Abstract
The paper addresses the issue of ethical obligations in the performance of musical works in the Western classical tradition, arguing that there are indeed such obligations, although they are not categorical.
PT: Na tradição clássica ocidental, as obras de arte musicais, teatrais e, até certo ponto, as coreografias, são criadas por artistas-autores, mas necessitam de ser executadas por intérpretes (instrumentistas, cantores e maestros, actores e encenadores, bailarinos, etc.). Estes são assim chamados porque existe sempre uma dose de descricionariedade, não só nas suas decisões sobre o que as instruções inscritas na notação por parte do autor querem "realmente" dizer, como ainda acerca dos muitos aspectos necessária ou voluntariamente deixados em aberto por ele.
Limitando-nos aos casos em que é evidente ou relativamente claro que o autor favorece, directamente ou por via das convenções artísticas por si tacitamente aceites, uma forma de interpretação da sua obra entre outras, debruço-me sobre a questão de saber se, para além das considerações estéticas integrantes da decisão de respeitar total ou parcialmente essa forma, há também considerações especificamente morais que sejam relevantes para tal decisão. Os tratamentos filosóficos desta questão tiveram alguma expressão nos anos 80 e 90, sobretudo a propósito do movimento da interpretação musical historicamente correcta ou informada de obras de épocas com as quais se estava a recuperar o contacto perdido em termos de modos de execução e instrumentos específicos dessas épocas. Curiosamente, contrastando com o debate entre a crítica de arte, o debate filosófico é muito menos vivo numa actualidade marcada pelo ecletismo pós-moderno que, sobretudo no teatro e na ópera, trata mesmo os aspectos mais estruturantes das obras como completamente opcionais, ou as obras elas as próprias como materiais para fusão, reconstrução ou improvisação.
Revisitando os argumentos em torno do tópico, defenderei a prevalência da posição segundo a qual há uma dimensão moral nas artes performativas, mas que as obrigações daí resultantes não são todas categóricas, tendo diferentes graus de força, e devem ser entendidas como uma variável que tem de ser, em cada caso, ponderada lado a lado com as considerações estéticas.