ENTREVISTAS COM ROBERTA FERNANDES E RODRIGO CERQUEIRA1
Ana Isabel Sani2
Ana Cristina Santos3
Vanessa Cavalcanti4
Roberta Fernandes | Jornalista e diretora de cinema, Roberta tem seu trabalho
diretamente ligado a temas sociais. Foi vencedora do Grande Prêmio Canal
Brasil de Curtas 2018 com “Se Você contar”, um filme sobre abuso sexual
infantil que participou de festivais no Brasil e no exterior. Dirigiu também para
a televisão os documentários “Congo Santo” e “Acerca da Pele”. Em 2023,
estreou no cinema seu primeiro longa-metragem, “Ato Final”, um
documentário sobre o feminicídio.
Rodrigo Cerqueira | Jornalista, doutor em História e documentarista.
Trabalhou como repórter do jornal “O Globo” entre 1999 e 2003, e como
professor e pesquisador entre 2005 e 2017. Dirigiu as séries de TV “Relatos
Ausentes” e “Sou Casaca”, exibidas no Canal Futura, e codirigiu os
documentários “Congo Santo” e “Acerca da Pele”. Atuou como montador e
produtor executivo em várias outras produções, incluindo o longa-metragem
“Ato Final”.
O Filme: As personagens principais deste filme estão mortas, vítimas de seus
parceiros. São quatro por dia no Brasil. Para contar suas histórias, três atrizes
são desafiadas a experimentar, no palco, as emoções de mulheres que vivem
intimamente o risco da morte. Enquanto isso, um grupo de sobreviventes de
feminicídio luta para salvar outras mulheres presas em relacionamentos
abusivos. Diferentes narrativas que se unem num grito, porque o silêncio
também mata mulheres todos os dias. Lançado no Brasil em 16 de novembro
de 2023.
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Entrevistas realizadas no dia 13 de dezembro de 2023 na Universidade Fernando Pessoa (UFP), Porto, Portugal, aquando a exibição
e debate do filme “Ato Final”.
Professora Associada com Agregação da Universidade Fernando Pessoa (UFP), Portugal. Título de Agregado em
Estudos da Criança e Doutorada em Psicologia da Justiça pela Universidade do Minho (UM); Investigadora integrada
no Centro de Investigação em Estudos da Criança na UM. Investigadora no Observatório Permanente Violência e Crime
(OPVC) da UFP. Membro da Open Council of Europe Academic Networks (OCEAN).
3 Técnica e responsável pelo Laboratório de Televisão da Universidade Fernando Pessoa deste 2018. Mestre em
Ciências da Comunicação no ramo das Tecnologias de Informação (UFP); Licenciada em Ciências da Comunicação,
ramo Jornalismo (UFP). Ciencia ID: https://www.cienciavitae.pt/portal/8F1C-940F-D711
4 Historiadora e professora universitária. Doutorado em Direitos Humanos e Relações Internacionais pela Universidade
de León Docente no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo
da Universidade Federal da Bahia. Integrante do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto e no Centro de
Investigação em Educação de Adultos e Intervenção Comunitária da Universidade do Algarve (Portugal).
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1. Quais foram, no fundo, as motivações para a realização deste filme [“Ato
Final”]?
Roberta Fernandes: O meu primeiro curta-metragem foi sobre abuso sexual infantil e eu
fiz em 2017. Por causa desse filme, eu tive acesso ao universo de violência, em que a
mulher está inserida. Sou mulher e também moro em um dos Estados em que mais
Mulheres são mortas por feminicídio. E entendi que eu precisava colocar meu trabalho à
disposição de um aprofundamento sobre essa temática.
2. O facto de expor uma problemática social do ponto de vista da cinematografia
traz para si e para as pessoas que participaram consigo no filme vantagens? O que
retrata no fundo esta sua realização?
Roberta Fernandes: O filme é sobre feminicídio e eu construo no filme um conceito que
reforça que o feminicídio é o último caso da violência. Mas antes há uma série de outras
agressões dentro de um relacionamento abusivo e essa construção, essa gradação da
violência, está presente na narrativa também. Eu faço isso costurando essa narrativa com
entrevistas de mulheres vítimas de violência doméstica e atrizes no palco. Esse filme é
feito com mãos femininas, a equipa mais arbitrariamente feminina. Em determinado
momento no set, ainda deixa vazar um pouquinho da participação das mulheres: tem
diretor de fotografia, montadora do filme e isso é muito difícil no cinema. É difícil ter
uma mulher diretora de cinema e aí uma equipa que tem ainda a presença feminina é
muito importante. Porque o que a gente faz com esse filme? Além denunciar o
feminicídio, a gente quer tentar provocar uma transformação. Parece utópico dizer
transformação, mas é real. E a gente precisa começar isso com a nossa iniciativa e é por
isso, então eu faço questão de que uma discussão desconstrução machista ocorra no set.
