BUSCA

Revistas
Notícias
FALE CONOSCO
Escreva para VEJA
Para anunciar
Abril SAC
TEMPO em
,
ºC  ºC
REVISTAS
VEJA
Edição 2058

30 de abril de 2008
ver capa
NESTA EDIÇÃO
Índice
COLUNAS
André Petry
Diogo Mainardi
J.R. Guzzo
Lya Luft
Millôr
Roberto Pompeu de Toledo
SEÇÕES
Carta ao leitor
Entrevista
Cartas
VEJA.com
Holofote
Contexto
Radar
Veja essa
Gente
Auto-retrato
Datas
VEJA Recomenda
Os livros mais vendidos
 

Brasil
Ele é o falso vilão

Acusado de reduzir a oferta de comida
no planeta, o etanol brasileiro estimula
o plantio de alimentos


Julia Duailibi

Dida Sampaio/AE
Lula, porta-voz do biocombustível brasileiro: o problema está no álcool de milho produzido nos EUA


VEJA TAMBÉM
Nesta reportagem
Quadro: A raiz do dilema
Exclusivo on-line
Em profundidade: Energias alternativas
Dos arquivos de VEJA
Reportagem de 19/3/2008: 70 questões para entender o etanol

Até pouco tempo atrás, o Brasil só recebia elogios por seu revolucionário programa de uso do álcool feito de cana-de-açúcar para o abastecimento de carros. Não sem motivos. Especialistas viam o combustível verde como a salvação da lavoura num cenário de aquecimento global, de perspectiva de escassez dos combustíveis de origem fóssil e de instabilidade política nos países produtores de petróleo. Hoje, com a ajuda da tecnologia dos motores movidos a bicombustíveis, o consumo de etanol já é maior do que o de gasolina no país, algo que não ocorria desde os anos 80, no auge do Proálcool. De um mês para cá, no entanto, o jogo começou a se inverter. O etanol transformou-se no vilão do encarecimento mundial de alimentos. Isso porque, segundo seus críticos, o uso de terras férteis para produzi-lo reduz a área destinada às culturas tradicionais de grãos, como arroz e trigo. Essa suposição fez o relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, o suíço Jean Ziegler, classificar a produção de biocombustíveis de crime contra a humanidade, ataque reforçado por Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial. Segundo Zoellick, enquanto alguns estão preocupados em encher o tanque de seus carros, "muitos ao redor do mundo se debatem para forrar o estômago, e isso fica mais difícil a cada dia".

A súbita ofensiva contra o etanol motivou uma forte e correta reação do governo brasileiro. Em discursos pronunciados na semana passada, o presidente Lula classificou as críticas de Ziegler e Zoellick de "falácias" abastecidas com motivos comerciais. Segundo Lula, o encarecimento dos alimentos deve-se, na verdade, aos subsídios agrícolas de americanos e europeus, "uma droga que entorpece e vicia seus próprios produtores", e o problema do álcool combustível se restringe ao etanol de milho produzido nos Estados Unidos. "Não é recomendável produzir álcool de milho, ainda mais quando esse milho é subsidiado. Seria muito mais lógico que os Estados Unidos fizessem parcerias com países da América Central e do Caribe para produzir uma parte do etanol de que os Estados Unidos precisam", disse o presidente. A gritaria do governo brasileiro tem razão de ser. Plantando cana-de-açúcar para produzir álcool em 1% de seus solos aráveis, o Brasil consegue produzir mais da metade de todo o combustível que necessita para abastecer os seus automóveis. Além disso, os canaviais vêm avançando principalmente sobre áreas degradadas de pastagem e não concorrem com a produção de alimentos. Os Estados Unidos, por outro lado, já consomem 4% de suas terras com o plantio do milho destinado à produção de álcool, o que não representa nem 2% do total de combustíveis usado pelos carros do país. Um hectare de milho plantado rende apenas 3 000 litros de etanol. Já com a cana, na mesma área chega-se a 7 500 litros de etanol.

