Tal como ocorre no corpo humano, em uma empresa todos os órgãos
e membros precisam funcionar adequadamente para que se alcancem os melhores
resultados – a saúde do corpo ou, nesse caso, da organização.
Quando um deles apresenta uma disfunção, todo o organismo
sofre e tem de despender mais energia para suprir aquela deficiência.
Algo semelhante acontece nas empresas quando ocorre o chamado presenteísmo.
Ao contrário do absenteísmo – quando o empregado
simplesmente não vai trabalhar –, no presenteísmo
a pessoa comparece ao trabalho, mas não consegue produzir como
deveria ou de acordo com o que se espera dela. Nesse caso, os gestores
enfrentam uma dupla dificuldade: a primeira é identificar o problema
– que não é tão visível como nos casos
de absenteísmo; a segunda é mensurar os prejuízos
em termos de produtividade. Por essas razões, o presenteísmo
já está sendo considerado, especialmente nos Estados Unidos,
um inimigo oculto da produtividade.
“O presenteísmo pode ser entendido como uma doença
organizacional. Como ocorre em outras disfunções relacionadas
ao trabalho em equipe, ele não pode ser analisado isoladamente”,
afirma Beatriz Magadan, psicóloga organizacional e diretora da
DRH Consultoria, de Porto Alegre. Na prática, o presenteísmo
é decorrente de uma série de fatores que interferem na
produtividade do empregado: o clima organizacional ruim, a falta de
motivação para o trabalho e problemas de saúde
– físicos ou psicológicos. Por isso, é muito
mais complexo identificar o empregado “presenteísta”
do que reconhecer o absenteísta ou, até mesmo, o workaholic
– pessoa cuja vida pode, em casos mais graves, reduzir-se ao trabalho.
Aliás, o workaholic pode ser um tipo de “presenteísta”,
já que nem sempre sua produtividade e eficiência correspondem
ao elevado número de horas trabalhadas.
O presenteísmo começou a ser estudado na França,
na década de 50, e voltou à tona mais recentemente, quando
as companhias perceberam que a próxima barreira da competitividade
está nas mãos dos colaboradores. “As empresas já
melhoraram os processos, a tecnologia e os modelos de negócios.
Agora, o objetivo é maximizar a capacidade do capital humano”,
destaca Henri Vahdat, sócio da área de capital humano
da consultoria Delloite. No Brasil, o fenômeno ainda é
pouco discutido e são raros os departamentos de recursos humanos
que vêem nele uma ameaça à produtividade –
e, em última instância, aos lucros. “Trata-se de
um conceito muito refinado para o Brasil. Muitas empresas sequer oferecem
condições básicas para o bem-estar no trabalho”,
avalia o médico Alberto Ogata, especialista em economia da saúde
e vice-presidente da Associação Brasileira de Qualidade
de Vida (ABQV).
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
e assessor de sindicatos de trabalhadores, Roberto Heloani, diz que,
apesar da gravidade, o problema ainda não está na agenda
das empresas ou das entidades dos trabalhadores. Na verdade, a maioria
das companhias não percebeu que, além de ser mais custoso
do que o absenteísmo, o presenteísmo pode afastar talentos
e levar os executivos a um burnout – um estado de exaustão
prolongada. Celso Camargo Campos, diretor da Apex Executive Search,
lembra o caso de um executivo que estava com gastrite, mas não
levou o problema ao departamento médico da companhia. “Ele
se encontrava no auge da carreira e, como engenheiro, era um dos responsáveis
pela implementação de um grande projeto de melhoria na
companhia”, conta Campos. Com esforço, o executivo conseguiu
levar o trabalho adiante sem que ninguém percebesse a doença.
Até que, às vésperas do início da implantação
de um determinado equipamento, ele constatou que a gastrite havia se
transformado em úlcera. Resultado: foi obrigado a ficar 20 dias
afastado e a empresa ficou sem a pessoa que mais entendia do projeto
justamente durante sua implantação. “O século
19 foi da industrialização, o 20, do conhecimento e o
21 é o da agilidade. Mas isso só se consegue com pessoas
saudáveis e atentas”, reforça Campos. Em casos como
o do engenheiro, pode até ocorrer um efeito cascata: além
de atrapalhar o rendimento de toda a equipe, a ausência do profissional
pode colocar em risco o cronograma de um projeto importante.
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Espante
os fantasmas |
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Algumas
medidas que a empresa pode adotar para evitar que o presenteísmo
se instale na organização
Assegurar
a correta divulgação dos fundamentos da empresa e debater
esses indicadores com analistas e investidores
• Fazer uma triagem no momento
da contratação do funcionário para detectar
problemas crônicos, mesmo se pequenos
• Investir na saúde dos
colaboradores, inclusive com terapia para combater a depressão
e tratamento de dores e doenças crônicas
• Educar os colaboradores para
que procurem um médico e fiquem em casa quando estão
com problemas de saúde
• Implantar programas de apoio
psicológico, emocional e de serviços, inclusive aos
familiares, para reduzir as preocupações do trabalhador
com assuntos extratrabalho
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Para os especialistas em RH e gestores de empresas, o problema está
em saber como combater o presenteísmo, evitando que ele se reflita
nos indicadores de produtividade. “O primeiro passo é entender
as razões, as causas do problema”, aponta Brett Gorovsky,
da consultoria norte-americana CCH. Enquanto nos Estados Unidos a principal
causa está relacionada ao fato de as pessoas terem excesso de
trabalho (veja o quadro “As razões dos norte-americanos”),
no Brasil, o medo de perder o emprego ainda é fator determinante.
