Fertilidade em Vacas Leiteiras: Fisiologia e Manejo

Abstract

FERTILIDADE EM VACAS LEITEIRAS: FISIOLOGIA E MANEJO INTRODUÇÃO A fertilidade das vacas com aptidão leiteira tem apresentado queda de quase 1% ao ano nos últimos 30 anos como apresentam os estudos acerca da reprodução de bovinos leiteiros; essa diminuição tem coincidido com um aumento sustentado na produção de leite. Estudos realizados a partir da década de 1960 pelo NRC, demonstraram que nos rebanhos leiteiros da América do Norte, nessa década, era conseguido emprenhar até 65% das vacas inseminadas, enquanto, atualmente, a porcentagem de concepção é em torno de 30%. Na literatura e por meio de pesquisas foi-se comprovado que de 80 a 90% dos ovócitos são fertilizados, entretanto, uma alta proporção de embriões morre antes do 18º dia após a inseminação. Com isso, as vacas apresentam um novo ciclo, isto é, regressam ao estro em um período equivalente a um ciclo estral normal, devido ao fato de que a morte do embrião ocorre antes do reconhecimento materno da gestação (figura 1). 1. ESTIMATIVA DA FERTILIDADE EM BOVINOS LEITEIROS Em bovinos leiteiros, existem diferentes métodos de estimar a fertilidade e cada um deles fornece uma visão parcial do problema; neste trabalho pretendo descrever os principais estimadores da fertilidade. 1.1 Porcentagem de concepção Refere-se à proporção de vacas que apresentaram prenhez, isto é, vacas gestantes do total inseminado e é calculado no momento de diagnóstico da gestação. É difícil estipular ou impor uma meta para esse método, uma vez que depende de vários fatores que podem variar entre os rebanhos e, também, é afetado pela época do ano. Entretanto, nos últimos anos, uma boa meta global de porcentagem de concepção deve estar entre 35 e 40%, porém esse valor é um parcial, uma vez que diante o manejo e os custos opta-se sempre por uma porcentagem maior de vacas prenhes no momento de diagnóstico de gestação. A taxa ou porcentagem de concepção é obtida pela divisão do total de vacas prenhes com o total de vacas inseminadas e multiplicado por 100. % concepção = Total de vacas prenhes/Total de vacas inseminadas x 100 Figura 1: A principal causa de falha reprodutiva é a morte embrionária precoce. Cerca de 80 a 90% dos ovócitos são fertilizados. Apenas 50% dos embriões sobrevivem até o momento de diagnóstico da gestação. Além disso, entre 20 e 30% das vacas diagnosticadas prenhes perdem a gestação nos meses seguintes. Elaborado pelo autor. 1.2 Taxa de prenhez A taxa de prenhez representa a proporção de vacas prenhes pós-inseminação, do total elegível para a inseminação durante um período equivalente a um ciclo estral (± 21 dias). Essa taxa é um parâmetro resultante de dois aspectos: a eficiência na detecção do cio ou estro à campo visual do comportamento das vacas e/ou pelos métodos modernos de identificação como os marcadores; e a porcentagem de concepção. A taxa de prenhez é calculada multiplicando a eficiência na detecção de estros pela porcentagem de concepção e dividindo o valor dessa multiplicação por 100. Assim, um rebanho com uma eficiência na detecção de cio ou estro de 50% e com uma porcentagem de concepção de 30%, obtém-se uma taxa de prenhez de 15%. Esse número indica que das vacas elegíveis que manifestam cio e são inseminadas em um período de 21 dias, apenas 15% delas emprenham. Uma taxa de prenhez aceitável é de 21%, entretanto, o índice almejado é de 35%. O primeiro cio deve se manifestar aos 40 dias pós-parto. As taxas de detecção de cios devem estar entre 70%, mas podem variar entre 30 e 80% dependendo da forma que é realizada. Existem diferentes métodos de observação visual com diferentes porcentagens de detecção (tabela 1). Existem alguns fatores que limitam a detecção de estros por todos e quaisquer métodos de observação, sendo eles o horário, tempo e número das observações, número de vacas em estro, tamanho dos lotes e piquetes, temperatura ambiente e olho clínico do observador. Dada uma boa detecção de estros teremos, consequentemente, boas taxas de prenhez (tabela 2). As duas formas do cálculo: Taxa de prenhez = % detecção de estro x % concepção100 Taxa de prenhez = Total de vacas prenhes/Total de vacas aptas à reprodução x 100 EXEMPLO PRÁTICO: em uma determinada fazenda um lote de 100 vacas está apto para inseminação, desse total 55 vacas foram inseminadas, de modo que a taxa de inseminação foi de 55% que equivale a taxa de serviço. Calcularemos a taxa de concepção e prenhez. 