O Programa Favela-Bairro - Uma Avaliação

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O Programa Favela-Bairro

O Programa Favela-Bairro Uma Avaliao


Adauto Lucio Cardoso
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano
e Regional

1 Introduo
Este trabalho tem como objetivo apresentar algumas reflexes para
avaliar o programa Favela-Bairro, cuja finalidade o desenvolvimento de
aes de urbanizao das favelas cariocas. Este programa vem sendo
desenvolvido, na cidade do Rio de Janeiro, desde 1993, contando com o
apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e tem sido
considerado como uma experincia bem-sucedida, tendo j influenciado
outros programas similares, em outras cidades brasileiras.
O enfoque de avaliao aqui adotado tem por inspirao os resultados de pesquisa desenvolvida pelo Observatrio IPPUR/UFRJ-FASE1 , que
analisou as iniciativas no campo da habitao popular em 45 municpios
brasileiros, com estudo de caso sobre 13, entre estes. Esse enfoque nos
permite uma viso mais global e ampliada, situando o programa em questo
no mbito das experincias recentes desenvolvidas pelas administraes
municipais no territrio nacional.
Tendo em vista as limitaes do presente trabalho, a avaliao
aqui desenvolvida considerou os seguintes princpios de anlise:
1.Avaliar o papel e a importncia da poltica habitacional no mbito da
poltica urbana.
2.Avaliar o programa Favela-Bairro no mbito da poltica municipal de
moradia.
3.Tomar como elementos centrais da avaliao:
a) grau de atendimento ao objetivo central do programa;
b) como ocorre a participao popular na elaborao e implementao das aes;
c) processo de hierarquizao e priorizao das aes; e
d) metodologia do projeto/interveno.
O texto que se segue est dividido em quatro sees. Na primeira,
apresentamos alguns elementos histricos que permitem situar a expeIntitulada Municipalizao das Polticas Habitacionais: uma avaliao da experincia recente (19931996), desenvolvida com o apoio da FINEP.

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SEMINRIO DE AVALIAO DE PROJETOS IPT

rincia do Favela-Bairro, no mbito das iniciativas com relao ao problema


das favelas, que foram tomadas pela administrao pblica, em vrios
momentos histricos. A seguir, buscamos identificar alguns traos gerais
que caracterizaram as iniciativas das duas gestes municipais subseqentes (1993-1996, 1997-2000), no mbito da poltica urbana e apresentamos
uma breve descrio dos diversos programas que marcaram a poltica
habitacional nessas duas gestes. Na seo seguinte, apresentamos uma
caracterizao geral do programa, buscando identificar as permanncias e
mudanas ocorridas no perodo das duas gestes analisadas. Por fim, na
ltima seo, so apresentadas as principais concluses de avaliao,
tendo em vista os elementos acima apontados.
2 Urbanizao de Favelas no Rio de Janeiro:
Antecedentes Histricos
As favelas so reconhecidas j como um problema secular na dinmica da urbanizao carioca. Ao longo desses 100 anos de vida, foram
glorificadas e criticadas, tendo sido objeto de algumas iniciativas do
poder pblico no sentido de enfrentar o desafio que representavam para
a sociedade carioca. J nos anos 20 e 30 deste sculo, as favelas so
criticadas e consideradas como manchas na paisagem urbana da cidade, sendo invariavelmente recomendada a sua extino. Os planos e
regulamentos urbansticos (a incluindo o plano Agache) as colocavam
fora da legalidade urbana, recomendando a sua remoo, sob argumentos inspirados, principalmente no sanitarismo, mas que tambm incluam
aspectos funcionais e estticos2 .
A partir dos anos 40, tem incio uma nova etapa na histria das
favelas cariocas, marcada por intervenes pontuais, desarticuladas,
das quais a mais clebre foi a proposta de criao dos chamados parques
proletrios, que tinha como propsito abrigar, de forma provisria, a
populao de algumas favelas. No entanto, o projeto no teve continuidade, as moradias tornaram-se definitivas e, hoje, so parte das
favelas que a interveno buscava erradicar.
S nos anos 60 configurou-se um projeto mais ambicioso para
erradicao, com o processo de remoo encetado durante o governo
Carlos Lacerda, que foi responsvel pela demolio de barracos, com a
remoo de famlias para dois novos conjuntos habitacionais construdos
na periferia da cidade, as famosas Vila Kennedy e Vila Aliana 3 . ContraPara Alfred Agache, o problema das favelas era o de ocuparem reas centrais da cidade que deveriam
ter uso condizente e funcional sua localizao. Para ser honesto com o urbanista francs, cabe
ressaltar que ele previa a remoo da populao favelada para reas perifricas, a serem urbanizadas
segundo o modelo da cidade jardim (cidades-satlites), na proximidade de reas industriais que tambm
deveriam se deslocar para a periferia.

