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REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DA MULHER EM ROMA

1995, Phoinix

Nossa intenção ao redigir esta Comunicação é fazer algumas con-siderações de ordem metodológica sobre a História da Mulher em Roma, levantando algumas reflexões e advertências críticas. Muito se tem escrito sobre o silêncio das mulheres em Roma, pou-co se sabe sobre a mulher romana porque as fontes silenciam. Como seria a mulher romana? O que conhecia ela sobre os problemas do Impé-rio? Como pensava? Como agia? É difícil responder a estas questões, talvez e principalmente porque nunca foram formuladas perguntas para elas. Se analisarmos as correntes historiográficas dos últimos séculos comprovaremos em todas um denominador comum: uma visão parcial da história que contempla somente a experiência do homem. Uma pro-dução histórica que só considera como objeto possível de seu interesse o âmbito masculino (como individualidade ou organizações em classe, etnias, grupos etc). Na verdade a experiência histórica é o resultado da atuação con-junta, na sociedade, de homens e mulheres que a compõem e que nela vivem. Esquecer, portanto, a metade da Humanidade com suas vivências, sentimentos, trabalho, o caráter da relação entre os dois grupos-ho-mem/mulher-, sua representação em cada sociedade considerada, condiciona o conhecimerito apenas de uma história incompleta e uma história mutilada, de sexo, história parcial da Humanidade (Bridenthal. R. and Room, C.(ad.). Becoming visible: Women in european History ; Boston, 1977. Nash, M. Desde Ia innvisibilidad a Iapresencia de Ia mujer en Ia História. Corrientes historiogrâfica y marcos conceptuales em Nuevas perspectivas sobre Ia mujer, Madrid, 1982, pp. 18-37). Poder-se-ia objetar contra nossa assertiva, afirmando que na Historigrafia em geral e na Antigüidade romana em particular, existem trabalhos sobre mulheres ou sobre aspectos com elas relacionados. É certo .que podemos encontrar artigos e livros sobre o tema, mas com uma ci-'são que em nosso entender difere muito do que seriamente poderíamos chamar "história da mulher". A maior parte destes trabalhos se referem 137

REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DA MULHER EM ROMAzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV Prof Marilda Corrêa Ciribelli Nossa intenção ao redigir esta Comunicação é fazer algumas considerações de ordem metodológica sobre a História da Mulher em Roma, levantando algumas reflexões e advertências críticas. Muito se tem escrito sobre o silêncio das mulheres em Roma, pouco se sabe sobre a mulher romana porque as fontes silenciam. Como seria a mulher romana? O que conhecia ela sobre os problemas do Império? Como pensava? Como agia?zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO É difícil responder a estas questões, talvez e principalmente porque nunca foram formuladas perguntas para elas. Se analisarmos as correntes historiográficas dos últimos séculos comprovaremos em todas um denominador comum: uma visão parcial da história que contempla somente a experiência do homem. Uma produção histórica que só considera como objeto possível de seu interesse o âmbito masculino (como individualidade ou organizações em classe, etnias, grupos etc). Na verdade a experiência histórica é o resultado da atuação conjunta, na sociedade, de homens e mulheres que a compõem e que nela vivem. Esquecer, portanto, a metade da Humanidade com suas vivências, sentimentos, trabalho, o caráter da relação entre os dois grupos - homem/mulher -, sua representação em cada sociedade considerada, condiciona o conhecimerito apenas de uma história incompleta e uma história mutilada, de sexo, história parcial da Humanidade (Bridenthal. R. and Room, C.(ad.). Becoming visible: Women in european History ; Boston, 1977. Nash, M. Desde Ia innvisibilidad a Ia presencia de Ia mujer en Ia História. Corrientes historiogrâfica y marcos conceptuales em Nuevas perspectivas sobre Ia mujer, Madrid, 1982, pp. 18 - 37). Poder-se-ia objetar contra nossa assertiva, afirmando que na Historigrafia em geral e na Antigüidade romana em particular, existem trabalhos sobre mulheres ou sobre aspectos com elas relacionados. É certo .que podemos encontrar artigos e livros sobre o tema, mas com uma ci'são que em nosso entender difere muito do que seriamente poderíamos chamar "história da mulher". A maior parte destes trabalhos se referem 137 a "mulheres célebres" quase sempre por suas relações com homens famosos, mulheres da Casa Imperial em Roma, esposas de políticos importantes, mulheres que se tornaram importantes por realizarem tarefas consideradas de homens (rainhas, heroínas de guerra), ou ainda por destacar de forma especial valores considerados positiva ou negativamente pelos homens, como beleza, bondade, fidelidade, infidelidade, feiúra etc; esta linha de investigação, além de marginal ou exótica, não atesta na verdade o que foi a vida da mulher ao longo da história, mas pelo contrário serve para completar ou qualificar os homens.