REGULAÇÃO CONSTITUCIONAL E RISCO AMBIENTAL
CONSTITUTIONAL REGULATION AND ENVIRONMENTAL RISK
DÉLTON WINTER DE CARVALHO(*)
Recebido para publicação em 04.07.2008
SUMÁRIO: 1 Direito e o tratamento do risco; 2. Teoria do Risco Abstrato; 3. Gerações de interesses
ambientais tutelados constitucionalmente. 4. Eqüidade Intergeracional; 5. Co-evolução constitucional; 6.
Capacidade estrutural do Direito para o gerenciamento dos riscos ambientais.
RESUMO: Este trabalho expõe a tutela constitucional do meio ambiente e sua especial função de
estabelecer uma ordem normativa de gerenciamento dos riscos ambientais. Inicialmente, o estudo
lança suas observações sobre a Teoria do Risco, abordando os riscos concretos e abstratos, bem como
os princípios da Prevenção e Precaução como formas de gerenciamento dos riscos ambientais. A fim de
contextualizar o status do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito
fundamental, o texto enfrenta a existência de duas dimensões de direitos ambientais no conteúdo
normativo do artigo 225 da Constituição Federal. A descrição do princípio da Eqüidade Intergeracional é
feita com o escopo de demonstrar a importante função de inserção do futuro nas decisões jurídicas em
matéria ambiental. Acompanhando um contexto social de produção de riscos e uma estrutura
obrigacional que ordena a tutela das presentes e das futuras gerações, está uma semântica textual,
simultaneamente, aberta às irritações da técnica na Sociedade de Risco e fechada em sua normatividade
intergeracional.
PALAVRAS-CHAVE: risco ambiental; direito ambiental; direito constitucional; teoria do risco.
ABSTRACT: This work shows the constitutional protection of environment and its special function of
enforcing the ecological risk management by Law. First, this study observes the Risk Theory approaching
concrete and abstract risks to the Prevention and the Precautionary principles as ecological risks
management programs. In order to situate the right to a healthy environment as a fundamental right,
this paper demonstrates the existence of two dimensions of environmental rights in the content of the
federal constitucional article 225. The discription of the Intergenerational Equity here demonstrates an
important function in developing to insert the future in the present legal decisions in Environmental
Law. Along a social context of risks production and the institutionalization of a obrigational structure
with the scope of the protection of the present and the future generations, there is a textual semantic,
simultaneously, open to technique irritation in Risk Society and closed in its own intergenerational
regulation.
KEY WORDS: environmental risk; environmental Law; constitutional Law; risk theory.
(*)
Advogado e consultor jurídico na área de Direito Ambiental no Rio Grande do Sul. Mestre em Direito Público.
Doutor em Direito UNISINOS. Coordenador e Professor na Especialização em Direito Ambiental – FEEVALE.
Coordenador e Professor no curso de especialização em Direito Ambiental do Centro Universitário FEEVALE.
Professor de Direito Ambiental na graduação e Pós-Graduação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
UNISINOS e no Centro Universitário FEEVALE. Professor de Direito Ambiental no Mestrado em Qualidade
Ambiental do Centro Universitário FEEVALE.
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INTRODUÇÃO
A análise semântica das estruturas constitucionais em matéria de tutela ambiental é de
fundamental importância para a compreensão das condições do Direito para a garantia dos
interesses ambientais das presentes e futuras gerações. O presente trabalho tem, portanto, o
escopo de explorar diversas leituras possíveis da tutela constitucional do meio ambiente e sua
especial função de estabelecer uma ordem normativa de gerenciamento dos riscos ambientais.
Para tanto, primeiramente, faz-se necessária uma demonstração da contextualização
histórica que impõe uma crescente atribuição de relevância não apenas à reparabilidade dos
danos ambientais, mas, sobretudo, à necessidade de prevenção dos danos ambientais em face
da sua freqüente irreversibilidade.
Diante das implicações sócio-ambientais da Sociedade de Risco, o Direito passa a ter
como função não apenas a atribuição de responsabilidade por atos de poluição e degradação
ambiental, como, outrossim, o tratamento dos riscos e seu gerenciamento por meio da adoção
de uma nova Teoria do Risco pelo Direito.
Acompanhando tal evolução social e o surgimento de novas demandas ambientais, o
texto constitucional brasileiro prevê, a exemplo da constituição portuguesa, o direito ao meio
ambiente como um direito fundamental capaz de refletir a institucionalização de uma dupla
geração de direitos ambientais. Enquanto uma primeira geração encontra-se fundada na
prevenção e controle das degradações ambientais, uma segunda geração de direitos
ambientais surge mais preocupada com os aspectos globais (efeitos combinados) e de controle
dos efeitos colaterais das ações presentes às futuras gerações.
Neste sentido, forma-se, no Direito Constitucional brasileiro, uma igualdade de acesso
aos recursos ambientais entre as presentes e futuras gerações, cujo sentido jurídico estabelece
a ilicitude de qualquer forma capaz de comprometer os interesses ambientais das futuras
gerações pela sua utilização insustentável pelas presentes gerações. Esta Eqüidade
Intergeracional é capaz de fornecer forma jurídica ao necessário compromisso do Direito
Ambiental e de suas decisões com a construção de vínculos e observações do futuro,
garantindo o direito de acesso às gerações que sequer foram concebidas.