O programa de remoo de favelas foi financiado com recursos do governo americano no mbito do
programa de cooperao intitulado Aliana para o Progresso.

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O Programa Favela-Bairro

ditoriamente, ao final da dcada de 60 que o modelo de remoo


contraposto proposta de urbanizao de favelas, a partir da iniciativa
das associaes de moradores de favelas, encampadas, parcialmente,
durante o governo Negro de Lima, atravs da atuao da Companhia de
Desenvolvimento de Comunidades - CODESCO. Instaura-se, a partir desse
momento, uma polarizao no debate sobre o problema das favelas
(urbanizao x remoo).
Nos anos 70, famosa a experincia de remoo desenvolvida sob
a gide do governo federal, atravs do Banco Nacional da Habitao BNH, que foi responsvel pela remoo de barracos e famlias. As crticas
a essa experincia, somadas s mudanas que se operam no mbito do
debate internacional sobre a questo da moradia e das cidades, com a
realizao da Primeira Conferncia Internacional do Hbitat, em 1976,
fizeram com que a remoo em massa sasse da agenda das po-lticas
habitacionais, at o momento 4 . Na dcada de 80, o prprio BNH
desenvolveu um programa de urbanizao da favela da Mar, como parte
da campanha do ento Ministro do Interior Mario Andreazza Presidncia
da Repblica. A derrota de Andreazza e a crise do BNH, que se agravou
ao longo da dcada, levando sua extino em 1988, impediram que a
experincia da Mar fosse replicada em outras favelas da cidade. No
entanto, os governos estadual e municipal, eleitos no mbito do processo
de redemocratizao que se instaurou no pas nesse momento, buscaram
desenvolver iniciativas que tratavam dessa questo, mesmo no contando
com o apoio do governo federal5 .
A eleio de Leonel Brizola, em 1982, para o governo do Estado do
Rio de Janeiro, marcou uma inverso de rumo nas aes relativas s
camadas populares. No mbito da habitao, desenvolveram-se dois
projetos piloto de urbanizao das favelas do Cantagalo e do PavoPavozinho, que estabeleceram as bases de uma metodologia de projeto
e interveno que viria a ser aperfeioada nos anos seguintes. Essa
metodologia baseava-se nos seguintes elementos:
concentrar a interveno em obras de infra-estrutura, deixando a questo da moradia enquanto edificao por conta dos moradores6 , excetuando-se casos em que houvesse a necessidade de relocao por
razes tcnicas (abertura de ruas, reas de risco, implantao de
equipamentos pblicos, etc.);
Remoes pontuais, por despejos aprovados pela via judicial ou pela ao dos poderes locais,
continuaram e continuam a acontecer, esporadicamente.

A partir dos anos 30, com os programas habitacionais dos Institutos de Aposentadoria e Penso (IAPs),
at os anos 80, as polticas habitacionais eram estreitamente dependentes da atuao do governo
federal.

Essa linha de ao difere da experincia de Brs de Pina, desenvolvida pela CODESCO, em que havia
tambm um processo de reconstruo de moradias.

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SEMINRIO DE AVALIAO DE PROJETOS IPT

