O Programa Favela-Bairro - Uma Avaliação
O Programa Favela-Bairro - Uma Avaliação
O Programa Favela-Bairro - Uma Avaliação
1 Introduo
Este trabalho tem como objetivo apresentar algumas reflexes para
avaliar o programa Favela-Bairro, cuja finalidade o desenvolvimento de
aes de urbanizao das favelas cariocas. Este programa vem sendo
desenvolvido, na cidade do Rio de Janeiro, desde 1993, contando com o
apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e tem sido
considerado como uma experincia bem-sucedida, tendo j influenciado
outros programas similares, em outras cidades brasileiras.
O enfoque de avaliao aqui adotado tem por inspirao os resultados de pesquisa desenvolvida pelo Observatrio IPPUR/UFRJ-FASE1 , que
analisou as iniciativas no campo da habitao popular em 45 municpios
brasileiros, com estudo de caso sobre 13, entre estes. Esse enfoque nos
permite uma viso mais global e ampliada, situando o programa em questo
no mbito das experincias recentes desenvolvidas pelas administraes
municipais no territrio nacional.
Tendo em vista as limitaes do presente trabalho, a avaliao
aqui desenvolvida considerou os seguintes princpios de anlise:
1.Avaliar o papel e a importncia da poltica habitacional no mbito da
poltica urbana.
2.Avaliar o programa Favela-Bairro no mbito da poltica municipal de
moradia.
3.Tomar como elementos centrais da avaliao:
a) grau de atendimento ao objetivo central do programa;
b) como ocorre a participao popular na elaborao e implementao das aes;
c) processo de hierarquizao e priorizao das aes; e
d) metodologia do projeto/interveno.
O texto que se segue est dividido em quatro sees. Na primeira,
apresentamos alguns elementos histricos que permitem situar a expeIntitulada Municipalizao das Polticas Habitacionais: uma avaliao da experincia recente (19931996), desenvolvida com o apoio da FINEP.
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O programa de remoo de favelas foi financiado com recursos do governo americano no mbito do
programa de cooperao intitulado Aliana para o Progresso.
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O Programa Favela-Bairro
A partir dos anos 30, com os programas habitacionais dos Institutos de Aposentadoria e Penso (IAPs),
at os anos 80, as polticas habitacionais eram estreitamente dependentes da atuao do governo
federal.
Essa linha de ao difere da experincia de Brs de Pina, desenvolvida pela CODESCO, em que havia
tambm um processo de reconstruo de moradias.
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Cesar Maia, no entanto, era egresso das fileiras do PDT, partido do governador Leonel Brizola. A marca
da passagem de Brizola pelo Rio de Janeiro to forte que os principais polticos em ao no Estado
e na cidade so egressos do seu partido, como o ex-governador Marcelo Alencar, hoje no PSDB, o
atual governador Anthony Garotinho, hoje no PSB, e Luiz Paulo Conde, hoje no PFL.
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O Programa Favela-Bairro
Que foram os responsveis pelo financiamento do plano. Existe j uma abundante literatura sobre o
plano Estratgico do Rio de Janeiro.
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Como envolvia claramente a valorizao de imveis situados no seu entorno, o projeto poderia ter se
beneficiado da utilizao de instrumentos de captura de mais valias imobilirias, previstos no Plano
Diretor. Todavia, sequer se cogitou desse tema.
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O projeto de regulamentao foi de iniciativa da Cmara Municipal, embora sua iniciativa devesse
caber ao Executivo, mas foi aprovado pelo prefeito com um conjunto de vetos que descaracterizaram
vrios dos mecanismos de controle sobre o processo decisrio ali previstos.
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O Programa Favela-Bairro
Em maro de 1994, foi criada a Secretaria Extraordinria de Habitao e, em dezembro de 1994, a Secretaria Municipal de Habitao. O
quadro tcnico foi composto por funcionrios e tcnicos da SMDS, que
lidavam com favelas, por uma parte dos quadros da SMU, que lidavam com
loteamentos, assim como por tcnicos da Riourbe e de outros rgos. Os
setores que trabalhavam com urbanizao de favela e com a populao
de rua, na SMDS, foram para a nova Secretaria. Esses elementos evidenciam como o novo governo soube aproveitar-se da capacidade tcnica e
administrativa acumulada em anos de interveno sobre as favelas e sobre
os loteamentos populares, aumentando as possibilidades de maior efetividade
das aes.