“Quando as pessoas estão inseguras, procuram marcar presença,
trabalham além do expediente ou não tiram férias.
Fazem isso por medo de ser demitidas. Ao mesmo tempo, esse temor as
desmotiva nas suas atividades”, explica Heloani, da FGV. Isso
acontece principalmente nas organizações que têm
políticas de recursos humanos – critérios de admissão
e demissão, por exemplo – pouco transparentes. Se uma pessoa
foi demitida, é preciso que os motivos fiquem claros para todos
os colaboradores.
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Com
dor e com sono |
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Principais
causas de presenteísmo por problemas de saúde que reduzem
o rendimento do trabalhador brasileiro
Dores musculares: 86%
Problemas de sono: 35%
Dores gastrintestinais: 26%
Fonte: Estudo ISMA-BR – International Stress Management Association
– Brasil)
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O medo ou a insegurança estão intimamente ligados a
alguns dos principais tipos de presenteísmo. Um deles é
o de clima organizacional, que resulta, quase sempre, da desmotivação
ou da preocupação dos empregados com o próprio
futuro no trabalho, especialmente nos períodos de dificuldade
da empresa. O temor de que os líderes pensem que estão
fazendo “corpo mole” leva muitas pessoas a comparecer ao
trabalho mesmo com complicações de saúde, o que
diminui sua eficiência. Por fim, é bastante comum que o
cidadão bata o ponto, mas não consiga se manter focado
em suas atividades porque está preocupado com problemas familiares
– do filho doente ao aumento da mensalidade escolar. “É
sempre complicado identificar e lidar com essas situações
porque os responsáveis não têm como adivinhar o
que está acontecendo com o trabalhador ou com sua família.
Só depois de algum tempo, é possível perceber que
o resultado do trabalho não é satisfatório”,
afirma Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management
Association Brasil (ISMA-BR). Pior: quando a empresa não está
familiarizada com o conceito de presenteísmo, o resultado insatisfatório
do trabalho pode provocar uma demissão equivocada ou o desperdício
de um talento.
Presente, mas desmotivado
A falta de motivação relacionada ao clima organizacional
é outra causa do presenteísmo. O professor Heloani, da
FGV, cita o exemplo do choque do avião da Gol com o jato Legacy,
em 2006, que resultou num dos maiores desastres da aviação
brasileira. Segundo ele, a crise dos controladores que se seguiu ao
acidente evidenciou vários sintomas de presenteísmo. Jornadas
de trabalho extenuantes, falta de estrutura de apoio, ausência
de clareza nos critérios de admissão e demissão,
medo de punições e outros problemas faziam parte do dia-a-dia
dos controladores, que trabalhavam desmotivados e sob pressão.
Era o ambiente organizacional propício a uma crise de graves
proporções.
Para evitar que dificuldades no ambiente de trabalho se transformem
em causas de presenteísmo, a Milenia Agrociências, do Paraná,
faz pesquisas de ambiente corporativo por área. Os resultados
são discutidos no próprio setor e, depois, são
apresentados e debatidos com todo o corpo funcional da companhia em
uma assembléia anual. “Escutamos as sugestões e
partimos para a ação. As pessoas confiam no nosso trabalho
porque criamos um ambiente de companheirismo e de respeito”, afirma
Jefferson Cestari, gerente de recursos humanos da Milenia. Para melhorar
o clima no trabalho, a empresa também possui programas de controle
do colesterol, de combate ao tabagismo e de ginástica laboral.
As metas de produção são definidas em conjunto,
pelo líder e pelos empregados de cada área, o que as torna
mais realistas.
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“As empresas
e os colaboradores precisam enxergar o presenteísmo como um
problema organizacional. Se uma pessoa adoece, significa que toda
a organização está um pouco doente”
Beatriz Magadan
Diretora da DRH Consultoria |
A desmotivação com o ambiente de trabalho pode ter diversas
causas. Um funcionário que não vê perspectivas de
crescimento na empresa, trabalha sob intensa pressão por resultados
ou numa função que não lhe traz nenhuma satisfação
tende a produzir cada vez menos. “Quando a pessoa percebe que
não tem futuro, que está numa rua sem saída, ela
começa a fazer o mínimo possível”, diz Ana
Maria.
Outra razão que leva ao presenteísmo é a falta
de comprometimento do colaborador, geralmente resultado da perda
de identificação com a empresa, da falta de regras
claras para avaliação do desempenho e, também,
da ausência
de uma liderança inspiradora. “Não podemos esquecer
que comprometimento é fator fundamental para se alcançar
os objetivos do grupo ou da empresa”, afirma Glaucy Bocci,
consultora sênior de Leadership Transformation da empresa
de consultoria Hay Group. Por isso, o líder deve funcionar
como o termômetro
do ambiente corporativo, motivador de mudanças e como aquele
que gerencia o trânsito entre as atividades do presente e do
futuro, e torna o cotidiano mais harmonioso.
“O líder deve ser como um pára-choque de automóvel.
Afinal, é o ambiente que cria equipes de alta performance, não
o trabalho, e as pessoas seguem os líderes”, reforça
Vahdat, da Delloite. Mas não se pode esquecer que o líder
deve dar o exemplo. Se ele for “presenteísta”, toda
a equipe terá essa propensão – com resultados desastrosos
para a companhia. Além disso, reforçam os especialistas,
o clima organizacional ruim pode desencadear complicações
mais graves, como depressão e, até mesmo, o abuso de drogas.
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