criar alternativas de acessibilidade e circulao internas, atravs de


uma via com dimensionamento adequado para o trnsito de veculos.
Essa via era pensada tambm como alternativa para a distribuio dos
troncos principais da infra-estrutura;
criar alternativas de transporte de lixo e passageiros nos casos de
topografia difcil (sendo clebre na cidade a criao de um telefrico
na favela do Pavo-Pavozinho); e
criar equipamentos sociais e de lazer dentro da rea da favela.
Alm dessa experincia piloto, os rgos estaduais ligados infraestrutura (luz e saneamento) do governo estadual passaram a desenvolver programas especficos para interveno nas favelas (programa
PROFACE, desenvolvido pela Companhia de guas e Esgotos - CEDAE,
programa Uma luz na escurido, desenvolvido pela LIGHT). As favelas
passaram a ser consideradas como reas em que pese a irregularidade na
forma de ocupao do solo, sendo o poder pblico responsvel pela implantao de infra-estrutura. Alm disso, o governo municipal, freqentemente alinhado politicamente ao governo estadual, desenvolve uma
experincia de realizao de obras em vrias favelas cariocas, denominada
Projeto Mutiro. Em atuao desde 1984, o Projeto Mutiro era ligado
estrutura da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social - SMDS, tendo
realizado intervenes pontuais em 60 favelas. Utilizando mo-de-obra
local remunerada, o projeto abrangia basicamente obras de pavimentao,
infra-estrutura, pequenas contenes, construo de creches e centros
comunitrios, alm de reflorestamento de encostas.
Concluindo este item, pode-se afirmar que, ao longo dos anos 80,
desenvolveu-se uma rica experincia em urbanizao dos assentamentos
denominados como favelas, na cidade do Rio de Janeiro, consagrando-se
a urbanizao como a resposta adequada ao problema e, ainda, criandose um acmulo de experincia tcnica e administrativa que, como veremos,
possibilitou o desenvolvimento do programa Favela-Bairro, na dcada
seguinte.
3 A Poltica Habitacional e a Ordem Urbana
A eleio de Cesar Maia para a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, em 1993, pelo Partido da Frente Liberal - PFL, marcou uma inflexo
em um longo perodo de domnio da centro-esquerda e da esquerda na
cidade7 e no Estado. Cesar Maia se elegeu com um discurso que acionava
7

Cesar Maia, no entanto, era egresso das fileiras do PDT, partido do governador Leonel Brizola. A marca
da passagem de Brizola pelo Rio de Janeiro to forte que os principais polticos em ao no Estado
e na cidade so egressos do seu partido, como o ex-governador Marcelo Alencar, hoje no PSDB, o
atual governador Anthony Garotinho, hoje no PSB, e Luiz Paulo Conde, hoje no PFL.

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O Programa Favela-Bairro

elementos do lacerdismo, com fortes ecos nas camadas mdias da cidade.


No seu programa de governo, o prefeito eleito enfatizava o discurso sobre
a ordem urbana, articulado a aes com forte repercusso na mdia,
como a expulso dos camels das reas centrais, o cercamento das praas
pblicas, a criao da Guarda Municipal, entre outras iniciativas. Alm
disso, desenvolveu um conjunto de iniciativas de impacto sobre a cidade,
que apresentaremos a seguir, de forma resumida. Antes, cabe lembrar que
o prefeito conseguiu eleger o seu sucessor, o ex-secretrio de Urbanismo,
arquiteto Luiz Paulo Conde, responsvel por um dos projetos que maior
impacto causou na cidade, o Rio-Cidade. O prefeito Conde manteve, em
linhas gerais, a mesma poltica elaborada pelo seu antecessor, dando
continuidade s suas iniciativas.
3.1 O Plano Estratgico e o Plano Diretor
Em 1992, foi aprovado o Plano Diretor Decenal da cidade, que
seguia, em linhas gerais, os princpios estabelecidos no mbito do debate
sobre a Reforma Urbana, incorporando os instrumentos que permitiam o
exerccio da funo social da cidade e da propriedade, segundo o disposto
na Constituio Federal. Aps a aprovao do Plano, o ento prefeito
Marcelo Alencar encaminhou Cmara de Vereadores ante-projetos de
lei que regulamentavam esses instrumentos. O prefeito eleito retirou
estes projetos da Cmara, sob o pretexto da necessidade de examinlos, no tendo sido enviados quaisquer outros projetos at o momento.
Por outro lado, foi contratada uma consultoria de uma empresa catal,
sob a responsabilidade de Jordi Borja, para desenvolver um Plano
Estratgico para a cidade, com o objetivo de construir as bases para
ampliar a atratividade da cidade para o capital internacional. Percebese, nesse caso, uma clara inflexo no campo do planejamento, que deixa
de se centrar na questo social para o mbito dos interesses dos setores
empresariais8 .
3.2 A Linha Amarela
Trata-se de uma obra rodoviria de grande envergadura, ligando a
Barra da Tijuca, rea de concentrao das camadas mdias e superiores
e de forte atuao do capital imobilirio, com o conjunto de avenidas
que forma o Anel Rodovirio da cidade. possvel contrastar essa iniciativa com a Linha Vermelha, desenvolvida durante a gesto de Leonel
Brizola, que, alm de ligar o Aeroporto Internacional com as regies
centrais, permitia maior acessibilidade Baixada Fluminense, rea de
concentrao das camadas populares. O projeto foi financiado, na sua
8

Que foram os responsveis pelo financiamento do plano. Existe j uma abundante literatura sobre o
plano Estratgico do Rio de Janeiro.

