ensino artístico para jovens. Será esse o componente
qualitativo mais relevante, sobretudo se o objectivo desse projecto não for e lusi a e teàaà fo aç oà
deà a tistas ,à asà esti e à ligadoà aà u aà edu aç oà deà atu ezaà íti a,à deà
itoà aisà ge al. Acredito,
portanto, que um ensino artístico de qualidade vá muito mais além das meras aquisições técnicoformalistas, sem todavia as negar completamente, fornecendo aos jovens competências críticas que os
ajude a descodificar, a revelar e a compreender a trama de linhas de força que configura, por vezes de
modo complexo, o mundo que nos tocou viver.
MOMENTO 2:
Como os documentos do quotidiano podem ser utilizados como fontes primárias para uma educação
artística para a compreensão performativa da Cultura Visual.
Educar segundo a perspectiva da compreensão performativa (Hernández, 2007) da cultura visual,
implica, da parte de quem ensina e de quem aprende, o refinamento de uma olhar crítico, um olhar
curioso, ao mesmo tempo sócio-antropológico e estético. Este olhar encontra-se numa dimensão situada
aisàpa aàal àdoà deslu
a e to àdeàO tegaà àGasset,à ueàu àdia disseà ueà todasàasà oisasàseà osà
pa e e à a a ilhosas,à ua doàasàolha osà o àasàpupilasà e àa e tas .
Para um educador de arte que deseja aplicar uma metodologia de ensino fundamentada na dimensão
performativa da Cultura Visual, os materiais de estudo e os documentos visuais com que sustentará o seu
trabalho, são mais recolhidos do meio social (Stokrocki, 2000, Freedman 2003, Duncum 2006) do que nos
museus.
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As imagens da bestialidade humana, o matar por matar, nesta vertigem de violência sem precedentes,
oàpode,àpo ta to,àes apa àaoàt a alhoàdeàu aàes olaà ueàtodaàaàge teà ue à a i à àso iedadeà asà
que, paradoxalmente, continua esmagadoramente a reproduzir e a exigir, na maior parte dos conteúdos
disciplinares, e das suas práticas, os mesmos conheci e tosà ep oduzidosà daà altaà ultu a ,à o oà seà
fosse só ela que circunscrevesse a vida dos alunos, afinal a principal razão da existência de uma escola.
Em boa verdade, os jovens encontram-se imersos numa difusa e complexa cultura mediático-consumista,
e esta cultura de contornos mal definidos é o lugar existencial absoluto onde vive a maior parte dos
jovens públicos da escola e, já agora, também as principais vitimas da violência identificada e por
identificar (Jagodzniski, 1997; Bushman & Huesman, 2001 e Chung, 2007).
Assim, as questões políticas não deverão ser só apanágio exclusivo de determinadas áreas não
curriculares, como a Formação Cívica, antes pelo contrário, deverão estar transversalmente presentes nas
disciplinas mais conectadas com as questões culturais numa perspectiva bem defendida por Giroux (1997)
que se transcreve:
To a à oà políti oà aisà pedagógi oà sig ifi aà utiliza à fo asà deà pedagogiaà ueà i o po e à i te essesà
políticos que tenham natureza emancipadora; isto é, utilizar formas de pedagogia que tratem os
estudantes como agentes críticos; tornar o conhecimento problemático; utilizar o diálogo crítico e
afirmativo; e argumentar em prol de um mundo qualitativamente melhor para todas as pessoas. Em
parte, isto sugere que os intelectuais transformadores assumam seriamente a necessidade de dar aos
estudantes voz activa nas suas experiências de aprendizagem. Também significa que devemos
desenvolver uma linguagem crítica que esteja atenta aos problemas experimentados ao nível de
experiência quotidiana, particularmente enquanto relacionados com as experiências pedagógicas ligadas
à prática em sala de aula. Como tal, o ponto de partida destes intelectuais não é o estudante isolado, e
sim indivíduos e grupos nos seus diversos ambientes culturais, raciais, históricos, de classe e género,
ju ta e teà o àaàpa ti ula idadeàdosàseusàdi e sosàp o le as,àespe a çasàeàso hos .