Não bastasse a riqueza das condições interpretativas e estruturais do texto
constitucional em sua tutela do meio ambiente, deve ser ressaltada a função integrativa dos
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diversos diálogos policontexturais fornecido pela Constituição, como instrumento fomentador
de processos co-evolutivos entre Direito e Política.
Finalmente, o texto constitucional do artigo 225 apresenta uma textura lingüística capaz
de permitir uma abertura do Direito à Ecologia (abertura cognitiva), assimilada e
operacionalizada mediante a própria racionalidade normativa (fechamento normativo). Há,
assim, a partir da textura aberta da expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado”
uma constante possibilidade de irritação do Direito frente às mudanças, descobertas e
evoluções descritivas existentes na ciência e tecnologia (e sua relação com o ambiente), bem
como a imposição lógico-normativa da necessária gestão dos riscos para a garantia deste
direito às presentes e futuras gerações.
1.
DIREITO E O TRATAMENTO DO RISCO.
A obra de José Esteve Pardo descreve a existência de três momentos históricos que
demonstram um tratamento diferenciado acerca dos riscos tecnológicos pelo Direito ao longo
da história. Num primeiro momento, preocupado com o progresso e o desenvolvimento
econômico, o Direito não leva em consideração os riscos decorrentes da tecnologia, sendo
apenas os danos já concretizados objeto de decisão jurídica. (PARDO, 1999)
Em seguida, quando se tornam evidentes os riscos e a degradação ambiental
decorrentes da sociedade industrial, os riscos passam a ter relevância jurídica para justificar
intervenções, prioritariamente corretivas, desencadeadas somente a partir da ocorrência de
um dano. Neste momento da sociedade industrial, os riscos consistem apenas em um critério
de imputação de responsabilidade após a concretização de um dano, como elemento que
justifica a atribuição da responsabilização a um determinado sujeito.
Finalmente, o potencial destrutivo da tecnologia pós-industrial, seu imediato e
massificado consumo e a magnitude dos riscos desta era, demonstram uma necessidade de
consideração prioritária dos riscos pelo Direito, sendo estes objetos de decisão jurídica
autônoma (sem a necessidade de concretizarem danos para adquirirem relevância jurídica).
(PARDO, 1999. p. 53-54).
Diante desta contextualização histórica do tratamento jurídico atribuído ao risco, temos
que a sociedade industrial, fundada sobre um paradigma de causalidade científica, fundou o
seu Direito sobre uma preocupação prioritária de servir como instrumento de reparação por
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danos já concretizados. A própria previsibilidade e concretude causal dos riscos industriais
serviram de motivo para apenas responsabilizar riscos que repercutissem em danos, após sua
concretização lesiva. Desta forma, a sociedade industrial produziu uma Teoria do Risco
Concreto, em matéria de responsabilidade civil, segundo a qual o risco somente é levado em
consideração como critério de imputação de responsabilidade civil por danos já concretizados.
Esta Teoria do Risco Concreto, forjada sobre as estruturas da sociedade industrial, sustentou a
formação da responsabilidade civil objetiva, tendo como variações hermenêuticas, as teorias
do risco criado, risco integral, risco administrativo, etc.
No entanto, o surgimento de novos problemas, trazidos pela sociedade pós-industrial,
especialmente, no que diz respeito à produção e distribuição de novas espécies de riscos, mais
complexos e indeterminados, impõem novas demandas e soluções ao Direito Contemporâneo.
Em síntese, a Sociedade de Risco (BECK, 1992) estabelece a necessidade de gestão dos riscos
ambientais,
em
razão
de
sua
nova
configuração
(invisibilidade,
globalidade
e
transtemporalidade). (CARVALHO, 2007)
Em virtude das características da sociedade atual e dos conflitos por esta expostos ao
Direito, tem-se a necessidade de que as decisões políticas e jurídicas levem em consideração
os riscos não mais apenas após estes acarretarem em danos (como critério de atribuição de
responsabilidade por danos), mas como elementos comunicacionais capazes de formar de
vínculos jurídicos intergeracionais. A formação de uma Teoria do Risco Abstrato, forjada em
resposta às necessidades estruturais impostas pelos novos direitos na sociedade pós-industrial,
estabelece a existência de um dever de prevenção, obrigando à gestão dos riscos (ambientais)
mediante tomadas de decisão que se antecipem à concretização destes em danos, uma vez
considerada a relevância transindividual dos interesses envolvidos.
2.
TEORIA DO RISCO ABSTRATO
Sensível, cognitivamente, às irritações produzidas pela Sociedade de Risco, o Direito
Ambiental tem imposto a consideração dos riscos ambientais como condição para a adoção de
decisões com o escopo de prevenir danos ambientais, na formação de uma Teoria do Risco
Abstrato. De ser ressaltado que este dever fundamental de prevenção (BENJAMIN, 1998;
TESSLER, 2004) em matéria ambiental, encontra sua legitimidade no texto constitucional (art.
225), cujo conteúdo estabelece serem as presentes e as futuras gerações titulares do direito
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ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este dever de prevenção compreende a
obrigatoriedade de gestão jurídica tanto dos riscos concretos como dos riscos abstratos.