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SEMINRIO DE AVALIAO DE PROJETOS IPT

maior parte, com recursos da Prefeitura, e, em parte, com recursos da


concessionria que explora o pedgio.
3.3 O Projeto Rio-Cidade
Elaborado sob a responsabilidade do ento Secretrio de Urbanismo, arquiteto Luiz Paulo Conde, esse projeto visou a requalificao de
reas centrais de alguns dos principais bairros da cidade, com obras de
infra-estrutura (principalmente drenagem), reorientao do trfego de
veculos e pedestres, sinalizao, mobilirio urbano e paisagismo. Embora
mostrasse uma distribuio relativamente descentralizada, o projeto, ao
beneficiar as reas centrais, teve maior impacto sobre as camadas mdias.
A expulso dos ambulantes, com a adoo de barreiras arquitetnicas
que impedissem a sua permanncia nas caladas, foi parte do programa
de constituio da ordem urbana, visado pelo prefeito. O projeto foi
inteiramente financiado com recursos da Prefeitura9 .
3.4 As Operaes Interligadas e a Flexibilizao
da Legislao Urbanstica
A OI foi o nico instrumento previsto no Plano Diretor e cuja regulamentao foi encampada pela Prefeitura10 , tendo sido foi largamente
utilizado como alternativa para a flexibilizao da legislao urbanstica,
entendida pelo Secretrio (depois Prefeito) como extremamente rgida e
desatualizada. Anlises dos processos de aprovao das operaes
mostram a grande fragilidade dos argumentos utilizados em sua defesa,
com claro benefcio dos empresrios (no apenas imobilirios), gerando
forte polmica na mdia. A opo favorvel flexibilizao permaneceu
ao longo da gesto Conde, com a proposio de vrios projetos de lei
que beneficiavam claramente as empresas imobilirias, como se evidenciou,
ao final de seu mandato, com a polmica gerada em torno dos aparthotis.
3.5 A Poltica Habitacional
Dentro desse conjunto de iniciativas, a poltica habitacional teve
forte apelo, representando as aes governamentais dirigidas s camadas
populares. Recusando-se a atuar no setor da proviso de novas
oportunidades habitacionais (oferta de lotes ou de unidades), essa poltica
baseou-se nos seguintes programas:
9

Como envolvia claramente a valorizao de imveis situados no seu entorno, o projeto poderia ter se
beneficiado da utilizao de instrumentos de captura de mais valias imobilirias, previstos no Plano
Diretor. Todavia, sequer se cogitou desse tema.

10

O projeto de regulamentao foi de iniciativa da Cmara Municipal, embora sua iniciativa devesse
caber ao Executivo, mas foi aprovado pelo prefeito com um conjunto de vetos que descaracterizaram
vrios dos mecanismos de controle sobre o processo decisrio ali previstos.

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O Programa Favela-Bairro

Programa de Regularizao de Loteamentos: dando seqncia a


iniciativas desenvolvidas nos governos anteriores, que se materializaram na institucionalizao do Ncleo de Regularizao de Loteamentos,
as duas gestes foram responsveis pela concluso da regularizao
de 62 loteamentos (at 2000). O programa contou com financiamento
do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Programa Morar sem Risco: destinado proviso de moradia para
populao retirada de reas em situao de risco, principalmente moradores de reas sob viadutos, o programa atingiu 16 comunidades,
correspondendo a 14.000 pessoas, com investimentos da ordem de R$
43,1 milhes (2000).
Programa Novas Alternativas: destinado reforma e revitalizao
de casares histricos, na regio do centro da cidade, ocupados por
cortios, mantendo a sua funo de habitao de aluguel para baixa
renda. Foi um programa piloto, com poucas iniciativas, tendo reformado
5 casares (at 2000).
Programa Morar Carioca: destinado a funcionrios municipais originalmente, por meio de cesso de cartas de crdito, passou a abrigar
as iniciativas da Prefeitura com respeito ao Programa de Arrendamento
Residencial, desenvolvido pela Caixa Econmica Federal.
Programa Favela-Bairro: iniciativa de urbanizao das favelas cariocas, o programa desenvolveu-se durante as duas gestes, contando
com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento da
ordem de 180 milhes de dlares.
4 O Programa Favela-Bairro e a Poltica Habitacional
Como o Plano Diretor remetia a formulao e gesto da poltica
habitacional ao rgo responsvel pelo planejamento urbano da cidade, a
idia inicial era criar uma superintendncia de habitao que tivesse a
gesto da poltica habitacional; todavia, como as aes da Prefeitura
estavam dispersas em muitos rgos da administrao pblica, uma superintendncia no teria poder de articular e coordenar todas as aes,
colocando-se assim a necessidade de criao de uma secretaria especfica.
Essa discusso foi desenvolvida pelo Grupo Executivo de Programas
Especiais de Trabalho de Assentamentos Populares - GEAP, criado em
agosto de 1993, com participao de representantes da Secretaria Municipal de Urbanismo - SMU, da Secretaria Municipal de Obras e Servios
Pblicos - SMO, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social - SMDS,
da IplanRio, da Riourbe, da Procuradoria Geral do Municpio - PGM e da
Secretaria Municipal de Fazenda - SMF, tendo sido elaborado e entregue
ao prefeito o documento Diretrizes da Poltica Habitacional, que sintetiza
as idias dos seis programas-chave da Secretaria.
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SEMINRIO DE AVALIAO DE PROJETOS IPT