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba É uma história vista pelo olhar masculino, sua medida é o masculino. As mulheres são vistas dentro do mundo dos varões sem diferenciação de valores e de comportamento. Entendemos que, quando falamos da História da Humanidade, devemos considerar todos os seus membros, mas esta história que citamos acima se refere apenas a características e comportamentos masculinos. Os historiadores esquecem ou ignoram que as Sociedades estão divididas em sexos como estavam as etnias, classes, nações, religiões etc. Quando lemos qualquer trabalho de História Social por exemplo constatamos que o indíviduo social estudado não é fundamentalmente sexuado: se apresenta quase sempre como masculino, ou quando muito como neutro. (Ravel, J. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE Maculin/feminin: sur l'usage historiographique des rôles sexuels" em Une historie des femmes est-elle possible?). "Explica-se que as correntes historiográficas tenham marginalizado a mulher de seus estidos, porque, em sua concepção do processo histórico, as mulheres em nada colaboram"(Lopes, C.M. A História de ia Mujer em el Mondo Antigo. p . 206). No Positivismo - Historicismo - comprovaremos que o tema feminino e também o do cotidiano não aparecem, na medida em que o centro de interesse se situa no político, nas Instituições, no Estado etc, em uma parcela onde as mulheres historicamente não fizeram grandes contribuições, não participaram dos órgãos de poder político, não elaboraram leis, nem tampouco alcançaram avanços significativos a nível de filosofia, ciência, arte etc (Sobre o positivismo - historicismo - ver Barraclougth, G. História em Corrientes de ia ivestigaciônn em ias ciencias socialeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA lI, Unesco, 1981). A Escola de Anais, apesar de surgir como crítica das limitações das investigações historicistas, além de propugnar o ecletismo e a vontade globalizadora (estado portanto em melhores posições metodológicas para enfrentar o tema), tampouco penetra fortemente no mesmo, e ape- 138 nas o fará tardiamente, usando sistemas interpretativos tradicionais, sem levar em conta a dimensão sexual da história. A própria História Marxista com todo o seu "Aport" (contribuição) metodológica não se ocupou da "história da mulher" na medida em que considera as classes sociais como a força motora da sociedade e que as mulheres formam parte destas classes sociais de igual forma que os homens, assim a "aportación" feminina própria do processo histórico é nula e, portanto, carente de atenção.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP É verdade que nos últimos anos têm-se produzido certas mudanças que permitiam criar condições favoráveis ao desenvolvimento de uma história da mulher. A chamada História das Mentalidades, as novas orientações dos Estudos Demográficos e a Micro-História demonstram que está havendo uma certa evolução a respeito dos objetos de estudo da história, uma ampliação de perspectivas, que fará aparecer realidades não estudadas até então, e entre essas realidades situamos os sistemas de relação homem/mulher. Nesta mesma linha estão os Estudos Antropológicos que tratam do tema da divisão sexual a todos os níveis da Sociedade (recordamos os trabalos de Malinowski e Margaret Mead, onde aparece a natureza da relação entre homens e mulheres, a variabilidade dos estereótipos sexuais e suas causas). Foi precisamente o contato com os Antropólogos que possibilitou que as relações entre os sexos tenham chegado a ser objeto da história. Esses avanços criaram novas bases para trabalharmos em temas não considerados até então. Não devemos deixar de lembrar no entanto o desenvolvimento do movimento feminista, a partir dos anos 60, que levou a história da mulher ao conjunto da historiografia. Sem este movimento, afirma a Prof". Candida Lopes, seria impossível se conseguir a atual dimensão que a história da mulher tem hoje (p.cit.207). Desde o começo do século XX se iniciaram estudos feministas sobre as mulheres, mas o que nos interessa é mencionar a contribuição teórica de algumas figuras que, partindo da opressão secular da mulher, propugnaram uma posição diferente da mulher na história. Referimo-nos à francesa Simon de Beauvoir ("O Segundo Sexo") e a Marie Beard. Tudo isto possibilitou o nascimento da chamada "história da mulher", que transpondo o marco acadêmico tradicional elabora uma metodologia nova, a partir de um estreito contato com as correntes renovadoras das disciplinas históricas. Qual é a bagagem metodológica dessa nova história? 