Enquanto os riscos concretos são diagnosticáveis pelo conhecimento científico vigente, os
abstratos encontram-se em contextos incerteza científica. Para o gerenciamento destas
espécies de riscos, o Direito Ambiental prevê, respectivamente, os Princípios da Prevenção e
da Precaução, como programas de decisão.
Portanto, a Teoria do Risco Abstrato se trata da ressonância jurídica às incertezas
científicas contemporâneas e à necessidade de gestão dos riscos ambientais no
combate à falta de gestão ambiental pelos diversos sistemas sociais e suas instituições
tradicionais, naquilo que Ulrich Beck denomina de irresponsabilidade organizada
(BECK, 1992).
Neste fio condutor, a Teoria do Risco Abstrato consiste em uma nova reflexão
sobre as condições do Direito em gerir os riscos ambientais de uma nova categoria
(invisíveis, globais e transtemporais) trazidos pela modernidade reflexiva1 (e as
incertezas (científicas, jurídicas, etc) oriundas desta nova formação social. Esta teoria é
capaz de instrumentalizar o Direito para a gestão (administrativa ou judicial) dos riscos,
uma vez que não tem como pressuposto o dano atual para tomadas de decisão.
Assim, o risco passa a ser observado como uma forma construtivista de formar
comunicações, observações e vínculos com o futuro, a partir da ponderação acerca das
conseqüências futuras das decisões presentes e passadas. Niklas Luhmann explica,
para tanto, que a noção de risco, num primeiro momento histórico do termo,
encontrava seu sentido em distinção à segurança (risco/segurança). Contudo,
atualmente, diante da complexidade da sociedade mundial inexistem posições imunes
ao risco e à contradição, sendo apenas possível situações de risco ou perigo
(risco/perigo) (LUHMANN, 1992. p. 93). A comunicação de risco pode ser aprofundada
a partir de análises probabilísticas do risco, construídas por meio da aplicação do
código provável/improvável (LUHMANN, 1992).
1
BECK, Ulrich. “A Reinvenção da Política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva.” In:
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização Reflexiva. São Paulo: UNESP, 1995;
BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo Global. Madrid: Siglo Vientiuno, 2002.
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Em nível de dogmática jurídica, o dever fundamental de prevenção (prevenção e
precaução) contido no texto constitucional produz uma importante ressonância no
Direito face aos ruídos produzidos pela Sociedade de Risco, formando as condições
necessárias para o Direito gerir riscos, possível a partir da desvinculação do ilicito do
dano.
Mesmo tomando em consideração o fato de que a sociedade contemporânea
está permeada pela produção de riscos e da inexistência de possibilidade de se atingir
metas de “risco zero”, tem-se a necessidade de atribuição de medidas que se
antecipem à ocorrência de danos ambientais em razão da sua constante
irreversibilidade. Mas para tanto, devem ser estabelecidos os critérios para a
configuração de quais riscos devem ser tolerados e quais deverão ser considerados
ilícitos por sua intolerabilidade (adquirindo a condição de dano ambiental futuro)
(CARVALHO, 2007. p. 62-91). As respostas a este questionamento devem ter início na
avaliação da tutela constitucional do meio ambiente, em sua textura semântica e,
principalmente, em sua ordem fundamental de prevenção “lato sensu” (art. 225 CF).
3.
GERAÇÕES
DE
INTERESSES
CONSTITUCIONALMENTE.
AMBIENTAIS
TUTELADOS
A Constituição Federal atribui ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a
forma e a condição institucional de direito fundamental. Em consonância com o magistério de
José Joaquim Gomes Canotilho, o direito fundamental ao meio ambiente detém uma
racionalidade dúplice, desdobrando-se em (i) um direito subjetivo ao ambiente sem se
desvincular da sua condição de (ii) bem jurídico coletivo (CANOTILHO, 1998. p. 27-29). Há,
assim, um direito fundamental ao meio ambiente que se configura subjetiva (direito individual
ao ambiente) e objetivamente (transindividual), simultaneamente.
O texto constitucional brasileiro estabelece no caput do art. 225 que “todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Assim, a Constituição brasileira mostra-se
orientada por uma dupla dimensionalidade jurídico-normativa, fortemente comprometida não
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apenas com uma primeira dimensão dos problemas ambientais, mas acima de tudo, dando
grande ênfase à tutela dos problemas ecológicos de segunda geração (CANOTILHO, 2007). Os
problemas ecológicos e ambientais de primeira geração encontram-se ligados “à prevenção e
controlo da poluição, das suas causas e dos seus efeitos (CRP, art. 66-2/a), e à subjetivação do
direito ao ambiente como direito fundamental ambiental.” (grifos existentes no original).
Já os problemas ecológicos de segunda geração estão ligados a uma noção global dos
efeitos combinados e duradouros da degradação ambiental. Esta geração decorre de uma
maior “sensitividade ecológica mais sistêmica e cientificamente ancorada” necessária para
lidar com problemas ambientais decorrentes dos (1.) efeitos combinados dos vários fatores de
poluição e das suas implicações globais e duradouras e na (2.) relevância do comportamento
das gerações atuais e sua capacidade de comprometer “os interesses das gerações futuras”
(CANOTILHO, 2007. p. 01-03).