Os dois programas mais importantes da poltica habitacional (Programa Regularizao de Loteamentos e Programa Favela-Bairro) foram
financiados com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e contrapartida local do Municpio do Rio de Janeiro, em um convnio nico, o que levou unificao (apenas formal) dos dois programas
no mbito do Programa de Urbanizao de Assentamentos Populares do
Rio de Janeiro - PROAP-RIO.
O programa Favela-Bairro vem sendo desenvolvido pela Secretaria
Municipal de Habitao desde 1994, quando a administrao resolveu adotar
uma nova poltica para as favelas em substituio ao antigo Projeto Mutiro.
Como principal programa da administrao, o Favela-Bairro objetiva
complementar ou construir a estrutura urbana principal (saneamento e
democratizao de acessos) e oferecer condies ambientais de leitura da
favela como bairro da cidade, segundo os termos do Decreto no 14.332, de
7 de janeiro de 1995. O programa tem como metas a integrao social e a
potencializao dos atributos internos das comunidades.
Quanto aos aspectos gerenciais do programa, cabe notar que a Prefeitura optou por adotar a terceirizao dos servios como norma bsica.
Assim, so terceirizados a maioria dos projetos, a execuo das obras e o
seu acompanhamento. Alm do acompanhamento dos projetos e obras feito
pelo IplanRio, Riourbe e SMH, foram contratadas duas empresas: uma que
apoia o gerenciamento geral do programa e outra que presta assistncia
tcnica e d apoio superviso. Os projetos foram contratados a partir de
concurso pblico, desenvolvido sob a coordenao do Instituto de Arquitetos
do Brasil - IAB-RJ. A terceirizao acabou por gerar alguns problemas, tanto
no que diz respeito aos projetos quanto s obras, mas principalmente nestas.
A falta de experincia das empreiteiras na realizao de obras em situao
peculiar, como as das favelas, levou a alguns conflitos com a administrao
e, algumas vezes, com as mudanas de projeto que, segundo os arquitetos
responsveis, desvirtuaram as intenes originais com objetivo de ampliar as
margens de lucro11 .
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O Programa Favela-Bairro
Total
18
Projetos concludos
Obras a iniciar
Obras em andamento
Obras concludas
Obras iniciadas
27
Total
Obras em andamento
11
Obras concludas
16
A Lei n 2.499, de 26 de novembro de 1996, declara como rea de especial interesse social para fins
de incluso em programa de urbanizao e regularizao fundiria as reas das favelas da 1 fase do
Favela-Bairro e estabelece resumidos padres especiais de urbanizao.
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O Programa Favela-Bairro
Favela-Bairro
(de 500 a 2.500
domiclios)
Bairrinho
(de 100 a 500
domiclios)
Grandes Favelas
(mais de 2.500
domiclios)
Total
Levantamento topogrfico
23
23
Projetos a iniciar
14
16
Projetos em andamento
26
32
Projetos concludos
Obras a licitar
Obras a iniciar
12
Obras em andamento
24
36
Obras concludas
23
28
Total
83
60
150
Populao beneficiada
433.442 hab.
74.210 hab.
229.259 hab.
736.911 hab.
543.040.513,80
24.552.712,76
21.438.008,89
589.031.235,55
Comunidades beneficiadas
111
62
180
47
BID
PROAP I
1. Engenharia e administrao
PCRJ/Local
Total
Total (%)
PROAP I
PROAP II
26,210
23,00
26,210
23,00
8,2
7,7
Projetos
5,990
7,00
5,990
7,00
1,9
2,3
Apoio gerencial
4,186
4,00
4,186
4,00
1,3
1,3
Superviso
16,034
12,00
16,034
12,00
5,0
4,0
2. Custos diretos
178,60
178,20
63,254
71,80
241,854 250,00
75,7
83,3
160,523
157,70
54,005
38,30
214,528
196,00
67,1
65,3
18,077
9,00
9,249
6,00
27,326
15,00
8,5
5,0
Favelas
Loteamentos irregulares
Ateno a crianas e
adolescentes
8,50
17,00
25,50
8,5
Trabalho e renda
3,00
6,00
9,00
3,0
4,50
4,50
1,5
Desenvolvimento institucional
3. Aquisio/ desapropriao
de imveis, regularizao
urbanstica e fundiria,
monitoramento, educao
sanitria e desenvolvimento
institucional
20,553
20,553
6,4
4. Custos financeiros
1,40
1,80
29,619
25,20
31,019
27,00
9,7
9,0
319,636 300,00
100,0
100,0
Total
180,00
180,0
139,636 120,00
5 Concluses
Tomando como referncia os elementos de avaliao mencionados
na introduo deste trabalho, podemos sugerir aqui algumas virtudes e
alguns problemas identificados pela anlise:
O programa tem como fator positivo dar visibilidade urbanizao de
favelas, consagrando essa prtica como a forma adequada de interveno
sobre o problema das favelas. Embora seja uma prtica que tem aparecido
em todas as grandes cidades brasileiras no perodo recente, a publicidade
em torno do projeto, o apoio do BID e o fato de ter se realizado na cidade
que se caracterizou, nos anos 70, pelo maior programa de remoo da
Amrica Latina, d um sentido simblico a essa interveno que deve ser
ressaltada. Outrossim, ressalte-se que se trata de uma iniciativa desenvolvida
por um governo de carter conservador.