Os elementos-guia que orientam agora a vida quotidiana de uma exigente massa de milhões de jovens
em todo o mundo (alguns até com uma capacidade económica invejável), obrigam-nos agora a olhar
muito atentamente para uma espécie de binómio necessidade-desejo, bem caracterizado por autores
como Jean Baudrillard, Naomi Klein (ou Flood & Bamford (2007). Segundo estes últimos:
Needs a e eated by objects of consumption and exists because the system needs them. There is no
distinction between what is genuine or fake and, in an economy of desire, the boundaries of the individual
are blurred. The masses have become the whole in that production needs consumption in a grand scale.
Through ownership of objects of mass desire, people gain a sense of place within societies that become
fu the alie ated f o the i di idual. (Flood & Bamford, 2007:92)
Mark Poster completa a ideia noutros termos:
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Today every desire, plan, need, every passion and relation is abstracted as sign and as a object to be
purchased and consumed. (Poster, 1997:123)
A cultura visual contemporânea, como a entendem alguns dos seus autores mais citados (Kerry
Freedman, 2003; Hernández, 2003, 2007; Duncum, 2006 etc.) para além das formas de arte visual erudita
que, sublinhe-se, não são desvalorizadas, interessa-se ainda mais por uma panóplia imensa de objectos e
imagens2 visuais: banda desenhada, cartoons, cartazes e painéis publicitários, fotografia e fotojornalismo,
brinquedos, software educativo, vídeo-jogos, vídeos musicais, moda, cinema, etc. Estas sãos as
manifestações quotidianas da realidade, aquela que circunscreve a gigantesca iconosfera global onde
todos vivemos imersos: os alunos, as suas famílias e os seus professores. As mais potentes, em termos
educativos, serão aquelas manifestações que veiculam conteúdos capazes de produzirem determinados
efeitos sobre os seus públicos, efeitos que conduzam a acções e a tomadas de posição que levem o
indivíduo a deixar o seu habitual e cómodo lugar de neutralidade, perante as injustiças e os males do
mundo, de modo a poder actuar para corrigi-los e anulá-los.
Daí a di e s oà pe fo ati a à ue àdize ,à ueài pli aàa ç o ,àdasà o asà etodologiasàdeàe si oàdaà
Cultura Visual coerente e fundamentadamente defendidas por vários investigadores e académicos actuais
a partir de uma posição pedagógica assumidamente crítica e questionadora. Entre estas manifestações,
debruçamo-nos neste texto sobre o cinema, que em suporte televisivo, ou noutro qualquer, tem um
impacto enorme sobre as pessoas, em particular os jovens, constituindo, como alguém já lhe classificou, a
mais democrática das artes, porque a ele, efectivamente, tem acesso qualquer indivíduo. Ao que tem
qualidade e ao que tem, manifestamente, falta dela. Como parece ser o caso do filme, objecto do nosso
interesse aqui.
Assim sendo, o que se exige a um educador contemporâneo, em particular, a um educador de artes
visuais, é que saiba escrutinar no meio social envolvente as imagens que considera serem mais capazes de
veicularem os conteúdos que julga serem essenciais para uma educação alternativa dos jovens. Nesta
empresa, o objectivo principal consiste em providenciar, aos jovens e adultos, estratégias de
compreensão que possam ser aplicadas sobre as iconografias do seu tempo. Eles deverão ser
o pete tesà pa aà sa e à o o à eà ua do à est oà aà se à le adosà e ga ados .à Po à isso, um dos
objectivos assumidos por determinadas perspectivas críticas da Cultura Visual é o de possibilitarem às
pessoas a aquisição e domínio de um conjunto adequado de bases para uma refutação consistente das
opções monolíticas e unidireccionais que, com frequência, se impõem na sociedade ocidental camufladas
po àu aàsupostaàdi e sidadeàeà li e dadeàdeàes olha .
Mas sabemos que não é bem assim. Na linha de rota do grande rolo compressor da cultura anglosaxónica, o indivíduo ocidental – supostamente livre - constituirá (mais uma) potencial e despersonalizada
peça do mercado nivelador e consumista global: uma alma aquecida e movida pelas luzes de néon e pelos
calendários das épocas de saldos, quando dois terços da humanidade (sobre)vive com menos e 1 dólar
por dia. Há quem seja absolutamente insensível ao sofrimento dos outros - os que vivem na metade sul
do globo - mas é impossível pensarmos hoje em termos locais, sem considerarmos os constrangimentos
globais, acontecendo o mesmo inversamente.