Diante de tais descrições acerca da existência de duas dimensões de direitos ambientais,
pode ser dito que o texto constitucional do art. 225 da Constituição apresenta-se
comprometido tanto com a tutela das situações de prevenção e repressão à poluição (caput,
§2º e §3º) – primeira geração de problemas ecológicos e ambientais - como com os “efeitos
combinados e duradouros da degradação”, numa segunda geração de interesses ambientais
(caput, §1º, §4º). A Constituição brasileira é explícita a tutelar esta segunda geração de direitos
ambientais (efeitos combinados e duradouros) ao mencionar que “incumbe ao Poder Público
preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das
espécies e ecossistemas” (art. 225, §1º, I).
Estes problemas ecológicos de segunda geração detêm uma constituição fundada na
globalidade e transtemporalidade dos efeitos colaterais ambientais colocados em causa pelo
surgimento da formatação social específica da Sociedade de Risco. Observa-se que, em razão
de magnitude e irreversibilidade das degradações produzidas pela Sociedade de Risco, faz-se
necessário o gerenciamento dos riscos ambientais pelo Direito Ambiental. Esta atribuição de
uma tutela jurídica das futuras gerações a fim de evitar a concretização futura de danos
ambientais leva-nos à avaliação do princípio eqüidade intergeracional que, conjuntamente
com os princípios da prevenção e precaução, forma uma trilogia estrutural do Direito
Ambiental Contemporâneo. Há, desta forma, uma imposição constitucional para que os riscos
ambientais sejam geridos com o escopo de que sejam prevenidos os danos ambientais futuros,
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considerando estes aqueles riscos que, por sua probabilidade e magnitude de ocasionarem
lesão futura ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, venham a atingir os interesses das
futuras gerações.
4.
EQÜIDADE INTERGERACIONAL.
A eqüidade intergeracional é o ponto de acoplamento estrutural em que a proteção das
futuras gerações deixa de ser apenas um imperativo categórico-ambiental2 para constituir um
dever fundamental de prevenção, ou seja, um dever transgeracional capaz de formar vínculos
obrigacionais com o futuro.
O Direito Ambiental consiste num ramo do Direito que ressalta seu comprometimento
com a dimensão temporal futura, formando feixes de direitos e obrigações não apenas entre
os membros da presente geração (intrageracional), como, também entre as gerações
passadas, presentes e futuras (intergeracional) (WEISS, 1992. p. 406). Nesta perspectiva,
entende-se que as presentes gerações adquirem um “legado ambiental” das gerações
passadas, tendo a obrigação de garantir a sua transmissão às gerações vindouras. A eqüidade
intergeracional e a preocupação global com os direitos das futuras gerações ao meio ambiente
natural surgiram a partir da Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo no ano de 1972.
Com suas bases no Direito Internacional, a eqüidade intergeracional pode ser observada
em inúmeros instrumentos internacionais, tais como: Carta das Nações Unidas, o Preâmbulo
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional sobre os Direitos
Civis e Políticos, a Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, a
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Declaração para Eliminação de
Discriminação contra as Mulheres, a Declaração sobre o Direitos da Criança, a Declaração do
Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Convenção sobre Diversidade Biológica, entre
outros diversos instrumentos que prevêem a dignidade e a igualdade de direitos à sociedade
humana, transcendendo limites os temporais e espaciais das presentes gerações.
A eqüidade intergeracional parte da constatação de que o desenvolvimento
ambientalmente sustentável somente é possível, conforme leciona Edith Brown Weiss, se nós
olharmos para a Terra e seus recursos não apenas como oportunidades de investimentos, mas
2
Em relação a um paralelo entre o imperativo categórico de Kant e a tutela das futuras gerações ver: OST,
François. A Natureza à Margem da Lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Piaget,1997. p. 318.
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como um verdadeiro patrimônio ambiental, que nos foi legado por nossos ancestrais, para ser
usufruído e passado adiante aos nossos descendentes. Portanto, tal igualdade entre as
gerações de acesso aos recursos naturais estabelece que cada geração passe o legado
ambiental em condições não inferiores às recebidas, resguardando a eqüidade de acesso aos
seus recursos e benefícios. (WEISS, 1992. p. 395-7).
No entanto, como observa Paulo Affonso Leme Machado, a percepção das necessidades
das futuras gerações no presente não consiste em tarefa simples, havendo uma evidente
indeterminação no sentido prático na garantia de acesso destas aos recursos naturais:
A eqüidade no acesso aos recursos ambientais deve ser enfocada não só
com relação à localização espacial dos usuários atuais, como em relação aos
usuários potenciais das gerações vindouras. Um posicionamento equânime
não é fácil de ser encontrado, exigindo considerações de ordem ética,
científica e econômica das gerações atuais e uma avaliação prospectiva das
necessidades futuras, nem sempre possíveis de serem conhecidas e medidas
no presente. (MACHADO, 2001. p. 45)
Neste sentido, o princípio coloca os interesses de sujeitos que sequer foram concebidos
sob a tutela do Direito Ambiental, tendo a presente geração a obrigação jurídica de satisfazer
suas necessidades de desenvolvimento sem, no entanto, comprometer as necessidades das
futuras gerações. A importância do Princípio da Eqüidade Intergeracional consiste exatamente
na configuração de uma nova estruturação das bases temporais da teoria jurídica, necessária à
implementação e efetivação dos novos direitos, mediante a institucionalização do futuro como
elemento hermenêutico para a interpretação e aplicação de decisões jurídicas em matéria de
interesses difusos como é o caso do Direito Ambiental.
