Abstract
A partir do século XIX, a teoria democrática foi desenvolvida com base no confronto
entre duas doutrinas políticas: o liberalismo e o socialismo. O liberalismo é um projeto que
defende as limitações dos poderes governamentais, buscando a proteção dos direitos
econômicos, políticos, religiosos e intelectuais dos membros da sociedade. Ou seja, para os
liberais o poder do Estado deve ser limitado, pois eles acreditam que a verdadeira liberdade
depende da menor interferência possível do Estado e das leis nesses direitos.
A defesa do liberalismo tem como principal representante Benjamin Constant. Membro
da Assembleia Nacional Francesa, escreveu a obra A liberdade dos antigos comparada com a
dos modernos, na qual afirma que a liberdade dos modernos, que deve ser promovida e
desenvolvida, é a liberdade individual na relação com o Estado (ou seja, as liberdades civis e
políticas), enquanto a liberdade dos antigos, que se tornou impraticável, é a liberdade de
participação direta na formação das leis.1
Outros autores como, como o francês Alexis de Tocqueville2
e o inglês John Stuart
Mill3
, defenderam a ideia de que a única estrutura democrática compatível com o Estado liberal
seria a democracia representativa. Uma passagem interessante para o nosso debate sobre a
democracia é o princípio do dano, de Stuart Mill. Por esse princípio, cada indivíduo tem o
direito de agir como quiser desde que suas ações não prejudiquem outras pessoas. Se a ação
afeta diretamente apenas a pessoa que a está realizando, a sociedade em tese não tem o direito
de intervir, mesmo que o indivíduo esteja prejudicando a si próprio. Contudo, se os indivíduos fizerem algo ruim para si mesmos ou para sua propriedade podem indiretamente prejudicar a
coletividade, já que ninguém vive isolado, devendo por isso ser impedidos de fazê-lo. Stuart
Mill isenta desse princípio aqueles que são incapazes de se governar.
Em síntese, todo o processo de democratização, como se deu nos Estados liberais
democráticos, consiste numa transformação mais quantitativa do que qualitativa do regime
representativo. Ou seja, o avanço da democracia nesses regimes ocorre em duas direções: no
alargamento gradual do direito do voto e na multiplicação dos órgãos representativos.
Para a doutrina socialista, o sufrágio universal é apenas o ponto inicial do processo de
democratização do Estado, enquanto para o liberalismo é o ponto de chegada. Alguns dos
principais teóricos do socialismo, como Antonio Gramsci4
e Rosa Luxemburgo5
, afirmam que
o aprofundamento do processo de democratização na perspectiva das doutrinas socialistas
ocorre de dois modos: por meio da crítica à democracia representativa (e da retomada de alguns
temas da democracia direta) e pela ampliação da da participação popular e do controle do poder
por meio dos chamados “conselhos operários”.
Em outras palavras, a diferença crucial entre a democracia dos conselhos e a democracia
parlamentar é que a primeira reconhece ter havido um deslocamento dos centros de poder dos
órgãos tradicionais do Estado para a grande empresa, na sociedade capitalista. Por isso, o
controle que o cidadão pode exercer por meio dos canais tradicionais da democracia política
não é suficiente para impedir os abusos de poder. Logo, o controle deve acontecer nos próprios
lugares de produção, e seu protagonista é o trabalhador real, não o cidadão abstrato da
democracia formal.
Mais recentemente, na metade do século XX, surgiu a corrente pluralista. Os pluralistas,
em particular Robert Dahl6
, cientista político estadunidense, não procuravam estabelecer uma
definição abstrata e teórica acerca da democracia, mas, por meio da observação das experiências
de sistemas políticos, estipularam alguns requisitos mínimos: funcionários eleitos, eleições livres justas e frequentes, liberdade de expressão, fontes de informação diversificadas,
autonomia para associações e cidadania inclusiva.
Com base nesses critérios são caracterizadas quatro estruturas de governo: hegemonias
fechadas, que são regimes em que não há disputa de poder e a participação política é limitada;
hegemonias inclusivas, regimes em que não há disputa de poder, mas ocorre participação
política; oligarquias competitivas, regimes nos quais há disputa de poder, mas com limitada
participação política; e poliarquias, regimes em que não há disputa de poder e participação
política ampliada.