Desta forma, os documentos visuais do quotidiano – como os filmes, a publicidade, o fotojornalismo,
2
Considera-se,àtalà o oàe àW.T.J.àMit hellà
gráfico, o perceptivo, o mental e o verbal).
:à
,àaàe ist
iaàdeà i oà o eitosàdeà i age
à oàópti o,àoà
Página 196
o grafitti, a moda, etc. – são, portanto, os elementos simbólicos de uma mediação que educador
estabelece entre o aprendente e uma realidade que merece e precisa de ser analisada e dissecada, nas
suas vicissitudes, nas suas simulações, nos seus cenários difusos. Daí que hoje, ensinar segundo as
premissas da cultura visual, é termos a consciência de estarmos deliberadamente a recorrer um acto que
é ao mesmo tempo estético e político.
Daíàoà to e àdeà a iz àdosàa tistasà o te po eosàlegíti osà ep ese ta tesàdeàuma linha que alguns
apelidam pejorativamente de tardo- o
ti a.àPa aàestesà he óis à o te po eosàoà e eàdaàedu aç oà
artística deveria ser o de antecipar a experiência artística em termos da praxis, neutralizando todas
influências sociais que são, até, consideradas perniciosas ao acto criativo. O principal objectivo desta linha
de pensamento e acção é a pré-preparação de futuros artistas baseada numa maestria prática e técnica
ue,à o e doàoà is oà isí elàe à uitasàfa uldadesàdeà Beau àá ts àdeàfi a em enredados nas próprias
i ula idadesà epetiti as,à a a a oà po à lassi iza à osà p o essosà o oà j à oà s oà asà ha adasà
i stalações ,àasàt i asàeàosàp o edi e tos,à istaliza doà etodologiasàdeà
tie à ueàto a oàdifí ilà
o estabelecimento de pontes o eptuaisà aisà i asà oltadasàpa aàasà out as à i iasàhu a as.
MOMENTO 3:
Escrutinar os meios de produção de imagens e recuperá-los para o interior da escola: a força do (bom e
mau) cinema.
Estranhamente, a mais acessível e a mais ocidental forma e expressão artística, raramente integra os
o teúdosàp og a ti osàdosà u í ulosàofi iais,àe àpa ti ula àosàdaàdis ipli aàdesig adaàpo à Edu aç oà
Visual 3. Condições históricas ligadas à proveniência académica dos seus professores (pintores,
escultores, arquitectos e designers) explicam, em parte, a razão pela qual são as questões a
bidimensionalidade e da tridimensionalidade estática (menos esta última) que têm a predominância nos
conteúdos programáticos. As escolas de cinema são muito recentes, e a legislação que habilitava para o
e si oà u aà o te plouà osà i eastasà o oà p ofissio aisà o à ha ilitaç oà p óp ia à pa aà e si a à asà
visualidades que, com especial maestria, é sabido, alguns dominam. Depois, também há a considerar o
estatuto popular do cinema, pouco adequado a uma escola supostamente democrática mas que, ao invés,
eà e à g a deà edida,à o oà i osà at s,à se p eà p i ilegiouà osà o teúdosà daà ha adaà altaà ultu a ,à
como o é a arte visual legitimada pelos grandes museus. Contudo, é bom ter em conta que, quando
falamos de cinema, referimo-nos a uma ampla tecnologia que é efectivamente multidimensional. O que o
torna tão peculiar e o que o torna pedagogicamente tão potente, é facto de englobar realidades (por
ezesà disti tas à ueà
à a tes ,à du a te à eà depois à ouà po à fo a à doà fil eà Dua te,à
: .à Istoà
significa que a consciência dos contextos de produção, circulação e observação dos filmes são
fundamentais para percebermos os efeitos que podem ter sobre os públicos (Charréu, 2007).