Então o set é todo feito por mulheres.
3. Nós comemoramos há poucos dias atrás, no dia 10 de dezembro, o Dia
Internacional dos Direitos Humanos e fazemos 75 anos. Entre as várias convenções,
aquela que afetivamente está muito relacionada com o vosso filme, tem a ver com a
Convenção de Istambul, tem a ver com combate e com a luta contra a violência.
Como instituição de ensino é também para nós importante passar esta mensagem
aos alunos. Gostaria de perceber um pouco como foi a sensação de ver uma
universidade passar essa mensagem?
Roberta Fernandes: Exibir o filme o “Ato final”, é sempre muito importante e cada
exibição tem uma experiência diferente. Fiz algumas exibições no Brasil e agora aqui em
Portugal, tendo a oportunidade de exibir o filme para outras pessoas, eu vi um pouco
sobre como é a temática naquela localidade, é muito interessante. No Brasil, a gente já
observa que tem muitas diferenças, porque é um país enorme. Então se exibe no Sudeste
é de um jeito, no Nordeste é de outro, enfim. É essa conversa, esse diálogo é bem rico, é
enriquecedor para mim como experiência do cineasta. E quando eu vou para outro país
isso se potencializa. Exibir o filme aqui no Porto foi interessante, porque foi dentro de
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uma universidade que foi onde eu comecei. O meu primeiro filme foi um resultado de um
trabalho de conclusão de curso. Lá na empresa, eu sou sócio de uma produtora que é
especializada em documentários. A gente tem uma prática que assumimos para o nosso
trabalho, que é exibir o filme e debater. Então a gente costuma levar o filme para a
universidade e para enfim, escolas, institutos de ensino e é sempre muito bom. Mas trazer
o nosso primeiro longa para uma universidade é, de novo, voltar às raízes e lembrar de
onde foi que a gente começou. Mas não só isso, é marcar essa posição de que a gente
acredita que a transformação que a gente busca começa na educação. E aí conseguir visitar
esses ambientes de consciência, de formação, de consciência é sempre muito importante.
4. Se tivesse que convencer alguém a ver este filme, ou seja, motivos fortes para
não deixar de o ver.
Roberta Fernandes: “Ato Final” é um filme urgente. Claro que quando a gente trata de
temas que são indigestos é sempre muito difícil você conseguir convencer alguém de
assistir. Mas é, como eu disse, é uma questão urgente e necessária. Você deixar de ver,
não faz com que o programa não exista. Então é muito importante que toda a sociedade
reflita sobre o assunto. E eu tenho um acréscimo a fazer. Por mais que seja um tema
indigesto, o nosso filme ele traz um viés, uma forma de abordagem que é sensível, que
torna possível a permanência de uma hora de duração e de uma reflexão de um tema como
esse. E vale a pena assistir. É importante que você e todo o mundo assista.
5. Nós é que agradecemos a vossa vinda à Universidade Fernando Pessoa e a
partilha com os nossos alunos, também, de áreas muito comuns, como a psicologia,
a criminologia, as ciências da comunicação e esperamos, obviamente, que seja o
primeiro de muitos e debates que se possam fazer em torno deste filme e de outros
que a Roberta e o Rodrigo possam trazer-nos. Muito obrigada.
Roberta Fernandes: Eu que agradeço e enfim, foi uma honra participar desse evento com
vocês e espero também que seja o primeiro de muitos.
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FONTE: Organizadoras e Entrevistados (foto 1) & Moderadores e Palestrantes (foto 2)
no Auditório da Universidade Fernando Pessoa, dezembro de 2023.
6. Muito obrigada pela vossa presença aqui na Universidade Fernando Pessoa.
Muitos parabéns pelo filme, pelo prémio que vieram a Portugal também receber.
Para si estar aqui, representando o vosso trabalho, o que significa para si, para
vocês?