A Teoria da Eqüidade Intergeracional é formada por três princípios-base: a conservação
de opções, a conservação de qualidade e a conservação de acesso. (1.) O Princípio da
Conservação das Opções atribui a necessidade de que cada geração conserve a diversidade dos
recursos naturais e culturais, a fim de não restringir as opções disponíveis às futuras gerações.
Diante de tal princípio, as futuras gerações terão maior aptidão para a sobrevivência e
desenvolvimento com a conservação de uma variedade de opções no que diz respeito à
diversidade dos recursos naturais e culturais. Da mesma forma, pode-se dizer que a solução
dos problemas a serem enfrentados pelas futuras gerações será mais facilmente encontrada se
for resguardada esta diversidade. (2.) O segundo princípio é chamado de Conservação da
Qualidade, segundo o qual é necessário que cada geração transmita às demais a qualidade
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ambiental planetária em condições equivalentes às recebidas. (3.) O direito de acesso aos
recursos naturais e culturais dos membros da presente (intrageracional) e futuras gerações
(intergeracional) é resguardado no Princípio da Conservação de Acesso (WEISS, 1992. p. 401-5).
O paradoxo fundamental do Direito Ambiental consiste exatamente em sua principal
função, ou seja, se antecipar aos danos futuros, utilizando-se dos instrumentos principiológicos
e processuais vigentes. Contudo, em muitos dos casos que envolvem questões de risco, perigo,
ou mesmo de dano ambiental, não há conhecimento científico, nem experiência jurídica
anteriores suficientes para ser tomada em consideração como precedente. Para tanto, o
Direito Ambiental deve criar um instrumental jurídico, suficientemente complexo, para lidar
com a incerteza das conseqüências futuras de determinadas atividades, com as dificuldades
probatórias atinentes aos danos presentes ou futuros e com o controle e a regulação das
inovações tecnológicas. Portanto, pode-se constatar a formação de uma justiça transtemporal,
fundada em direitos e obrigações intergeracionais.
Portanto, a inserção do futuro nos processos de tomada de decisão jurídica, numa
interação entre programação condicional e finalística, é fundamental nas reflexões jurídicas
acerca dos novos direitos. O Direito Ambiental vigente no Brasil apresenta-se como um ramo
do Direito que, conforme dispõe o art. 225, da Constituição Federal, estabelece o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida como um direito
fundamental, cujos titulares não são apenas as presentes, mas também, as futuras gerações.
No presente contexto global, a teoria jurídica enfrenta o paradoxo da necessidade (da
Sociedade de Risco) de construção e controle do futuro, quando as estruturas da dogmática
jurídica encontram-se profundamente centralizadas ao horizonte do passado (Princípio da
Legalidade, Princípio da Segurança Jurídica, etc). Em nossa era, o futuro torna-se a grande
desculpa para todos os efeitos colaterais da nova formatação da Sociedade Industrial, a grande
justificativa para aplicar o Direito que a própria Sociedade produz de acordo com cálculos de
interesse e, cada vez mais, como uma reação aos problemas criados por essa mesma
Sociedade (LUHMANN, 1988, p. 159), como é o caso específico dos danos e riscos ambientais.
A ocultação deste paradoxo (lidar com o futuro através do passado) se dá através de
novas distinções, como é o caso da diferenciação tridimensional existente entre passadas,
presentes e futuras gerações. A construção de uma Teoria da Eqüidade Intergeracional
apresenta-se como uma forma de fomentar a observação do futuro nas decisões jurídicas, por
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meio de instrumentos previamente institucionalizados (passado). Para tanto, a noção de
eqüidade
intergeracional
consiste
num
desdobramento
do
próprio
Princípio
do
Desenvolvimento Sustentável, detendo o significado de que as presentes gerações têm o dever
intergeracional de legar às futuras gerações um “patrimônio ambiental” compatível com as
suas necessidades. O alargamento do conceito de “interesses humanos”, no sentido de
abarcar as gerações vindouras como titulares de interesses juridicamente protegidos,
potencializa o Direito Ambiental na construção de uma responsabilidade-projeto3, das
gerações presentes em relação às gerações futuras.
O Princípio da Eqüidade Intergeracional (opções, qualidade e acesso) encontra-se
previsto normativamente na Constituição Federal do Brasil que, em seu art. 225, estabelece o
meio ambiente como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.” (grifos nossos). Assim, as gerações passadas, presentes e
futuras possuem um espaço equânime em suas relações com o ambiente natural, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade a obrigação de defender os interesses das próximas
gerações.
A inovação paradigmática deste conceito consiste na introdução das futuras gerações
não só como interessadas, mas como titulares de direitos em relação ao desenvolvimento e ao
patrimônio ambiental. Há, assim, um alargamento do antropocentrismo tradicional, não
apenas com a inclusão das futuras gerações como titulares de direitos, mas de uma
solidariedade de interesses recíprocos entre a comunidade biótica e o homem.4
Assim, o Princípio da Eqüidade Intergeracional atua no Sistema do Direito como um
elemento desparadoxizador do auto-condicionamento do Direito como programa condicional,
3
Sobre o sentido da responsabilidade-projeto das presentes gerações em relação as gerações futuras, ver: OST,
François. A Natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito.