Em maro de 1994, foi criada a Secretaria Extraordinria de Habitao e, em dezembro de 1994, a Secretaria Municipal de Habitao. O
quadro tcnico foi composto por funcionrios e tcnicos da SMDS, que
lidavam com favelas, por uma parte dos quadros da SMU, que lidavam com
loteamentos, assim como por tcnicos da Riourbe e de outros rgos. Os
setores que trabalhavam com urbanizao de favela e com a populao
de rua, na SMDS, foram para a nova Secretaria. Esses elementos evidenciam como o novo governo soube aproveitar-se da capacidade tcnica e
administrativa acumulada em anos de interveno sobre as favelas e sobre
os loteamentos populares, aumentando as possibilidades de maior efetividade
das aes.
Os dois programas mais importantes da poltica habitacional (Programa Regularizao de Loteamentos e Programa Favela-Bairro) foram
financiados com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e contrapartida local do Municpio do Rio de Janeiro, em um convnio nico, o que levou unificao (apenas formal) dos dois programas
no mbito do Programa de Urbanizao de Assentamentos Populares do
Rio de Janeiro - PROAP-RIO.
O programa Favela-Bairro vem sendo desenvolvido pela Secretaria
Municipal de Habitao desde 1994, quando a administrao resolveu adotar
uma nova poltica para as favelas em substituio ao antigo Projeto Mutiro.
Como principal programa da administrao, o Favela-Bairro objetiva
complementar ou construir a estrutura urbana principal (saneamento e
democratizao de acessos) e oferecer condies ambientais de leitura da
favela como bairro da cidade, segundo os termos do Decreto no 14.332, de
7 de janeiro de 1995. O programa tem como metas a integrao social e a
potencializao dos atributos internos das comunidades.
Quanto aos aspectos gerenciais do programa, cabe notar que a Prefeitura optou por adotar a terceirizao dos servios como norma bsica.
Assim, so terceirizados a maioria dos projetos, a execuo das obras e o
seu acompanhamento. Alm do acompanhamento dos projetos e obras feito
pelo IplanRio, Riourbe e SMH, foram contratadas duas empresas: uma que
apoia o gerenciamento geral do programa e outra que presta assistncia
tcnica e d apoio superviso. Os projetos foram contratados a partir de
concurso pblico, desenvolvido sob a coordenao do Instituto de Arquitetos
do Brasil - IAB-RJ. A terceirizao acabou por gerar alguns problemas, tanto
no que diz respeito aos projetos quanto s obras, mas principalmente nestas.
A falta de experincia das empreiteiras na realizao de obras em situao
peculiar, como as das favelas, levou a alguns conflitos com a administrao
e, algumas vezes, com as mudanas de projeto que, segundo os arquitetos
responsveis, desvirtuaram as intenes originais com objetivo de ampliar as
margens de lucro11 .
11

Depoimento pessoal ao autor feito pelo arquiteto Paulo Oscar Saad.

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O Programa Favela-Bairro

Originalmente destinado ao atendimento s favelas de porte mdio,


o programa se desdobra, na segunda gesto (1997-2000), em dois outros: o Bairrinho e o Grandes Favelas, que buscam ampliar a escala das
intervenes. Uma sntese dessas transformaes pode ser identificada
na Tabela 1.
Tabela 1 - Continuidade do Programa Favela-Bairro
com a mudana de gesto (Cesar Maia - Conde)
Dezembro de 1995 - Dezembro de 1996
2000
Descrio
Projetos em andamento/
obras estimadas

Total

18

Janeiro de 1997 - Outubro de


Descrio

Projetos concludos

Obras a iniciar

Obras em andamento

Obras concludas
Obras iniciadas

27

Total

Obras em andamento

11

Obras concludas

16

Fonte: IPLAN-RIO Observatrio IPPUR/UFRJ-FASE.