1º taxa de concepção: de 55 vacas, no momento de diagnóstico da gestação, observou-se que 17 emprenharam, de modo que a taxa de concepção será: 17 vacas prenhes55 vacas inseminadas x 100 = 30,9% 2º taxa de prenhez: usando a % de detecção de estro de 30% e a porcentagem de concepção obtida acima, temos uma taxa de prenhez de 9,3%. Usando a segunda forma, encontraremos 17%. 1.3 Porcentagem de vacas gestantes A porcentagem de vacas gestantes é um parâmetro que oferece uma visão genérica da condição de fertilidade do rebanho. Este indicador é calculado a partir das vacas positivas no momento de diagnóstico de gestação (60 dias depois do último serviço) e inclui as vacas secas. Assim, multiplica-se 7 (os meses restantes de gestação da vaca) pela porcentagem de vacas que devem estar gestando cada mês (7 x 8) do qual resulta 56%. A meta esperada desse parâmetro reprodutivo é entre 50 e 60% de vacas gestantes em qualquer momento do ano. Outra forma de conhecer a fertilidade é mediante a estimativa da porcentagem de vacas gestantes por mês. Para manter a população estável, devem estar gestantes mensalmente 8% das vacas (número de vacas/intervalo entre partos). 1.4 Dias abertos Este parâmetro indica os dias que transcorrem do parto ao dia em que a vaca fica gestante. Ao calcular os dias abertos deve-se ser cuidadoso, já que há duas maneiras de fazê-lo. Na primeira, calcula-se considerando só as vacas que ficam gestantes, pelo qual há uma subestimação do parâmetro; este cálculo produz resultados satisfatórios (120 ou 130 dias abertos), já que não considera as vacas que têm mais de 200 dias de leite e não estão prenhes. Na segunda forma de estimativa, são consideradas vacas gestantes e as não gestantes (abertas). Este segundo método é o mais exato, já que o parâmetro obtido se aproxima mais da realidade. A meta deste parâmetro, considerando as vacas em gestação e as vacas abertas, é de 150 dias. 1.5 Intervalo entre partos (IEP) Este parâmetro refere-se ao tempo decorrido entre dois partos consecutivos na mesma vaca. É um parâmetro tão geral que não permite fazer uma análise dos problemas reprodutivos, nem facilita a tomada de decisões. Este parâmetro sobrestima a fertilidade porque para sua obtenção só são consideradas as vacas que têm dois partos consecutivos e não as vacas que permanecem abertas por longos períodos e, inclusive, que chegam a ser descarta- das e as inférteis. Há cerca de 30 anos atrás, o intervalo entre os partos recomendado era de 12 meses. Atualmente, ter um curto intervalo entre partos não é sempre conveniente, uma vez que se obtém menor volume acumulado de leite, e é frequente que muitas vacas cheguem ao momento da secagem com altas produções. Neste sentido, em gados leiteiros explorados intensivamente, a meta é alcançar um intervalo entre os partos de 13,5 meses; propõe-se que as lactações prolongadas com intervalos entre os partos de 18 meses sejam economicamente rentáveis, embora ainda não existam dados suficientes que corroborem esta proposta. 1.6 Dias em leite Os dias no leite é a média de dias em lactação, de todas as vacas em produção do rebanho. Este parâmetro é calculado somando os dias em lactação que cada vaca tem e se divide pelo total de vacas. Em um rebanho com uma distribuição uniforme dos partos durante o ano, haverá vacas com diferentes dias no leite (frescas, de média lactação e lactação avançada). A meta de dias em leite é de 160 a 170 a qualquer momento do ano. Ao contrário dos dias abertos ou o intervalo entre os partos, que são geralmente calculados sem considerar as vacas vazias, os dias no leite incluem todas as vacas, independentemente do seu estado reprodutivo. Em rebanhos leiteiros comerciais muitas vezes este parâmetro é de mais de 200 dias. Um aumento no número médio de dias no leite indica um aumento do número de vacas com lactação de mais de 365 dias, o que obedece a longos períodos abertos e, especificamente, a problemas de fertilidade. Os dias no leite, brindam, de forma prática e rápida, um parâmetro da fertilidade do rebanho. 