139 Em nosso entender o eixo central é o de considerar o sexo feminino como um grupo específico distinto do homem, o sexo como categoria de análises. A consideração do fator gênero como elemento diferenciado r (Teorias da História da Mulher). J.Kelly afirma que a história da mulher revitalizou a teoria porque sacudiu os fundamentos dos estudos históricos; afirma que a mulher forma um grupo social específico e que a invisibilidade deste grupo na história tradiconal não deve se limitar à natureza feminina, mas ao mecanismo social (KELLY, J.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG History and Theory. Chicago, 1984). A história da mulher nesta perspectiva desafia a história tradicional. G. Lemer comenta em seu trabalho estes desafios (The maiority finds its past: planing women in history, Oxford, 1981). O primeiro ponto de análise é que as mulheres têm uma história, diferente, em parte, da dos homens. Reconhecer, nessa história, em que difere sua experiência daquela dos homens sobre acontecimentos particulares como guerras, invasões etc, constitui de fato um grande desafio. O segundo desafio é definir a natureza da subordinação das mulheres; elas formam um sexo e estão distribuídas nas classes, nos grupos e nas etnias (a escrava, por exemplo, faz parte da história da mulher).zyxwvutsrqpon É preciso portanto ler as fontes tradicionais sob uma nova perspectiva, levando-se em conta a projeção masculina nestas fontes. A própria periodização tradicional vem sendo posta em dúvida pelos historiadores que se dedicam à história da mulher, como é o caso de Candida Lopes. Tudo isto vem desafiar as categorias de análise histórica existentes (por não ser útil para uma metade da população), e pede uma redefinição de categorias e valores. A "história da mulher" exige uma mudança na metodologia tradicional e no seu pensamento, mudança essa que negue ser o homem a medida de todo o significado, e que a ação desenvolvida pelas mulheres seja uma ação subordinada e sem importância. "Só uma história baseada no reconhecimento da mulher como sujeito essencial da mesma e do homem e da mulher com a medida do seu significativo será uma história total" (Lopes, op. cit., 209). Com isto não queremos afirmar que devamos somente centrar nossa investigação em parcelas específicas do chamado feminino, como maternidade, doenças femininas etc., sem colocar tudo isto em uma dinâmica histórica geral. Torna-se necessário explicitar, por outro lado, que não aceitamos que a história só se possa fazer através de monografias particulares de mulhe-zyxwvutsrq 140 res célebres, mas admitimos a necessidade de realizar tais monografias para conhecermos melhor as realidades do feminino até então esquecidas, para fazer visível o que ficou na sombra por um discurso unicamente masculino. Não se trata de construir um novo território para a História, um gueto, criar uma outra história parcial, a do sexo feminino, e sim de recuperar a mulher para a história, considerando que as relações entre os sexos, suas tensões, suas diferenças, são fundamentais para o conhecimento da dinâmica histórica.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ É necessário estudarmos a história da mulher no seu contexto, junto com a história do homem. Não convém, por exemplo, separar a evolução da mariologia e da cristologia. É preciso considerar igualmente o masculino e o feminino na análise histórica. A compreensão da historigrafia da antigüidade romana em relação à História da mulher se desenvolveu dentro das premissas por nós analisadas. Apesar disto a História Antiga - a História de Roma - apresenta algumas características peculiares que passaram a chamar a atenção dos historiadores a partir do século XIX: 1°) A possível sobrevivência do caráter matriarcal anteriormente ao patriarcal nas diversas regiões do Mar Mediterrâneo, estudada com base em historiadores gregos e latinos e na Arqueologia (vide Pomeron op.cit., p. 210 n? 23). 