4
François Ost, acerca deste alargamento, afirma: “Não que as plantas e animais tenham direitos a fazer valer,
mas que nós, homens, tenhamos deveres a respeitar. Deveres assimétricos de responsabilidade, justificados
simultaneamente pela vulnerabilidade dos beneficiários e pela necessidade de respeitar as simbioses
biológicas, no interesse da humanidade inteira. (...) Julgamos, no entanto, poder responder a isso, pelo
alargamento, absolutamente necessário, do conceito de ‘interesses humanos’ de que nos servimos até aqui.
(...) O que significa, muito simplesmente, que o que é bom para as gerações futuras da humanidade é
igualmente bom para a sobrevivência da biosfera e para a integridade do planeta.” (OST, François. A Natureza
à margem da lei: a ecologia à prova do direito, p. 313-4) Na doutrina brasileira ver: MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 43-7; MORATO LEITE, José Rubens. Dano Ambiental: do individual ao
coletivo extrapatrimonial, p. 78; MORATO LEITE, José Rubens; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na
Sociedade de Risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 82-102.
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isto é, promove uma interação entre a programação condicional do direito (fundada no
horizonte do passado para as tomadas de decisão no presente) e uma programação finalística
(cada vez mais há a necessidade de que as tomadas de decisão no Direito levem em
consideração ressonâncias sociais tais como dignidade humana, meio ambiente, riscos globais,
etc).
Esta inserção do horizonte futuro e suas indeterminações no processo de tomada de
decisão jurídica é obtida através de instrumentos tais como a Eqüidade Intergeracional que
efetuam a ocultação de um paradoxo fundante da Teoria do Direito Moderna: a construção do
futuro por meio do Direito passado. A consciência do potencial construtivo do Direito
Ambiental é fundamental para o intérprete que, mediante os Princípios da Prevenção,
Precaução e a Eqüidade Intergeracional, deve inserir o horizonte futuro (necessidades
ambientais das futuras gerações) em suas pré-compreensões decisionais. Essa racionalidade
dúplice (programação condicional e finalística) fomenta a abertura do Direito para a
consideração do futuro nas suas decisões e a eqüidade intergeracional atua exatamente como
elemento propulssionador da comunicação jurídica acerca do risco em matéria ecológica. A
partir da noção de eqüidade intergeracional, não há apenas a formação de observações e
decisões que vinculem o futuro, mas, sobretudo, a construção de vínculos intergeracionais
com forma jurídica.
5.
CO-EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL.
Um dos aspectos dignos de destaque no que diz respeito à relevância da atribuição da
condição de direito fundamental à tutela ambiental consiste, exatamente, na função
integradora da policontexturalidade social5 exercida pela Constituição (comunicação
constitucional).
Para compreender tal função exercida pela Constituição, como instrumento
comunicacional integrador intersistêmico, deve-se, primeiramente, compreender que os
sistemas sociais (Direito, Política, Ciência e Economia) encontram-se organizados
5
Acerca do sentido de policontexturalidade e sua aplicação no Direito, ver: TEUBNER, Günther. Diritto
Policontesturale: prospettive giuridiche della pluralizzazione dei mondi sociali. Napoli: Città Del Sole, 1999. p.
33-70; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 1.454. Günther Teubner descreve a existência de três espécies de intervenções indiretas
possíveis entre os sistemas parciais: a observação cibernética, a interferência e organização (TEUBNER,
Gunther. Droit et réflexivité: l’auto-reference endroit et dans l’organisation. Bélgica: Bruylant/L.G.D.J. 1996.)
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reflexivamente. Isto quer dizer que os sistemas sociais operam num fechamento operacional,
no qual seus elementos (comunicação) são auto-reproduzidos segundo sua racionalidade e
codificação específica. Portanto, são impossíveis relações de interferência direta (input e
output) entre estes sistemas, segundo uma lógica causal em que um sistema pudesse, a partir
de sua lógica e ação, obter uma resposta desejada em outro sistema social.6 A identidade
sistêmica, oriunda do seu fechamento operacional, no entanto, é a própria condição para que
o sistema possa efetuar sua abertura cognitiva ao seu ambiente (dependência), o que se
realiza por meio de acoplamentos estruturais entre sistema e ambiente.
Este processo de acoplamento estrutural entre um sistema e seu ambiente social, pode
ser desenvolvido por meio de atos comunicacionais, os quais atuam como “links” ou pontes de
sentido (systemic linkages), cuja função consiste em, a partir de um mesmo ato
comunicacional, produzir sentidos diversos nos respectivos contextos policontexturais. Assim,
a Constituição consiste numa “ponte” de sentido entre os sistemas do Direito e da Política
(LUHMANN, 1992. p. 1436), se tratando de um ato de comunicação dotado de uma função
integradora e co-evolutiva entre os diversos diálogos policontexturais. Há, assim, uma
orientação dos diversos sistemas sociais para a proteção ambiental e a assimilação (análise,
avaliação e gestão) dos riscos ambientais, a ser realizada, internamente, segundo a lógica e
racionalidade funcionalmente diferenciada de cada um. Assim, a Constituição tem a função de
separar os sistemas do Direito e da Política e, concomitantemente, permitir o seu acoplamento
estrutural, exercendo, assim, uma dupla função de incluir e excluir perturbações recíprocas
entre as operações jurídicas e políticas. (LUHMANN, 1992. p. 1436-1437)
O texto constitucional, assim, estimula um processo co-evolutivo entre os sistemas
sociais, orientando cognitivamente uma abertura destes à sensibilização ecológica. Esta função
de integração da fragmentação do sentido nos sistemas sociais, favorece a abertura cognitiva
do Direito e demais sistemas sociais à necessária construção de comunicações voltadas ao
futuro, a partir da inserção de uma comunicação acerca risco ambiental trazido pelo art. 225
da CF no termo “futuras gerações”. Há, assim, a disseminação da comunicação de risco
ambiental nas estruturas funcionalmente diferenciadas do Direito (Direito Ambiental),
Economia (gestão ambiental) e Política (Eco-democratização (ROCHA; CARVALHO, 2006. p. 19),
6
Conforme Niklas Luhmann “The theory of autopoietic system replaces the input/output model with the concept
of structural coupling.” LUHMANN, Niklas. “Operational Closure and Structural Coupling: the differentiation of
the legal system.” Cardozo Law Review. New York: Editorial Office, v. 13, n. 5, 1992. p. 1432.