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O Programa Favela-Bairro
Alm do impacto publicitrio, o programa pretende, como uma interveno a ser desenvolvida no tempo, abarcar como horizonte o conjunto das favelas cariocas. Pelos nmeros envolvidos, percebe-se claramente que uma ao que tem uma grande escala, com forte impacto sobre as condies de vida da populao favelada.
A deciso de se criar um rgo tcnico-administrativo que incorporasse
a experincia anterior dos quadros administrativos da Prefeitura revelou-se extremamente profcua, por incluir um aprendizado institucional, que condio fundamental para o xito das intervenes em
qualquer setor de atuao do poder pblico.
Como ltimo aspecto positivo, cabe ressaltar o papel importante desempenhado pela regularizao urbanstica na transformao das condies de cidadania da populao favelada, conferindo-lhe o direito
ao endereo, como condio fundamental de cidadania.
Embora contando com essas caractersticas positivas, alguns aspectos
revelaram-se contraditrios ou problemticos, a saber:
- se considerarmos o peso da poltica habitacional no mbito da poltica
urbana, nota-se que este relativamente pequeno e, principalmente,
que esse tipo de interveno depende, de forma importante, de
financiamentos externos, enquanto outras iniciativas, como o RioCidade ou a Linha Amarela, utilizam recursos da Prefeitura;
- a poltica habitacional do Rio de Janeiro bastante diversificada,
todavia no inclui iniciativas ligadas ampliao da oferta de novas
oportunidades habitacionais, seja por programas prprios, seja pela
utilizao de instrumentos de poltica fundiria que ampliem a oferta
privada. A concentrao da atuao habitacional da Prefeitura nas
polticas corretivas tem, como efeito perverso, manter como nica
alternativa de acesso terra e moradia a ocupao de reas
inadequadas - seja sob o ponto de vista ambiental (reas frgeis,
encostas ou margens de rios, de proteo ambiental, de risco, etc.)
seja sob o ponto de vista legal. Isso implica em uma recriao
permanente do problema que se busca resolver;
- os objetivos do programa (a integrao) so tratados to somente
do ponto de vista fsico-urbanstico. No entanto, enquanto poltica
de integrao social, essa iniciativa parece insuficiente e mesmo os
programas sociais que so articulados interveno no tm a mesma primazia dos aspectos de infra-estrutura, o que coloca um obstculo (difcil) questo da integrao social das populaes faveladas. Um aspecto relevante, nesse sentido, diz respeito questo
da valorizao imobiliria que decorre do investimento pblico, gerando processos de expulso branca. A postura da Prefeitura foi de
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saudar os processos de valorizao como resultados positivos, desconsiderando o problema da sada de moradores e sua substituio
por camadas de renda mais elevada. Esse tema de fundamental
importncia do ponto de vista da questo da integrao social;
- o processo de escolha e hierarquizao da interveno, embora
pragmtico, parece ser mais uma estratgia de marketing do que
uma definio calcada em diagnstico das necessidades. Isso implicou
que as favelas atendidas pelo programa no fossem as mais carentes,
mas, pelo contrrio, aquelas que j vinham sendo objeto de interveno em programas anteriores; e
- a participao popular extremamente tmida, com fortes indcios de
constituir-se mais como prtica de legitimao das aes do que
propriamente de democratizao da poltica. Experincias desenvolvidas em outras cidades, como Diadema ou Braslia, mostram que
possvel desenvolver-se uma poltica que seja amplamente discutida
com a populao, seja por Conselhos, ou por realizao de
Conferncias. Os resultados mostram que, nesses casos, a populao
manifestou franco interesse em participar e que a democratizao
dos processos no impediu a eficincia e a eficcia das aes.
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