Abstract
Há uma vinculação direta entre democracia, cidadania e direitos humanos. Uma
sociedade será mais democrática à medida que os direitos de cidadania se ampliarem para uma
quantidade maior de seus membros. Nesse sentido, qual é o critério utilizado para definir o grau
de expansão da cidadania em uma sociedade?
• Cidadania
Com base na trajetória histórica inglesa, o
sociólogo T. H. Marshall2
estabeleceu uma divisão
dos direitos de cidadania em três estágios. O
primeiro ocorre com a conquista dos direitos civis
(garantia das liberdades individuais, como a
possibilidade de pensar e de se expressar de maneira
autônoma), da garantia de ir e vir e do acesso à
propriedade privada. A conquista desses direitos foi
influenciada pelas ideias iluministas e resultou da
luta contra o absolutismo monárquico do Antigo
Regime. Esse processo teve como resultado maior o advento da isonomia, ou seja, da igualdade
jurídica.
O direito de ser tratado com equidade é
um exemplo de direito civil. Na
imagem, passeata de famílias do
Movimento dos Trabalhadores Sem
Teto (MTST) que vivem na ocupação
Zumbi dos Palmares, em São Gonçalo
(RJ, 2014), em comemoração ao dia da
consciência Negra.
O segundo estágio refere-se aos direitos políticos, entendidos como a possibilidade de
participação da sociedade civil nas diversas relações de poder presentes em uma sociedade, em
especial a possibilidade de escolher representantes ou de se candidatar a qualquer tipo de cargo,
assim como de se manifestar em relação a possíveis transformações a serem realizadas. Os
direitos políticos têm relação direta com a organização política dos trabalhadores no final do século XIX. Ao buscar melhores condições de trabalho, eles se utilizaram de mecanismos da
democracia – por exemplo, a organização
de partidos e sindicatos – como modo de
fazer valer seus direitos.
Por fim, o terceiro estágio
corresponde aos direitos sociais vistos
como essenciais para a construção de uma
vida digna, tendo por base padrões de bem-
estar socialmente estabelecidos, como
educação, saúde, lazer e moradia. Esses
direitos surgem em decorrência das
reivindicações de diversos grupos pela
melhora da qualidade de vida. É o momento
em que cidadãos lutam por melhorias no
sistema educacional e de saúde pública,
pela criação de áreas de lazer, pela
seguridade social etc.
O direito de organização política é um exemplo
de direito político. Na imagem, manifestação
de estudantes em frente ao Palácio de La
Moneda, sede do governo chileno, contra as
mudanças no sistema educacional do país.
Santiago (Chile, 2014).
Por ter sido construída tendo como
referência o modelo inglês, a tipologia
cronológica de Marshall recebeu críticas ao ser
aplicada como modelo universal.
Ao longo desse percurso, muitas
constituições, como a estadunidense (1787) e a
francesa (1791), preconizaram o respeito aos
direitos individuais e coletivos, o que hoje é
incorporado pelas instituições de diversos
países. Podemos destacar outras iniciativas que
tinham o mesmo objetivo, como a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948).
O direito à moradia é um exemplo de
direito social no Brasil. No entanto, ele
não é garantido para a maioria da
população. Na imagem, protesto de
integrantes do MTST (Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto), contra a
reintegração de posse, em São Paulo (SP,
2014).
E o que define hoje um cidadão? De acordo com Marshall, cidadão é aquele que exerce
seus direitos civis, políticos e sociais de maneira efetiva. Percebe-se que o conceito de cidadania
está em permanente construção, pois a humanidade se encontra sempre em luta por mais
direitos, maior liberdade e melhores garantias individuais e coletivas. Ser cidadão, portanto,
significa ter consciência de ser sujeito de direitos – direito à vida, ao voto, à saúde, enfim,
direitos civis, políticos e sociais.