2°) Outro tema ligado ao anterior é o da configuração e sobrevivência do sistema patriarcal da família romana patriarcal, origem da opressão da mulher e do nascimento do patriarcado, que foi muito discutido depois do trabalho de Engels sobre a Origem da Família, investigando as razões de sua formação, suas expressões particulares etc. Mas nem todas as investigações sobre a mulher antiga, romana, se desenvolvem sob essas perspectivas e preocupações metodológicas específicas. Podemos mencionar por exemplo um conjunto de obras que a partir do século XIX se inscrevem nas preocupações metodológicas inicialmente abordadas. Assim, destacaríamos em primeiro lugar, por seu volume e larga duração, a conhecida linha de trabalho sobre mulheres célebres. Citamos: J. Assai.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG Les Grandes Dames Romaines. Paris, 1958; E. Ciccoti. Donne e Política negli ultimi anni della Republica Romana. Milão, 1985; S. Robles. Mujeres inolviâables de la Antiguidad. Madrid, 1974; G. Ferrero. lhe Women of the Cesaras. N.Y., 1991. etc. Basta 141 lembrar Cleópatra, Messalina, Lívia, Helena, Dido, Penélope, (reais ou ficções), cujo interesse histórico foi o de suas relações com homens famosos, ou o de representar valores femininos negativos ou positivos na visão masculina, ou ainda de ter uma posição semelhante à deles em outros casos. A família é um dos temas privilegiados de estudo em Roma quando se trata de história da mulher. Mas não seria interessante perguntar por que se estuda a família como uma célula da sociedade sem analisar as relações de produção, as vivências, experiências e funções diferenciadas no seu seio. Existem mais estudos sob o ponto de vista jurídico do que sobre o ponto de vista histórico, e ainda os que consideram o assunto mais sobre o ponto de vista biológico do que como uma relação social e econômica de caráter histórico. (Entre eles citamos: BRINDISI, F.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY L a fa m ig lia a u ica , Florencia, 1967; BRINI, G.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG Matrimonio e divorzio nel diritto romano. 1887; Moriav. D e la sim p le fa m ille paternelle em d ro it romaine. etc.) (apud C. Lopes. pago 211 citação 207).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ É preciso mencionar também os trabalhos que a partir dos anos 50 apresentaram um esforço para esboçar um visão de conjunto sobre a mulher na antigüidade, de certo interesse por situarem-se fora dos tópicos tradicionais. (GRIMAL, P. Histoire mondiale de la Femme. Paris, 1965, vol. I; BARDECHE, M. Histoire des Femmes. Paris, 1937; PAOU, V.E. Ladonnagreca nell Aniichitá. Firenze, 1955; RICHARD, G. Lafemme dans l'histoire. Paris, 1909; SELTMANN, C. Lafemme dans l 'Antiquité. Paris, 1956; POMEROY, S. Selected Bibliography for Women on Aniquity; in Womens in the Ancient World. The Arethusa Papers, New York, 1984, p. 313). Existem outros estudos de caráter parcial sobre a religião, trabalho, amor, prostituição etc., que, apesar de certas contribuições, carecem quase sempre de uma boa metodologia de trabalho. São muitas vezes meras cópias das fontes usadas, sem relacioná-Ias sequer com o meio social econômico e político em que se inserem. (vide PICHON, R. Le rôle religieux desfemmes dans l'Ancient Rome. 1912, p. 77). A consideração destes temas como trabalhos menores, exóticos, marginais ou ,em todo caso, complementares para outras análises de maior envergadura explica em parte o caráter dos mesmos. É preciso nos lembrarmos de que quando foram escritos os debates fundamentais sobre a História Antiga, estes estavam centrados em outros assuntos, e sobretudo não esquecermos a forte influência do historicismo sobre os mesmos.zyxwvutsrqpo 142 Frutos das concepções tradicionais e da metodologia utilizada, (embora haja algumas exceções dignas de consideração), se produziu uma dicotomia nos estudos de mulheres romanas: de um lado a mulher honrada, a matrona, que possuía todas as virtudes oficiais, e de outro a rameira, a prostituta. A visão das mulheres se reduzia à forma simplista a que estavam ligadas, fiando a lã, ou as que passavam a vida nos bordéis e as milhares de mulheres "liberadas" da época helenística do fim da República e do alto Império Romano. Esta dicotomia do papel social da mulher não foi posta em dúvida pelos investigadores, que deveriam se perguntar por suas posições intermediárias, por perfis não tão nitidamente marcados. Partia-se do fato de que o trabalho da mulher, sua