Includo no PROAP-RIO, o programa tinha previsto um investimento


de US$ 192 milhes em 4 anos, sendo que US$ 32 milhes corresponderiam contrapartida da Prefeitura e US$ 160 milhes ao BID. O contrato previu o custo mximo de US$ 4,000.00 por famlia e de US$ 3,500.00
na mdia, ao longo da execuo do programa. Acima disso, seria necessria
aprovao prvia do rgo financiador. Alm dos recursos do BID e da
Prefeitura, o programa contou ainda com recursos da Caixa Econmica
Federal atravs do Comunidade Solidria e de outros programas como o
Prosanear. Esses recursos tornaram-se mais importantes ainda durante a
segunda gesto, principalmente para os programas Bairrinho e Grandes
Favelas. Teve incio, no final da segunda gesto, uma iniciativa financiada
com recursos da Unio Europia, ainda em carter piloto, visando construir
uma interveno de carter social que antecedesse e acompanhasse as
obras.
De forma geral, como j adiantado, o Favela-Bairro no previa a
construo de unidades habitacionais, a no ser nos casos de remanejamentos e mesmo assim quando no se pudesse adotar outro tipo de
soluo negociada com as famlias envolvidas. A taxa de reassentamento
verificada durante a primeira fase foi considerada pequena (5%), sendo
que as famlias receberam casas construdas na prpria favela, ou uma
indenizao. Muitas vezes houve tambm o pagamento de um auxlio temporrio para cobrir as despesas de aluguel. Nesse sentido, o programa
45

SEMINRIO DE AVALIAO DE PROJETOS IPT

tinha como eixo central a realizao de obras de infra-estrutura, com a


abertura de acessos e a criao de uma via de circulao interna, realizao de obras de saneamento, eliminao das reas de risco e construo
de equipamentos pblicos, como creches, quadras esportivas, praas,
etc.
Embora o BID no tenha exigido a regularizao fundiria completa
das favelas e loteamentos, o processo foi iniciado dentro do escopo do
programa, embora com pouca relevncia e poucos recursos. Segundo
depoimentos de tcnicos da Prefeitura, a realizao das obras era mais
importante do que a resoluo da situao de instabilidade da titulao
da terra. Foi desenvolvida apenas a regularizao urbanstica, com a
elaborao de um Projeto de Alinhamento, que definia os espaos pblicos e particulares, reconhecendo formalmente os logradouros, passando-se depois definio dos lotes ou condomnios particulares, para
ento comear o processo de titulao. Alm da urbanizao e dos
equipamentos, programas de gerao de renda e trabalho tm sido desenvolvidos, em parceria com a SMDS.
Na definio de critrios para a seleo de reas, foi montada uma
matriz de classificao das favelas, a partir da colaborao de tcnicos de
todas as reas da Prefeitura que tinham experincia no tema (Geo-Rio,
SMDS, IplanRio, SMU, SMO). O critrio bsico foi a busca de resultados a
curto prazo, produzindo, assim, um efeito de demonstrao. Com vistas
nesse critrio, foram beneficiadas, na primeira gesto (1993-1996) favelas
de porte mdio que j haviam recebido investimentos anteriores em
urbanizao.
Entre os critrios de seleo de reas aprovados pelo contrato
com o BID, destacamos:
dimenso da favela entre 500 e 2.500 domiclios;
dficit da infra-estrutura (porcentagem de domiclios com servios inadequados de gua potvel e esgotamento sanitrio);
carncia socioeconmica (mdia dos fatores: porcentagem de chefes
de famlia com rendimentos at 1 salrio mnimo, porcentagem de
domiclios cujos chefes so analfabetos, porcentagem de domiclios
chefiados por mulheres e porcentagem de crianas de 0 a 4 anos);
graus de facilidade de urbanizao (existncia de infra-estrutura prvia
e do custo e complexidade para implant-la); e
dimenso estratgica (existncia de programas complementares j
planejados).
Aps a seleo das comunidades pela equipe tcnica da Prefeitura,
as favelas a serem urbanizadas foram declaradas como reas de Especial
12

A Lei n 2.499, de 26 de novembro de 1996, declara como rea de especial interesse social para fins
de incluso em programa de urbanizao e regularizao fundiria as reas das favelas da 1 fase do
Favela-Bairro e estabelece resumidos padres especiais de urbanizao.