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Democracia Sustentada (CANOTILHO, 2004) e Estado de Direito Ambiental (MORATO LEITE;
FERREIRA, 2004)), num processo de ecologização do Direito e da Política. Esta co-evolução
constitucional, produz uma comunicação de risco no Direito (tutelas de urgência, dano
ambiental futuro (CARVALHO, 2007. p. 62-91) , tutela inibitória e de remoção de ilícito
(TESSLER, 2004), etc.), assim como, no sistema da Política estabelece a gestão dos riscos
ambientais como uma das principais funções da democracia contemporânea. (ROCHA, 1994. p.
11)
O conteúdo axiológico da tutela constitucional do risco ambiental (através de uma
ordem fundamental de prevenção) tem como função conter/combater a irresponsabilidade
organizada. Isto é, o dever fundamental de prevenção visa a possibilitar o desvelar e o controle
deste processo de “normalização” dos riscos/perigos não calculáveis que, ao observar e tratar
estes segundo uma lógica tradicional às instituições da sociedade industrial (Direito, Política,
Ciência e Economia), força-os a “um anonimato causal e jurídico” (BECK, 1993. p. 28).
Este processo constitucional integrador acarreta numa institucionalização da
comunicação de risco no Direito (e na Política), a partir da auto-irritação deste à Sociedade de
Risco, “iluminando” as condições deste sistema e seus instrumentos para, não apenas, servir
como instrumento de reparação de danos (Direito de Danos), mas, outrossim, apto a gerenciar
riscos (Direito de Riscos).
6.
CAPACIDADE ESTRUTURAL DO DIREITO PARA O GERENCIAMENTO DOS
RISCOS AMBIENTAIS.
Esta autopoiese do Direito é possível a partir de um processo evolutivo no qual o Direito
7
seleciona as suas operações e informações segundo suas estruturas vigentes. Para o Direito,
estrutura significa expectativas (LUHMANN, 1992. p. 1440). As estruturas são compostas por
expectativas normativas e expectativas cognitivas. As primeiras consistem em expectativas
“contrafáticas”, ou seja, o sistema não está disposto a apreender com as frustrações,
mantendo-as mesmo diante de desapontamentos. Já as segundas, são expectativas que
servem de alternativa ao sistema modificando a expectativa após o desapontamento fático
(LUHMANN, 1983. p. 53-66).
7
Acerca do sentido adquirido pela teoria autopoiética na Teoria do Direito, ver: TEUBNER, Günther.
O Direito como Sistema Autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
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Assim, pode ser dito que o Direito realiza suas operações, normativamente
enclausurado, o que quer dizer, segundo expectativas normativas. Contudo, o sistema é capaz
de transcender sua auto-referência em nível de suas observações (LUHMANN, 1992. p. 1437).
Assim, estas observações consistem em acoplamentos estruturais, realizados pelo sistema a
partir de expectativas cognitivas, numa simultaneidade de abertura (cognitiva) e fechamento
(normativo). Há, assim, uma dinâmica de referência interna (fechamento normativa) e externa
(abertura cognitiva). A simultaneidade entre a clausura normativa e o acoplamento estrutural
exclui a possibilidade de informações “entrarem” no sistema do Direito. Mesmo no caso da
abertura ao ambiente (realizada mediante expectativas cognitivas), as informações
decorrentes desta abertura são construídas internamente pelo sistema. Assim, as expectativas
cognitivas não são nada além de formas específicas de preparar o sistema para irritações. Sem
acoplamento não haveria perturbação e o sistema não teria condições de aprender e alterar
suas estruturas. (LUHMANN, 1992. p. 1432-1433)
Diante de tais aquisições epistemológicas proporcionadas pela Teoria dos Sistemas,
podemos realizar nossa última constatação acerca da relevância da tutela constitucional dos
riscos ambientais.
A dinâmica de transcendência do Direito ao seu fechamento normativo, onde o sistema
se dispõe a apreender cognitivamente às suas percepções aos ruídos externos, pode se dar por
“links” ou observações cibernéticas. Tais observações são possibilitadas e operacionalizadas a
partir de formações semânticas com textura aberta, assim como ocorre no caso da designação
“meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
Esta abertura permite ao Direito observar (acoplamento estrutural) e operacionalizar
(fechamento normativo) informações provenientes do ambiente societal. Assim, o Direito se
prepara estruturalmente para irritações, pois é o acoplamento estrutural que permite “um
contínuo influxo de desordem contra o qual o sistema mantém ou muda suas estruturas”
(LUHMANN, 1992. p. 1433).