função social, sempre estaria determinado por sua biologia e, por conseqüência, por sua relação com o grupo familiar: a mãe e a esposa fiel, ou a prostituta. Quando esta histografia trata do estudo de outros aspectos do trabalho da mulher, limita-se a enumerar as tarefas por elas realizadas, dentro ou fora do grupo familiar, sem considerar sua posição dentro do marco produtivo da sociedade, impossibilitando portanto uma valorização de sua função social e econômica de forma autônoma. Apesar desta dicotomia ainda ser utilizada como ponto de partida para alguns trabalhos, já foram abertas algumas brechas que apontam novos caminhos de análise das mulheres antigas, apresentada de maneira totalmente renovada, fruto da influência metodológica da história das mulheres e dos próprios avanços da História Antiga (refiro-me à obra de Vernant, Vidal Naquet etc). Os Estados Unidos foram os pioneiros deste tipo de trabalho que se estendeu pela Inglaterra, França e Itália com uma metodologia nova e de grande interesse. Assim, na última década apareceram estudos gerais sobre as mulheres antigas (gregas ou romanas em particular) como os de S. Pomeroy,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP r. Savalli, M. R. Lefkowitz, C. Mossé, para citar alguns dos mais significativos. Por outro lado os estudos sobre a Antropologia da Antigüidade das escolas francesas e anglosaxãs trouxeram contribuições novas e revelaram aspectos desconhecidos ou marginalizados até então. (Ver os estudos de L. Gernet, S. C. Humpherys). Por último, ainda devemos mencionar todos os cojuntos de artigos que, seguindo correntes metodológicas em voga, analisam a biologia da Mulher - maternidade, enfermidade etc., sua relação com diversos cultos religiosos, sua relação com o poder etc.- tais artigos vêm sendo publicado em revistas e submetidos a discussões em diversos Colóquios e Congressos específicos, ou recopiados em algumas publicações que 143 tratam da mulher na antigüidade sob óticas distintas (citamos os con­ gressos de Estrasburgo, de Madri, Berhshire etc). Em relação a estas novas modificações é preciso realizarmos algumas reflexões e advertên­ cias críticas: 1 - A primeira é constatar que a maior parte dos trabalhos sobre a mulher se refere à civilização grega, sendo escassa a produção sobre Roma (Segundo Candida Martinez Lopes. op. cit. p. 211). 2 - Outra reflexão é a escassa porcentagem de investigações sobre o trabalho produtivo feminino em sua engrenagem no marco econômico da Sociedade. 3 - Ainda chamar a atenção sobre outra linha mais velha da historiografia que procura encontrar na antigüidade movimentos de libe­ ração femininos similares aos atuais. 4 - Outro problema colocado é o da impossibilidade de fazer uma história da mulher por falta de fontes. Por não existirem testemunhos diretos das próprias mulheres, não é possível escrever sua história. É bem verdade "que o silêncio da mulher romana" como diria Finley em sua obra"Aspectos da Antigüidade", não explica a precariedade ou mes­ mo a falta de trabalhos relativos à temática, se lembrarmos que outros grupos dominados ou marginalizados ,como os escravos, se tornaram chave para o conhecimento da história econômica e social de suas comu­ nidades (apenas com algumas notícias existentes sobre eles). É claro que se torna difícil o estudo da mulher na Antigüidade se considerarmos que quase todas as fontes escritas são obras de homens, e sem dúvida projetam no seu discurso os valores dominantes masculinos. Não nos parece que faltem fontes, mas sim perspectivas históri­ cas, na sua análise. O problema da parcialidade e da insuficiência das fontes não pode impossibilitar o seu uso pela historiografia. É necessário saber proceder com correção a releitura dos textos, das pinturas, estátuas etc. É neces­ sário saber interrogar as fontes, fazer "o silêncio da mulher romana". São tantas as perguntas que nos passam pela mente ao trabalhar neste campo da heurística que às vezes se torna difícil encontrar repos­ tas adequadas. No que se refere à História Romana, por exemplo, em que podemos acreditar? Na poesia erótica e na sátira do final da Repú­ blica e do início do Império? Nos historiadores e biógrafos? No epistolário e nos filósofos? Na pintura e na escultura? Na inscrição dos túmulos e monumentos religiosos? Quando trabalhamos com fontes literárias é pre­ ciso toda cautela, isto é necessário por exemplo na Comédia Romana. É 144 �------------ -- -- preciso estar atento ao jogo do convencionalismo e à realidade dos personagens. No