46

O Programa Favela-Bairro

Interesse Social - AEIS, nos termos do Plano Diretor12 . Inicialmente, a


Prefeitura trabalhou com um horizonte de 15 favelas operando com
recursos prprios, mas com a entrada do BID, o programa se expandiu
para 73 reas.
Cabe ressaltar que, na primeira gesto, a Prefeitura praticamente
no contou com recursos do BID, desenvolvendo as obras apenas com
recursos prprios. Essa situao favoreceu o governo seguinte, pois
significou ser desnecessrio o investimento na forma de contrapartida,
liberando recursos para outros programas ou para ampliar o nmero de
favelas ali includas.
No h no Favela-Bairro um frum intermediador como o Ncleo de
Regularizao de Loteamentos. A participao da comunidade se d em
torno de assemblias realizadas em cada comunidade, sendo que a Prefeitura tem a diretriz de estimular a formao de conselhos envolvendo
outras entidades, alm das associaes de moradores existentes, que
funcionam como interlocutores do poder pblico durante as obras.
Em alguns casos, ocorreram denncias das associaes de moradores locais, relativas ao da Prefeitura, na criao de grupos locais
que seriam subservientes aos seus interesses. A avaliao dos tcnicos
da Prefeitura, entretanto, de que a participao da populao, embora
exigida pelo PROAP-RIO na fase de projeto, pequena em funo do
desinteresse dos moradores.
Alguns indicadores sintticos relativos ao desempenho do programa
e s mudanas operadas ao longo das duas administraes podem ser
observadas na Tabela 1 e tambm nas Tabelas 2 e 3.
Tabela 2 - ndices do Programa Favela-Bairro
(Janeiro de 1997 - Outubro de 2000)
Descrio

Favela-Bairro
(de 500 a 2.500
domiclios)

Bairrinho
(de 100 a 500
domiclios)

Grandes Favelas
(mais de 2.500
domiclios)

Total

Levantamento topogrfico

23

23

Projetos a iniciar

14

16

Projetos em andamento

26

32

Projetos concludos

Obras a licitar

Obras a iniciar

12

Obras em andamento

24

36

Obras concludas

23

28

Total

83

60

150

Populao beneficiada

433.442 hab.

74.210 hab.

229.259 hab.

736.911 hab.

Investimento (em Reais)

543.040.513,80

24.552.712,76

21.438.008,89

589.031.235,55

Comunidades beneficiadas

111

62

180

47

SEMINRIO DE AVALIAO DE PROJETOS IPT

Fonte: IPLAN-RIO Observat+rio IPPUR/UFRJ-FASE.

Tabela 3 - Custos do PROAP-RIO e PROAP-IV


(usos e fontes em US$ 1 milho)
Fontes de financiamento
Categorias

BID
PROAP I

1. Engenharia e administrao

PCRJ/Local

Total

Total (%)

PROAP II PROAP I PROAP II PROAP I PROAP II

PROAP I

PROAP II

26,210

23,00

26,210

23,00

8,2

7,7

Projetos

5,990

7,00

5,990

7,00

1,9

2,3

Apoio gerencial

4,186

4,00

4,186

4,00

1,3

1,3

Superviso

16,034

12,00

16,034

12,00

5,0

4,0

2. Custos diretos

178,60

178,20

63,254

71,80

241,854 250,00

75,7

83,3

160,523

157,70

54,005

38,30

214,528

196,00

67,1

65,3

18,077

9,00

9,249

6,00

27,326

15,00

8,5

5,0

Favelas
Loteamentos irregulares
Ateno a crianas e
adolescentes

8,50

17,00

25,50

8,5

Trabalho e renda

3,00

6,00

9,00

3,0

4,50

4,50

1,5

Desenvolvimento institucional

3. Aquisio/ desapropriao
de imveis, regularizao
urbanstica e fundiria,
monitoramento, educao
sanitria e desenvolvimento
institucional

20,553

20,553

6,4

4. Custos financeiros

1,40

1,80

29,619

25,20

31,019

27,00

9,7

9,0

319,636 300,00

100,0

100,0

Total

180,00

180,0

139,636 120,00

Fonte: IPLAN-RIO Observatrio IPPUR/UFRJ-FASE.