Resu i do,àoà a tes àpodeà o de sa àaà oti aç oàe t í se aàdoà i eastaàpa aàaà ealizaç oàdoàfil e,àoà
seu posicionamento estético e político, as pressões da produção e dos sponsors, os limites morais (até
o deàseàjulgaàpode ài àoà du a te àpodeàe e tual e te constituir a parte de maior gozo e intensidade, é
oà ueàa o te eàeà àf uídoà aàsalaàdeà i e aàouà oà a àdoàtele iso ,àj àoà depois àde e à o stitui ào
momento da publicitação do filme, dos efeitos e das ondas provocados pelo seu contacto com o grande
público, quer integre os circuitos comerciais, quer circule pelos circuitos alternativos de exibição. Serão
3
Designação disciplinar no sistema de ensino português. Em Espanha designa-seà po à Edu a ió à Visualà à
Pl sti a ,à efo ça doà o eptual e teàaà a ga artística. Nos países anglo-sa ó i osàaàdesig aç oà á t àouà á tà
Edu atio àai daà à aisàlata,àe glo a doài lusi eàout asàe p essõesàa tísti as.
página 197
estes últimos os momentos que mais interessarão a uma abordagem educativa crítica. Espera-se que
um bom filme, de qualquer género, tenha um impacto mais ou menos acentuado sobre quem o vê. Por
outro lado, também é justo não esquecer que o cinema precisa de um distanciamento critico e
antropológico pa aàpode osàp e e àoà ueàat sàdesig a osà o oàoà depois àeàoà po àfo a .àNe essita,à
e fi ,àda uiloà ueàMetzà
àdefi eà o oà a liseàdes iti a .àNestaàa liseà uza -se os diferentes
sistemas de significação dos filmes com os elementos de significação que estão presentes nas culturas em
que eles são vistos e produzidos. A ideia é a de procurar identificar e descrever os significados das
narrativas fílmicas no contexto social em que elas participam (Duarte, 2002:99). Daí a extraordinária
importância do cinema para a educação. Na história da humanidade é a primeira vez que se produzem
imagens com uma consciência e intencionalidade prévias relativamente ao efeito que é expectável
produzirem sobre uma audiência global. Também é verdade que muitos eventos e acontecimentos são
projectados a pensar num consumidor global que por vezes extravasa completamente o nível local onde
são produzidos (Charréu, 2007).
Momento 4:
Quando para o herói, matar é sempre justificável, e é a única coisa que sabe fazer bem, então podemos
aprender o que não queremos ser/fazer/ensinar, a partir de um filme.
O filme em apreciação que serve de base a este texto estreou nos EUA em de Janeiro do corrente e a
máquina industrial de Hollywood logo se encarregou de distribui-lo a uma escala global. Escassos dias
depois a estreia a pesquisa num motor de busca famoso registou mais de dois milhões de referências ao
te oà Ra oàIV ,àe àp gi asà e àdeàtodoàoà u do.àRegistouàlogoà íti as,àt oà iole tasà o oàoàfil e ,à
quanto irónicas, em jornais locais norte-americanos4 e nacionais5. É, portanto, com mais um filme de
o ti uaç oà daà s ieà Ra o ,à i i iadaà e à
à o à Fi stà Blood ,à oà o igi al ,à ueà te ta e osà
conectar o que foi escrito atrás com o se seguirá para a frente. Por fazer ficou um estudo estatístico entre
o número de referências elogiosas e positivas e o número de referências negativas ao filme (seria mais
uma interessante investigação) expressas na Internet em contínua expansão. No entanto, não precisamos
da ajuda matemática estatística para considerar este filme execrável, a todos os títulos. Ainda que, com
consciência do paradoxo, nos baseamos mais adiante em números para fundamentar a nossa
interpretação.