A ironia maior, no entanto, é que, no Brasil, o avanço dos canaviais até ajuda a aumentar a produção de alimentos. Isso ocorre porque o plantio de cana-de-açúcar requer rotatividade de culturas. Assim, 15% das áreas de canaviais são renovadas com outras lavouras, como a de feijão e a de soja. "Com a cultura da cana avançando nas pastagens, a oferta de alimentos aumenta, e não diminui", diz o ex-ministro da agricultura Roberto Rodrigues. Tanto é assim que, neste ano, o país baterá um novo recorde na produção de grãos. De resto, o Brasil chega a utilizar 20% de suas áreas agricultáveis. Há muita terra a ser explorada, sem derrubar uma árvore de floresta nativa. Considerando-se ainda os ganhos de produtividade, o país poderia tranqüilamente multiplicar a produção de alimentos e etanol nos próximos anos, sem que uma cultura tenha de roubar o espaço das demais (veja o quadro). Nos Estados Unidos, no entanto, o produtor de milho recebe subsídio para fabricar biocombustível, o que despertou uma corrida entre os fazendeiros americanos. Resultado: o incentivo fez diminuir o espaço de outras plantações e aumentar o preço dos alimentos. A projeção é que, nos Estados Unidos, neste ano, 30% da produção de milho vire etanol, 170% a mais que há quatro anos. "Não podemos confundir as coisas e cair numa falsa polêmica. Existe assimetria entre oferta e demanda de alimentos no mundo, que é o que causa o aumento do preço da comida. Mas isso não tem nada a ver como o etanol brasileiro", afirma Roberto Rodrigues.

Juan Barreto/AFP
O americano Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial: ele se preocupa com a fome dos pobres, mas não condena o subsídio dos ricos


Felizmente, a despeito das críticas lá fora, a indústria de açúcar e álcool segue de vento em popa no Brasil. Apenas na semana passada, o país viu o anúncio de dois grandes negócios nesse setor. Na quinta-feira 24, a Cosan, maior produtora de álcool e açúcar do Brasil, divulgou a compra das operações da Esso no Brasil por cerca de 900 milhões de dólares. A empresa derrotou assim a Petrobras, que também estava de olho na Esso, e terá acesso a um importante canal distribuidor. Isso porque as usinas de álcool são proibidas de vender diretamente o combustível. Por lei, precisam utilizar as distribuidoras como intermediárias. "Esse negócio representa mais um passo na profissionalização do setor", afirma Luiz Henrique Sanchez, consultor na área de petróleo e energia. Ainda na semana passada, a gigante britânica de energia BP noticiou a compra de metade da Tropical Bioenergia, hoje pertencente aos grupos brasileiros Santelisa Vale e Maeda. A BP dá assim seu pontapé inicial na produção de etanol. Em outro negócio promissor, a Crystalsev, que comercializa álcool e açúcar no Brasil, informou que se associará à americana Amyris, empresa de biotecnologia do Vale do Silício, para produzir biodiesel no Brasil a partir de 2010.

Esses negócios retratam a fome do mundo corporativo pelo etanol brasileiro – que, ao contrário das críticas recentes, não ameaça a produção de alimentos. A causa do problema está em outro lugar. O mundo enriqueceu nos últimos anos, fazendo com que milhões de pessoas deixassem a miséria e passassem a se alimentar melhor. A produção de comida, porém, não avançou no mesmo ritmo, causando um descompasso entre a oferta e o consumo. A inflação fugiu do controle em vários países. O preço do trigo no mercado internacional já subiu 130% no último ano, o que levou a Argentina a proibir a exportação do produto – má notícia para o Brasil, pois 70% do trigo usado aqui vem do país vizinho. Mas o cereal mais demandado atualmente é o arroz, cujo preço subiu 60% em apenas três meses. Países como China, Vietnã, Camboja e Indonésia deixaram de exportá-lo. O Brasil cogita fazer o mesmo.

A tentativa de vincular o etanol à crise dos alimentos exemplifica o fardo político que o Brasil terá de carregar por ter se consolidado como maior exportador agrícola do mundo em desenvolvimento. Caberá ao governo brasileiro – e também aos empresários do setor – convencer o mundo de que, nessa história, o Brasil não é o vilão. É o ônus da liderança.

 



Publicidade

 
Publicidade

 
  VEJA | Veja São Paulo | Veja Rio | Expediente | Fale conosco | Anuncie | Newsletter |