5 Concluses
Tomando como referncia os elementos de avaliao mencionados
na introduo deste trabalho, podemos sugerir aqui algumas virtudes e
alguns problemas identificados pela anlise:
O programa tem como fator positivo dar visibilidade urbanizao de
favelas, consagrando essa prtica como a forma adequada de interveno
sobre o problema das favelas. Embora seja uma prtica que tem aparecido
em todas as grandes cidades brasileiras no perodo recente, a publicidade
em torno do projeto, o apoio do BID e o fato de ter se realizado na cidade
que se caracterizou, nos anos 70, pelo maior programa de remoo da
Amrica Latina, d um sentido simblico a essa interveno que deve ser
ressaltada. Outrossim, ressalte-se que se trata de uma iniciativa desenvolvida
por um governo de carter conservador.
48

O Programa Favela-Bairro

Alm do impacto publicitrio, o programa pretende, como uma interveno a ser desenvolvida no tempo, abarcar como horizonte o conjunto das favelas cariocas. Pelos nmeros envolvidos, percebe-se claramente que uma ao que tem uma grande escala, com forte impacto sobre as condies de vida da populao favelada.
A deciso de se criar um rgo tcnico-administrativo que incorporasse
a experincia anterior dos quadros administrativos da Prefeitura revelou-se extremamente profcua, por incluir um aprendizado institucional, que condio fundamental para o xito das intervenes em
qualquer setor de atuao do poder pblico.
Como ltimo aspecto positivo, cabe ressaltar o papel importante desempenhado pela regularizao urbanstica na transformao das condies de cidadania da populao favelada, conferindo-lhe o direito
ao endereo, como condio fundamental de cidadania.
Embora contando com essas caractersticas positivas, alguns aspectos
revelaram-se contraditrios ou problemticos, a saber:
- se considerarmos o peso da poltica habitacional no mbito da poltica
urbana, nota-se que este relativamente pequeno e, principalmente,
que esse tipo de interveno depende, de forma importante, de
financiamentos externos, enquanto outras iniciativas, como o RioCidade ou a Linha Amarela, utilizam recursos da Prefeitura;
- a poltica habitacional do Rio de Janeiro bastante diversificada,
todavia no inclui iniciativas ligadas ampliao da oferta de novas
oportunidades habitacionais, seja por programas prprios, seja pela
utilizao de instrumentos de poltica fundiria que ampliem a oferta
privada. A concentrao da atuao habitacional da Prefeitura nas
polticas corretivas tem, como efeito perverso, manter como nica
alternativa de acesso terra e moradia a ocupao de reas
inadequadas - seja sob o ponto de vista ambiental (reas frgeis,
encostas ou margens de rios, de proteo ambiental, de risco, etc.)
seja sob o ponto de vista legal. Isso implica em uma recriao
permanente do problema que se busca resolver;
- os objetivos do programa (a integrao) so tratados to somente
do ponto de vista fsico-urbanstico. No entanto, enquanto poltica
de integrao social, essa iniciativa parece insuficiente e mesmo os
programas sociais que so articulados interveno no tm a mesma primazia dos aspectos de infra-estrutura, o que coloca um obstculo (difcil) questo da integrao social das populaes faveladas. Um aspecto relevante, nesse sentido, diz respeito questo
da valorizao imobiliria que decorre do investimento pblico, gerando processos de expulso branca. A postura da Prefeitura foi de
49

SEMINRIO DE AVALIAO DE PROJETOS IPT

saudar os processos de valorizao como resultados positivos, desconsiderando o problema da sada de moradores e sua substituio
por camadas de renda mais elevada. Esse tema de fundamental
importncia do ponto de vista da questo da integrao social;
- o processo de escolha e hierarquizao da interveno, embora
pragmtico, parece ser mais uma estratgia de marketing do que
uma definio calcada em diagnstico das necessidades. Isso implicou
que as favelas atendidas pelo programa no fossem as mais carentes,
mas, pelo contrrio, aquelas que j vinham sendo objeto de interveno em programas anteriores; e
- a participao popular extremamente tmida, com fortes indcios de
constituir-se mais como prtica de legitimao das aes do que
propriamente de democratizao da poltica. Experincias desenvolvidas em outras cidades, como Diadema ou Braslia, mostram que
possvel desenvolver-se uma poltica que seja amplamente discutida
com a populao, seja por Conselhos, ou por realizao de
Conferncias. Os resultados mostram que, nesses casos, a populao
manifestou franco interesse em participar e que a democratizao
dos processos no impediu a eficincia e a eficcia das aes.

50

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