Rodrigo Cerqueira: A circulação do filme por Portugal para nós é algo de muita
satisfação. A gente tem uma experiência na empresa, na produtora de fazer circularem as
obras, principalmente no ambiente escolar, universitário. Nós fazemos filmes que têm
interesse social. E por isso, poder fazer com que o filme seja exibido, seguido de um
debate, não apenas no Brasil, mas também aqui em Portugal é muita satisfação. E,
principalmente, no caso de “Ato final, que fala de um tema que é tão sensível, o tema do
feminicídio e da violência contra a mulher, poder perceber também que essa é uma
mensagem que, claro, foi feita lá no Brasil, com todo o contexto da violência doméstica
no Brasil, mas que também interessa e, também, diz muito para a audiência portuguesa.
É um problema que também existe em Portugal, então saber que o nosso filme também é
útil e também pode gerar todo esse debate, essa reflexão aqui em Portugal para nós é
muito importante.
7. Como é que foi produzir este filme?
Rodrigo Cerqueira: Pelo tema, a produção é uma produção que ela não é prazerosa
durante as gravações, durante a produção. Porque você tem contato com histórias, que
são histórias de muita dor, de muito sofrimento, ainda que os personagens, às
entrevistadas, elas tenham de alguma forma superado essa situação de dor, ainda assim,
você tratar da memória de violência dessas mulheres é um processo um tanto sofrido. Foi
uma produção que demorou bastante tempo, a gente começou em 2017 esse projeto e
estamos lançando um filme em 2023. Então a gente tem 6 anos de convívio com essas
histórias, mas ao mesmo tempo de muita satisfação por ter conseguido ver o resultado
final dessa produção. Por ter conseguido ver que esse nosso esforço, a pesquisa e que todo
o trabalho, mas gerou um filme que está sendo bem recebido pelas audiências e que está
gerando, também, uma boa discussão e uma boa reflexão nos lugares por onde a gente
está passando.
8. Como é que foi receberem o prémio em Lisboa?
Rodrigo Cerqueira: Para nós foi muito importante ter recebido esse prémio em Lisboa,
um prémio que é dedicado ao cinema independente, porque é justamente esse o tipo de
filme que a gente faz. A gente é uma produtora que se propõe a fazer documentários e os
documentários, eles geralmente são mais valorizados pelo impacto que eles geram, do
que é pelo público, por exemplo, que eles vão levar para as salas de exibição. A gente
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sabe que os documentários, eles têm um resultado melhor quando você consegue exibir
o filme, fazer uma discussão, estar presente nos lugares. E os documentários também,
eles sobrevivem mais. Então são filmes que vão continuar sendo exibidos e discutidos,
muito depois do seu lançamento. Então, quando a gente recebe esse prémio em Lisboa,
isso de alguma maneira nos traz visibilidade, nos traz relevância neste universo na
produção dos documentários, de alguma maneira faz com que as pessoas olhem para o
filme e ao olhar para o filme, elas olham também para o tema. E isso é o que para nós é o
mais importante: além de ser um reconhecimento por todo esse trabalho que a gente fez
esses 6 anos de produção, é também um incentivo e uma satisfação por saber que as
pessoas vão dar mais atenção para a mensagem que a gente está transmitindo no filme,
por causa dessa premiação.
9.
Todos estes anos, o processo que fala da realização e construção até à
conclusão, a não acaba e provavelmente houve aqui também um processo de
transformação da própria equipa e um processo de transformação das atrizes que
estiveram envolvidas. Qual foi o impacto que isto também teve em vocês enquanto
atores, realizadores, mas também das atrizes que tiveram que encarnar, no fundo,
estes papéis num tema tão polémico?