É nisto que consiste a expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado” contida
no texto constitucional do art. 225, ou seja, numa abertura cognitiva (acoplamento estrutural)
do Direito às comunicações ecológicas.8 Na tutela constitucional do ambiente, temos a
8
O termo “comunicação ecológica” extraímos de Niklas Luhmann, ver: LUHMANN, Niklas. Ecological
Communication. Cambridge: University of Chicago Press, 1989.
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abertura do Direito às variações que o termo “meio ambiente ecologicamente equilibrado”
pode adquirir (expectativa cognitiva), sendo este importante elemento de auto-irritação do
sistema. Tal acoplamento é operacionalizado internamente na manutenção normativamente
fechada da expectativa sistêmica de garantir a incolumidade do bem jurídico tutelado (meio
ambiente ecologicamente equilibrado) às presentes e futuras gerações.
Com a expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado” o Direito está disposto a
apreender com a comunicação ecológica, produzindo deveres de correção de danos e gestão
de riscos ambientais. Trata-se de uma construção semântica que faz referência às observações
jurídicas do ambiente. O Direito “deixa em aberto” suas observações para a evolução científica
e novos conceitos ecológicos que terão a função de produzir irritações nas estruturas do
Direito Ambiental para futuras decisões jurídicas. Porém, deve-se atentar que a combinação
entre referencia interna ou externa são produzidas e reproduzidas por operações internas,
9
atribuindo o Direito sentido jurídico aos sentidos ecológicos. Nisto é que consiste a
(auto)sensibilização do Direito (Ambiental) aos riscos e degradações comunicadas socialmente,
ou seja, a forma de garantir às futuras gerações o resguardo de seus interesses a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado é (i) estabelecer, cognitivamente, uma possibilidade de
revisão contínua das evoluções técnicas e científicas por uma textura aberta ao sentido
atribuído ao bem jurídico tutelado (meio ambiente ecologicamente equilibrado), bem como (ii)
esta semântica normativa tem o poder de impor uma ordem fundamental de prevenção a fim
de evitar a concretização de danos presentes ou futuros à qualidade ambiental (como única
forma de garantir o interesse das futuras gerações ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tutela constitucional do meio ambiente é capaz de apresentar-se como uma heurística
fonte normativa para a análise das diversas funções e ângulos interpretativos possíveis dentro
do sistema de Direito Ambiental. No presente texto, procuramos explorar diversas tradições
9
A título exemplificativo do que queremos dizer, faz-se interessante a leitura jurídica de conceitos ecológicos
(tais como equilíbrio ecológico, meio ambiente ecologicamente equilibrado, conservação ecológica, processos
ecológicos essenciais, manejo ecológico das espécies, etc.) realizada atentamente por José Afonso da Silva em
sua hermenêutica contextual (ou do sentido), onde este produz observações jurídicas à conceitos ecológicos,
conforme: SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.
833-850; SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 85 –
96.
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da Teoria do Direito a fim de analisarmos as condições estruturais fornecidas pela Constituição
brasileira e pelo direito comparado para a tutela do meio ambiente e o gerenciamento dos
riscos ambientais.
Para demonstrar as condições da tutela constitucional ambiental, imprescindível fazer
referência ao contexto histórico da tutela ambiental e do texto da Constituição brasileira (art.
225), que institucionalizam o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um
direito fundamental para regular os efeitos colaterais de uma Sociedade de Risco.
Neste contexto pós-industrial, a tutela ambiental constitucional mostra-se não apenas
preocupada com a tutela subjetiva e presente do meio ambiente, prevendo o controle da
poluição em seus efeitos e causas, como também em constituir os aspectos globais e
transtemporais dos riscos e danos ambientais como interesses juridicamente tutelados. Esta
segunda geração de direitos ambientais, mais sistêmica e comprometida com os interesses
ambientais das futuras gerações, encontra sustentação no próprio texto constitucional
brasileiro, cujo conteúdo forma expectativas normativas de controle dos efeitos combinados
de diversas fontes de riscos e degradações ambientais.
Para tanto, o Direito Constitucional brasileiro assegura a igualdade de acesso aos
recursos naturais entre as presentes e as futuras gerações (eqüidade intergeracional),
formando um dever fundamental de prevenção. O fundamento lógico deste dever de
preventividade previsto constitucionalmente decorre da constante irreversibilidade dos danos
ambientais. Assim, há a formação de vínculos obrigacionais intergeracionais com o futuro,
constituindo uma ordem de antecipação aos danos ambientais, somente possível pela
formação de uma função de regulação e controle dos riscos ambientais pelo Direito.
A dinâmica estrutural fornecida pelo texto constitucional para regulação dos riscos é
operacionalizada por um simultâneo fechamento do Direito, ante a ordem de prevenção
(gestão de riscos), e uma abertura cognitiva deste às necessidades ambientais, reflexos sociais,
inovações científicas e tecnológicas, decorrente da textura aberta do termo “meio ambiente
ecologicamente equilibrado”.
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