A ideia de direitos humanos têm como contrapartida a de deveres, uma vez que os
direitos de um indivíduo são condicionados ao cumprimento de seus deveres. O Estado, por sua
vez, tem o dever de garantir os direitos
humanos, protegendo-os contra violações
(embora, em muitos casos, ele próprio as
cometa, desrespeitando a Constituição). No
Brasil, a extensão dos direitos de cidadania é
bastante restrita. Apenas uma parcela da
população tem acesso aos direitos básicos.
Diversos grupos têm seus direitos violados
constantemente. Exemplos disso são os casos
de violência contra a mulher, que muitas
vezes são ignorados ou minimizados pela sociedade e pelo Estado.
A violência contra a mulher é um exemplo de
violação dos direitos e da negação de
cidadania. Na imagem, cartaz de campanha,
veiculada em 2014, que mostra que muitas
mulheres sofrem com essa violência ao redor
do mundo.
• Direitos Humanos
A ideia de direitos humanos como algo extensivo a todos os indivíduos surgiu após a Segunda
Guerra Mundial, diante das
barbaridades e efeitos destrutivos
produzidos pelo conflito. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos foi
aprovada em 10 de dezembro de 1948
pela ONU, criada em 1945 com o
objetivo de proporcionar o diálogo e
impedir conflitos entre os países por
questões políticas, econômicas ou
culturais. A Declaração teve por base os
direitos essenciais à vida e à liberdade e o reconhecimento da pluralidade como meio de
combater ações disdiscriminatória.
Uma série de tratados internacionais de direitos humanos e outros instrumentos adotados
desde 1945 expandiram o corpo do direito internacional sobre os direitos humanos. Eles
incluem a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), a
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial
(1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), entre outras.
Os direitos humanos são valores que visam ao respeito mútuo em detrimento dos
privilégios restritos a determinados grupos, por isso não devem ser pensados como benefícios
particulares ou privilégios de grupos elitizados. Como sabemos, a simples declaração de um
direito não faz necessariamente que ele seja implementado na prática, mas abre espaço para sua
reivindicação. Uma das características básicas dos direitos humanos é o fato de estabelecerem
que a injustiça e a desigualdade são intoleráveis.
É preciso perceber que os indivíduos não são apenas beneficiários no processo histórico
de afirmação dos direitos humanos, mas também autores responsáveis pela construção e pela
reivindicação da expansão e da garantia desses direitos. Todas as conquistas relacionadas aos
direitos humanos são resultado de processos históricos, das mobilizações e de demandas da
população.
A prática de esportes e o lazer são direitos essenciais para a
formação adequada da juventude. Entretanto, falhas na atuação
do Estado nem sempre permitem que os jovens tenham acesso
a esses direitos. Na imagem, crianças jogam futebol à beira-
mar na Praia Redonda em Icapuí (CE, 2014).
Assim, as lutas por igualdade e liberdade ampliaram os direitos políticos e abriram
espaços de reivindicação para a criação dos direitos sociais, dos direitos das chamadas
“minorias” – mulheres, idosos, negros, homossexuais, jovens, crianças, indígenas – e do direito
à segurança planetária, simbolizado pelas lutas ecológicas e contra as armas nucleares. Já as
lutas populares por participação política ampliaram os direitos civis: direito de opor-se à tirania, à censura, à tortura; direito de fiscalizar o Estado por meio de associações, sindicatos ou
partidos políticos; direito à informação sobre as decisões governamentais.
A divisão entre direitos civis, políticos e sociais não deve nos levar a perder de vista
uma característica intrínseca aos direitos humanos: sua indivisibilidade. Isso equivale a dizer
que os direitos não podem ser exercidos de maneira parcial. Todas as pessoas devem gozar do
conjunto total de direitos e de cada um na sua totalidade. De acordo com a Declaração e
Programa de Viena, de 1993, todos os direitos humanos são universais, indivisíveis,
interdependentes e inter-relacionados. Portanto, devem ser tratados de modo global, justo e
equitativo. Embora as características específicas de local, contexto e cultura precisem ser
levadas em consideração, é dever do Estado promover e proteger todos os direitos humanos de
maneira integral, independentemente de qual seja seu sistema político, econômico e cultural.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1967.
SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016.