Quer no plano da performance dramática dos actores (Stallone é um actor de secundaríssimo plano)
quer no plano do enredo e da história que o actor julga ser capaz de contar, uma vez que também é o
guionista do filme, esta é uma película muito fraca, o que não quer dizer que não perpetue uma
determinada forma de Hollywood fazer juízos de valor sobre o mundo que, no fundo, desconhece. Quer
ainda sob o ponto de vista da intencionalidade artística do filme, se é que o realizador (mais uma vez, o
o ipote teà “tallo e,à agai à se ue à hegouà aà pe sa à efe ti a e teà ela,à oà fil eà à a solutamente
edío e,à es oà at à aà i t oduç oà deà u aà p ete saà oti aç oà eligiosa ,à es uí iosà doà ho ueà deà
civilizações e de religiões que trespassa actualmente não só o imaginário colectivo norte-americano, mas
também de um modo geral as preocupações do chamado mundo ocidental que vê em qualquer inocente
muçulmano um potencial terrorista.
Peeter Linnap considerou mesmo como absolutamente artificial a forma com os media e a indústria de
televisão e cinema incutem o medo no tecido social. Segundo este autor fil a d tele isio ha e defi ed
thei o
a s of ep ese ti g fea that do ot eso t to ep ese tatio s of e e da e pe ie e (Linnap,
2007:215).
4
Joh à Muelle ,à Deadà a dà deade à Losà á gelesà Ti esà deà à deà Ja ei oà deà
à Losà á geles,à Calif.à Editorial
(página de início M7).
5
Luísà“il a,à Ra oà àoà aisà o tífe oàdeà“e p e:à“tallo eàdei aàu à astoàdeà o teà oà o oàfil e ,àCo eioàdaà
Manhã de 26 de Janeiro de 2008, pág.42.
Página 198
Numa perspectiva complementar Bogg & Pollard considera a construção de medos e ameaças como
preconceitos ideológicos destinados a moldar a opinião pública:
For cinema as for politics the «Middle East» now exists as a quasi-mystical category largely outside of
time and space, a ready source of dark fears and threats. Such ideological bias has shaped public
u de sta di g. (Bogg & Pollard, 2006:336).
Segundo determinados autores, a indústria cinematográfica acaba por estar indirectamente ao serviço
de uma propaganda belicista, ao encontrar um novo inimigo naquilo que Bogg & Pollard, (2006:350)
definem como uma nova categoria de ser humano: o terrorista. Tal categoria hipermediatizada com os
acontecimentos de 11 de Setembro, tornou mais viável e socialmente justificável uma certa forma
americana de lidar com a sua política externa, como se pode verificar em Bogg & Pollard (2006:348):
I a u i e se he e «te o is » is depi ted as a o olithi s ou ge to e e ti pated
a i u
armed force, further expansion of US global military power ends up as a logical corollary. Insofar as world
politics can be framed as the struggle of good versus evil, democracy versus tyranny, and civilization
versus barbarism, the Bush administration has been able to legitimate its unilateralism and militarism
hile o i g to upg ade the Pe tago ’s high-tech arsenals, rapid troop deployments, aerial/space
capabilities, and intelligence system — all ital to solidif i g the pe a e t a s ste … .
No entanto, quer nos situemos na alta política e nas relações internacionais, quer nos situemos na
circunscrição política caseira dos estados ocidentais, a relação entre a violência mediática, que nos chega
iaà i e a,àeà aà iol iaà ealà ueà tolheà asàso iedadesà o te po eas,à à e à eal,àsóà ueàoà i i igo à
está bem no seu interior.
Oàfil eà àt oà dej à u à ueàseàe plica em poucas palavras. Rambo IV vive em Baguecoque (Tailândia)
quando é contratado por missionários cristãos para subir um rio até à Birmânia. No percurso alguns
missionários são raptados e torturados por guerrilheiros. O nosso herói decide reunir um grupo de
mercenários para os libertar à moda americana com uma violência inaudita e a um ritmo feroz. Todavia a
indústria audiovisual the Hollywood é bem precisa e sofisticada na hora de aproximar a máquina de
guerra do espectador (des)atento, razão pela qual o filme é dirigido a um público estritamente masculino
que, de alguma forma, se revê mais num herói individual do que numa máquina de guerra sofisticada,
como sustenta Bogg & Pollard (2006:348):
While such representations (terrorists) are easily visible within the film industry, for marketing
purposes Hollywood still favors male action-hero narratives drawn from the legacy of John Wayne, James
Bond, Rambo, and Schwarzenegger, whose warrior roles owe more to the hypermasculine, individualistic
ethos of the frontier than to routine operations of the Pentagon war machine à.