campo da legislação muitos têm afirmado a inferioridade da mulher, considerada como um ser inferior que passa da autoridade paterna à autoridade do marido, e depois de enviuvar à do filho mais velho. Rober Viller afirma: "sem exagero nem paradoxo a mulher em Roma não era sujeito de direito ... a mulher é unicamente um objeto". Assim a História do Direito nos fala da constante inferioridade da condição da mulher - "inferioridade natural". Mas na verdade Pierre Grimal, em "A vida em Roma na Antigüidade", tem razão ao afirmar que embora aparentemente caiba à mulher romana apenas a possibilidade de fiar e tecer (sendo considerada pelo Direito como um ser inferior), na verdade "os costumes manifestam-se bem diferentes das condições teóricas formuladas pelas leis". Embora consideremos que o autor exagera enfatizando uma melhor condição para a mulher, podemos apreender na realidade esta: a mãe de família aparece sempre cercada de respeito e de reverência, segundo Grimal ela reina como Senhora sobre os escravos, os filhos e as noras. Tem perspectivas religiosas e dirige com toda a independência a educação dos filhos menores. Alguns autores chegam a acreditar que elas influenciavam a vida dos maridos que as escutavam em suas decisões. Não devemos tirar conclusões demasiado precipitadas sobre a sujeição da mulher, mas também não estamos convencidos pela precariedade e insuficiência das fontes de uma situação mais favorável para a mesma. Isto porque o comportamento, a vivência e os problemas do feminino em geral não eram objeto das narrativas. Quando aparecem no discurso histórico são projeções masculinas com a finalidade precípua de ressaltar os valores e "comportamentos exemplares de alguns homens". É preciso portanto fazer uma releitura das fontes escritas e arqueológicas. É preciso extrair delas tudo aquilo que nos podem ensinar, mesmo de forma subjetiva, sobre a experiência das mulheres na sociedade. Nesta mesma linha de releitura é preciso retomar a velhos debates relativos à História da Antigüidade, como o problema do Matriarcado ., zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA por exemplo (Lopes, op. cit., p. 214 e 215) . Outro problema digno de uma maior análise é o da submissão da mulher e do seu aparecimento como figura de desordem, por um lado, ou benéfica por outro. A análise da projeção desta dicotomia pode nos levar a entender melhor a mulher romana.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW 145 Chamamos a atenção também para um dos problemas mais interessantes sobre o estudo da mulher romana, para abordagem de um domínio ainda relativamente pouco conhecido: o da participação das mulheres na vida religiosa. Para Moses Finley, em "Aspectos da Antigüidade", apesar de toda a opressão da mulher, de suas frustações e insatisfações, ela possuía algumas válvulas de escape, como diz o autor, para seus talentos reprimidos e energia. A Religião podia ser uma delas. Tudo indica que as mulheres tiveram um papel predominante neste campo se lembramos as vestais e alguns rituais dedicados à mulher, como o Culto da Bona Dea etc. Mas na maior parte da História Romana esta proeminência não aparece nem mesmo na religião. Só no Império, com o grande influxo no mundo romano dos cultos orientais de mistérios, com estes novos elementos de comunhão e salvação pessoal, as mudanças começaram a surgir. Alguns cultos, como o de Mirra, estavam vedados às mulheres, outros porém lhes ofereciam esperança e libertação final, sobretudo a veneração da deusa egípcia helenizada Ísis, que se tornou a rainha do mundo habitado e a estrela do mar (vide Finley, op. cit. p. 153). Num dos seus hinos encontramos "concedeste às mulheres poderes iguais aos dos homens" em outro a própria deusa anuncia: "sou aquela a quem as mulheres chamam deusa. Determinei que as mulheres fossem amadas pelos homens, juntei marido e mulher e inventei o contrato do casamento". Sobre o problema da influência da Cristianismo na vida das mulheres, muito se tem escrito, e este é um campo aberto a controvérsias, no qual não vou me deter nesta Comunicação. Como ficou evidenciado neste artigo nossa tendência é levar em consideração, como já deixamos antever anteriormente, tanto o masculino como o feminino na análise histórica, buscando a relação entre ambos os sexos em cada Sociedade, fazendo da história da mulher, de suas atividades, não uma história à parte, mas procurando dar-lhe um status, um lugar, o seu lugar na história global.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV 146