Rodrigo Cerqueira: O que eu posso dizer sobre a equipe como um todo é que esse
processo, que é longo, ele é um grande processo de aprendizado. Se tem uma coisa que
eu posso falar sobre o contato que tivemos com as histórias dessas mulheres, é a gente
conseguir entender, o quanto é complexo e o quanto é diversificado essa experiência da
violência dentro de um relacionamento, da violência dentro de um matrimónio e que leva,
em muitos casos, ao feminicídio. Embora a sociedade já tenha vários canais que discutem
esse tema, me impressionou muito (eu recebo também o feedback da equipe nesse
sentido), é nos impressionou muito, o quanto é que cada história traz um componente
novo, traz um componente que, de alguma maneira, torna mais complexa, mais difícil de
se orientar, por exemplo, e mostra que os julgamentos que tínhamos antes de começar
esse processo, eles são muito parciais e muito limitados. A realidade é muito mais diversa,
é muito difícil a gente tentar resumir o problema e muitas vezes até orientar. Ao realizar
um filme como esse, muitas vezes as pessoas nos procuram e querem saber, por exemplo,
como lidar, como resolver, o que é possível fazer para que mulheres não morram. E a
gente entende que que é preciso ouvir os casos, que é preciso saber o que acontece
especificamente naquele caso, porque é muito difícil você dar uma solução genérica, uma
resposta mais geral. Eu acho que esse é um grande aprendizado. Eu até costumo comparar
esse esse filme com outros que a gente fez e gera um pouco de angústia em nós, porque
nos outros filmes, em geral, nós tínhamos uma solução defendida, alguma coisa dizendo:
Olha, se nós fizéssemos isso, nós resolveríamos ou contribuiríamos para resolver o
problema. E no caso do feminicídio, e apesar de 6 anos lidando com o tema de ouvir
tantas histórias, eu pessoalmente, e acredito que que boa parte da equipe envolvida,
também tem essa angústia de dizer: ‘olha, eu ainda não sei como se resolver esse
problema’. Mas eu acho que nós estamos num caminho, a partir do momento em que a
gente mostra as histórias e propõe uma reflexão sobre isso. Eu acho que isso é o limite da
nossa contribuição nesse momento. Não tenho uma resposta sobre como resolver o
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problema do feminicídio, mas acho que esse é um caminho possível e é o caminho
possível nesse momento. Então acho que, por isso, também, é decidimos trilhar esse
caminho.
10.
Nós estamos a falar de um tema difícil e percebemos que foi um percurso
difícil, mas seguramente que houve partes boas e positivas, ao longo deste percurso.
O que é que tira de mais positivo, que possa transportar também para outros
trabalhos?
Rodrigo Cerqueira: Eu acho que de mais positivo, nesse período todo, aconteceu agora
no final, quando a gente ainda com muitas dúvidas, exibe o filme para as mulheres que
participaram desse filme, na sala de cinema, com os seus familiares e com muita
expectativa. E você percebe o quanto elas se emocionam e o quanto elas se engajam na
causa e divulgam o filme e chamam para que outras pessoas vejam, ainda que seja um
filme que revela muito sobre elas e revela muito sobre o sofrimento delas, mas elas estão
muito satisfeitas com a realização do filme. Então eu acho que isso fica para nós como
uma experiência que pode, inclusive, ajudar em outros trabalhos, o facto de que a gente
compreende que, apesar de doloroso, o filme, é uma mensagem necessária e que essas
pessoas que compartilham a sua dor, no filme também entendem que ele é uma mensagem
necessária. Então isso é muito satisfatório para nós. Obrigada.
Nós é que agradecemos, porque se cada um de nós trilhar um pouquinho este
caminho, provavelmente contribuiremos todos para minorar um pouco este flagelo,
que se adensa em muitos locais e no Brasil, infelizmente, tem uma expressão muito,
muito, muito alargada.
Obrigada Rodrigo, Obrigada Roberta e muito sucesso daqui para a frente
Rodrigo Cerqueira: A gente é que agradece. Muito obrigado.
Suporte técnico:
Lab TV UFP – Laboratório de Televisão da
Universidade Fernando Pessoa
Email:
[email protected]
Canal: https://www.youtube.com/c/LabTVUFP
Página: https://www.facebook.com/laboratoriotvufp
Contactos dos entrevistados:
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Andaluz Filmes - https://www.andaluzfilmes.com.br/
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Evento académico
Sessão Fílmica (https://www.ufp.pt/sessao-filmica-e-debate/)
«ATO FINAL» (Documentário/cor/73 minutos/2023) de Roberta Fernandes.
Auditório da Universidade Fernando Pessoa (UFP), 13 de dezembro de 2023 às 11h.
Moderação: Luís Santos e Renato Essenfelder, Professores na Universidade Fernando
Pessoa (UFP), Portugal.
FONTE: Observatório Permanente Violência e Crime da Universidade Fernando
Pessoa, dezembro de 2023.
Apoios institucionais:
https://www.facebook.com/ObservatorioPermanenteViolenciaeCrime/posts
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https://www.ufp.pt/sessao-filmica-e-debate/
Open Council of Europe Academic Networks
https://www.coe.int/en/web/open-academic-networks/
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