Uma análise quantitativa transversal dos dados do quadro acima, realizada pacientemente por John
Mueller (Cfr. Notas 3 e 4) fornece-nos informações importantes e, ao mesmo tempo, preocupantes.
N oàsóàau e taàe po e ial e teàoà ú e oàdeà
o tos ,à o oà
o e
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eà aisà edo à oà e edoà doà fil e .à “eà estaà se à u aà o aà te d iaà glo alà dosà fil esà falsa e teà
apelidadosàdeà a ç o ,àte e osà ueàespe a àpelosàp ó i osàfil es.àMasà aisài te essa teàai da,àpa aàu à
autor que já é sexagenário (fez 62 anos a 7 de Julho de 2008) é que o nosso herói deixa de matar de
tronco nú, sem t-Shirt vestida. As marcas de velhice num actor que já foi um monte de músculos (não
sa e osà o à ua tasàho o as à oàajuda ia àaà e de àoàfil e.àOu,àoà o se ado is oàt adi io alàdeà
um público ultra-patriota norte-americano, e fundamentalista cristão, (o principal público deste filme)
não apreciaria a exposição de um semi nú esvaído, patético retrato de uma juventude já definitivamente
perdida, após 20 anos (o último Rambo foi em 1988), e, claro, bem danoso para a visão de um ethos
hipermasculino e individualista, que Bogg & Pollard, tão bem identificam acima, absolutamente
necessário para a estratégia de venda comercial do filme.
A autêntica vertigem de violência (são despachados 236 vilões, a uma média aproximada de cinco em
cada dois minutos!) patenteada por este filme parece-nos altamente perniciosa para uma juventude que
auto-aprende no espaço mediático, longe dos seus pais (dominados por um mundo do trabalho que os
absorve continuamente e que tende, em muitas profissões, a adoptar os modelos de exploração
oitocentista), sem qualquer controlo, nem discussão crítica. Alguns saberão já desmontar uma
Kalashnikov de olhos vendados, e até se insensibilizarem para o valor a vida humana, como os snipers de
Sarajevo, figuras grotescas de uma história Europeia incómoda e recente, vai penas um pequeno passo.
Daí que à escola contemporânea, às disciplinas curriculares que abordam o visual, aos professores e
aos projectos educativos dos centros e agrupamentos escolares, novos desafios os esperam. No entanto,
um upgrade mental é necessário para lhes poder dar resposta eficaz, Tal (re)evolução deveria começar
por uma nova consciência dos artistas que trabalham no espaço da criação visual (Artes Plásticas, Cinema,
Design, BD vídeoarte, Internet Art, Digital Art etc.) que permitisse uma esteticização do contemporâneo
que, afinal, tem sido, desde a revolução impressionista dos finais do século XIX, a pedra de toque da arte
visual de matriz ocidental. A grande diferença qualitativa é que hoje o vector mediático e mediacional é
axial em todo o processo da construção artística, como bem define Randall (2006):
Co te po a a tists a e usi g a t as ediatio fo dis ussio , iti is a d t a sfo i g pu li
opinion. In the age of global communication, the meaning of art is more closely related to mechanisms of
mediation; it is more often produced, upheld or reconfigured within the realm of mediation and its link to
the public. Political systems influence and are influenced by the media and on its themes, methods,
te h i ues a d st ategies.
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Se formos capazes de proceder a estas reconfigurações nos objectivos da produção artística, que já
vimos ser crescentemente multifacetada, e os colocarmos ao serviço de uma reconstrução social ampla e
universal de um mundo que já teve as guerras suficientes, e continua a ser ameaçado por uma violência
eal,à ueàseàali e taàdeàu aà iol iaà i tualàeàespe ta ula izada,àe t o…te e osàf à oàfutu o.
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p ó i o/à Glo alà I ageà a dà Visualà Cultu e:à O à hatà eà a à lea à f o à theà ediati à spa e à
(Coords) Vítor Trindade, Maria de Nazaret Trindade e Adelinda Candeias, Actas do Congresso
I te a io alà Theà U i it à ofà K o ledge .à É o a:à CIEPà - Centro de Investigação em Educação e
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