Verso
Verso é o nome dado a cada "linha" de um texto escrito em modo descontínuo. O verso será tratado musicalmente ao longo da composição textual, de acordo com padrões próprios de métrica, e organizado em conjunto com outros versos, formando estrofes. Por extensão, é também o nome dado ao estilo de escrita em modo descontínuo, em oposição à prosa.[1][2]
É a modalidade de escrita padrão das composições musicais, sendo também muito utilizado na literatura, principalmente em poemas.
Segundo Olavo Bilac e Guimarães Passos, "compreende-se por verso - ou metro - o ajuntamento de palavras, ou ainda uma só palavra, com pausas obrigadas e determinado número de sílabas, redundando em música".[3]
Um exemplo de texto escrito em versos é a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, cuja primeira estrofe é a seguinte:
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
Cada verso do texto é heptassílabo e possui uma cesura na terceira sílaba métrica, com exceção do terceiro verso que, para imprimir uma variação no ritmo do texto, desloca a cesura para a segunda sílaba. A partir dessa estrutura, o texto se organiza poeticamente, produzindo diversos efeitos estilísticos, como a rima entre o segundo e quarto verso e o quiasmo com "gorjeiam" no terceiro e quarto.
Na música
[editar | editar código-fonte]O verso nasceu com a música. Para se criar textos que pudessem ser cantados ao longo da composição musical, os compositores criaram os versos. Cada sílaba métrica é tratada como uma nota musical (sendo as sílabas tônicas e átonas como notas fortes e fracas, respectivamente) e encaixada no compasso da música.
Oh! que saudosa lembrança
Tenho de ti, ó Sião
Terra que eu tanto amo
Pois és do meu coração
A canção acima (Saudosa lembrança, do pastor Adriano Nobre) possui um ritmo 3/4 e cada verso possui sete sílabas métricas, cantadas ao longo de doze batidas. O autor, para ajustar o canto ao ritmo da música, escandiu-os de modo que a primeira, quarta e sétima (e oitava, se tiver) sílaba de cada verso seja cantada junto às batidas forte de cada compasso, respectivamente.
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 |
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Oh! | que | sau | do | sa | lem | bran | -an | -an | ça | — | — |
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 |
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Te | nho | de | ti | ó | Si | ão | — | — | — | — | — |
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 |
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Te | rra | que | eu | tan | to | a | -a | -a | mo | — | — |
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 |
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Pois | és | do | meu | co | ra | ção | — | — | — | — | — |
Assim, escandindo e cantando os versos segundo o compasso da música, é possível declamar textos de acordo e harmonizá-los com a música.
Na literatura
[editar | editar código-fonte]Em sua concepção, os versos eram sempre cantados. Com o tempo, os versos feitos apenas para recitar (sem acompanhamento musical) começaram a ser cultivados. Já encontramos exemplares em diversos salmos bíblicos e odes horacianas. Mas foi somente com o Renascimento que os versos estritamente literários se consolidaram em nossa cultura, mais especificamente com o movimento dolce stil novo, com poetas como Francisco Petrarca e Dante Alighieri.[4]
Em versos desse tipo, a variação entre sílabas átonas e tônicas é muito mais livre. O verso não está mais sujeito ao compasso musical e pode se dispor da forma que quiser, prezando apenas pela harmonia com os outros.
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar;
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer quanto sente,
Não sabe o que há de dizer;
Fala, parece que mente;
Cala, parece esquecer.
O trecho acima - do poema "Presságio", de Fernando Pessoa -, constituído por versos heptassílabos (ou redondilhas maiores), vemos que a variação entre sílabas tônicas a átonas é inconstante. Por vezes, como no primeiro verso, há tônicas vizinhas. Além disso, há a ocorrências de tônicas secundárias, que são sílabas que podem ser tônicas, dependendo da pronúncia do poema.[5] O quinto verso, da segunda estrofe, pode ser pronunciado de pelo menos duas maneiras: com uma tônica secundária em quem - "Quem quer dizer quanto sente" - ou com uma tônica secundária em quer - "Quem quer dizer quanto sente".
Tipos de verso
[editar | editar código-fonte]Além das células métricas, os versos podem ser classificados em agudos, graves e esdrúxulos. Um verso agudo é aquele em que a última palavra é oxítona; o verso grave é aquele em que a última palavra é paroxítona; e o verso esdrúxulo é aquele em que a última palavra é proparoxítona. Os termos também podem ser utilizados, na poética, para designar palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas, respectivamente.[6]
A variação entre versos agudos, graves e esdrúxulos pode gerar muitos efeitos rítmicos. Segundo Said Ali:
A terminação em sílaba átona dá-nos impressão de um movimento rítmico perfeito, que suavemente descai e acaba no ponto onde deve. Sentimo-nos, pelo contrário, como que forçados a uma parada súbita, antes do tempo próprio, quando chegamos ao fim de algum verso agudo interposto entre os graves.[7]
Justamente por causa disso, os versos agudos são muito utilizados para demarcar porções textuais em um poema. Nos versos abaixo, de Casimiro de Abreu:
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais;
Que amor! que sonhos! que flores!
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.
O poeta faz uso desse efeito para dividir a estrofe em duas porções: a primeira falando da sua saudade, e a segunda descrevendo a sua infância, cada uma com quatro versos heptassílabos.
Referências
- ↑ «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de verso». Dicionário Caldas Aulete. Consultado em 14 de outubro de 2023
- ↑ MOISÉS, Massaud (2012). A criação literária: poesia e prosa. São Paulo: Cultrix. p. 75. ISBN 978-85-316-1181-0
- ↑ BILAC, Olavo Brás Martins dos Guimarães; PASSOS, Sebastião Cícero dos Guimarães (1905). Tratado de versificação. Rio de Janeiro: Francisco Alves. p. 34
- ↑ CARPEAUX, Otto Maria (2012). A Idade Média por Carpeaux. Rio de Janeiro: LeYa. pp. 122–125. ISBN 978-85-8044-526-8
- ↑ PROENÇA, Cavalcanti (1955). Ritmo e poesia. [S.l.]: Organização Simões. pp. 12–13
- ↑ «O fenômeno da tônica secundária em palavras de quatro ou mais sílabas». comofazerumpoema. Consultado em 14 de outubro de 2023
- ↑ ALI, M. Said (2006). Versificação portuguesa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. p. 19. ISBN 85-314-0498-3
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- BILAC, Olavo Brás Martins dos Guimarães; PASSOS, Sebastião Cícero dos Guimarães (1905). Tratado de versificação. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
- PROENÇA, Cavalcanti (1955). Ritmo e poesia. [S.I.]: Organização Simões.
- ALI, M. Said (2006). Versificação portuguesa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. ISBN 85-314-0498-3.