Joseph Schumpeter (1883-1950), economista austríaco, criticou as teorias clássicas de
democracia, especialmente na relação estabelecida entre a democracia e a soberania popular7
.
Para o autor, a definição clássica de democracia supõe duas ficções incapazes de resistir a uma
análise realista: a existência do bem comum e a universalidade da racionalidade dos indivíduos.
Para Schumpeter, a unidade da vontade geral, que constituiria o bem comum, e a racionalidade
dos indivíduos seriam mitos, porque, para ele, esses elementos se tornaram irracionais por não
conseguirem definir coerentemente suas preferências diante da influência da propaganda e de
outros métodos de persuasão.
Dessa forma, Schumpeter rompe com a ideia de democracia como soberania popular
para propô-la como método, um tipo de arranjo institucional (de governos) para alcançar
decisões políticas. Assim, sugere a superação do impedimento provocado pela irracionalidade
das massas, reduzindo sua participação na política ao ato da produção de governos (ato de
votar). As atribuições político-administrativas ficariam a cargo das elites eleitas. Essa é uma
postura polêmica, na medida em que propõe uma redução da participação popular.
Contrário a essa visão, o cientista político canadense C. B. Macpherson8
, sustenta que
a liberdade e o desenvolvimento individual só podem ser alcançados plenamente com a
participação direta e contínua dos cidadãos na regulação da sociedade e do Estado.
Macpherson defende uma transformação estruturada em um sistema que combine
partidos competitivos e organizações de democracia direta, que criam uma base real para a
existência da democracia participativa. Mas, para que esse modelo pudesse se desenvolver, seria necessário que os partidos políticos se democratizassem, com princípios e procedimentos
de democracia direta, complementada e controlada por organizações geridas por pessoas
comuns, em seus locais de trabalho e nas comunidades locais.
Na teoria das elites, o
poder político pertence ao
restrito círculo de pessoas
que toma e impõem
decisões a todos os
membros que tenha de
recorrer, como ação
radical, à força.
Ainda na doutrina liberal, mas opondo-se ao pluralismo, existem os elitistas, que
utilizam o termo “elite” como referência a grupos sociais superiores de vários tipos. O termo
seria empregado no pensamento social e político somente no final do século XIX. Essas teorias
sociológicas, propostas pelos pensadores Vilfredo Pareto (1848-1923), sociólogo e economista
francês; Gaetano Mosca (1858-1941), cientista político italiano, e Robert Michels (1876-1936),
sociólogo alemão radicado na Itália, defendem que em toda sociedade existe apenas uma
minoria, que, por diversos motivos, vem a se tornar detentora do poder. Pareto afirmava que
existe uma “circulação das elites”, ou seja, uma minoria de pessoas que se alternam no poder.
Mosca justifica o poder das elites governamentais pelo fato de serem uma minoria
articulada e organizada, enquanto os governos seriam uma classe numerosa, mas dividida e
desorganizada. Ao estudar as formações partidárias, Michels destacou como a própria estrutura
das organizações favorecia o surgimento das elites e sua longa permanência no poder. Nas
palavras de Michels, essa estabilidade das elites no poder é a “lei de ferro das oligarquias”.
Ao longo dos últimos séculos foram construídas diversas interpretações e teorias acerca
dos objetivos e conteúdos da democracia. Na prática, a democracia pode ser um modelo de
governo que amplia as capacidades de desenvolvimento social, político e econômico, com base
em princípios de igualdade e cidadania, ou se tornar uma simples “regra” para formar governos
que não priorizem necessariamente o atendimento das demandas sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONSTANT, B. A liberdade dos antigos comparada à dos modernos. 1. ed. São Paulo: Atlas,
2015.
DAHL, R. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1987.
________. Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989.
LUXEMBURGO, R. Têxteis. Paris: Editions Socieles, 1982.
MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo possessivo, de Hobbes e Locke.
Tradução de Nelson Dantas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
MICHELS, R. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: Ed. da UnB, 1982.
MILL, J. S. Sobre a liberdade. Petrópolis: Vozes, 1991.
SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1984.
SILVA, A. et. al. Sociologia em movimento. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016.
TOCQUEVILLE, A. A democracia na América: leis e costumes. São Paulo: Martins Fontes,
1998.