1.7 Porcentagem de vacas secas Espera-se que 15% das vacas estejam no grupo das vacas secas, a qualquer momento do ano. Dentro dessa porcentagem são consideradas novilhas de reposição (12,5% vacas secas e 2,5% de novilhas). Um aumento na proporção de vacas secas indica falta de homogeneidade na distribuição de partos durante o ano ou um aumento do tempo (mais de dois meses) de permanência no grupo seco, o que está relacionado com problemas de fertilidade; isto é, vacas que teriam secado por baixa produção e com pouco tempo de gestação. Pelo contrário, uma diminuição da proporção de vacas secas indica que não se está cumprindo a porcentagem de vacas gestantes por mês. Dito de outra forma, reflete um aumento do número de vacas abertas devido, frequentemente, à elevada incidência de abortos nos estábulos. 2. FATORES ASSOCIADOS À FERTILIDADE Esses fatores estão associados com o impacto sobre a fertilidade individual ou do rebanho, seja de forma positiva ou negativa. Estão em relação com os parâmetros raciais, genéticos ou ambientais. 2.1 Produção de leite A vaca especializada na produção de leite foi transformada e melhorada nos últimos 40 anos. O melhoramento genético, a utilização de dietas com maior concentração de nutrientes e melhoria dos sistemas de manejo permitiram um aumento significativo da produção de leite. Metabolicamente a vaca de hoje, com potencial genético para produzir 12 mil kg de leite/ano, é diferente da vaca de 40 anos atrás. Observou-se que vacas com maior mérito genético têm concentrações sanguíneas do hormônio do crescimento mais elevadas do que as vacas menos selecionadas, e esta diferença é independente das alterações do balanço energético. O metabolismo das vacas altamente selecionadas difere do das vacas menos selecionadas, pelo que parece torná-las mais adaptadas para mobilizar reservas energéticas corporais e para enfrentar as altas demandas de energia próprias da lactação. Estas mudanças no metabolismo animal, que assegura a disponibilidade adequada de nutrientes para a produção de leite, podem ter efeitos negativos para a função reprodutiva, especialmente quando associam a um mau manejo da alimentação. Por exemplo, as vacas selecionadas para maior produção de leite são mais propensas a ter um atraso no tempo do parto à primeira ovulação. Recentemente foi-se demonstrado uma correlação entre os valores previstos de touros para intervalo entre partos, dias à primeira inseminação e número de inseminações por concepção com a probabilidade que têm os ovócitos de suas filhas para se desenvolver até à fase de blastocisto, o que indica uma clara influência genética na fertilidade. Sem dúvida, a seleção de um rebanho maior produtor de leite também selecionou vacas menos férteis. No entanto, a participação relativa da genética, como uma causa de baixa fertilidade do efetivo leiteiro, é inferior aos fatores relacionados com a intensificação do manejo em rebanhos modernos. 2.2 Número de vacas por rebanho Ao mesmo tempo que aumentou-se a produção de leite por vaca, a pecuária leiteira também tem experimentado um crescimento no número de cabeças por rebanho. No Brasil tem sido observado nos últimos anos um crescimento dos rebanhos e o estabelecimento de outros novos com mais de 1000 vacas em ordenha (figura 2). O crescimento dos rebanhos faz com que as práticas mais elementares de manejo não se realizem corretamente. Um exemplo de erros de manejo, devido ao tamanho do rebanho, é durante a administração de hormônios para a sincronização da ovulação e inseminação a tempo fixo. O manejo de lotes grandes faz com que algumas vacas recebam uma injeção errada e em outros casos (não raros) que algumas vacas recebam PGF2α quando estão prenhes. O tamanho do rebanho provoca outros tipos de problemas associados ao manejo geral. Ao ser o rebanho maior e ao ter práticas de manejo mais intensivo (rebanhos com três ordenhas), os trabalhadores perdem mais facilmente o controle das vacas. Por outro lado, o confinamento em grandes grupos também pode afetar a fertilidade, já que se sabe, por exemplo, que o confinamento está associado à incidência de diferentes condições que afetam a reprodução (exemplo: retenção da placenta e infecções uterinas). Figura 2: O problema da fertilidade se agravou nos últimos anos devido ao crescimento dos rebanhos leiteiros. Arquivo pessoal do autor. 2.3 Início da atividade ovariana pós-parto O intervalo do parto para a primeira ovulação foi associado com a fertilidade. Assim, as vacas que ovulam rápido após o parto, têm mais ciclos estrais antes da primeira inseminação, o que as torna mais férteis que as vacas que têm menos ciclos estrais. O tempo médio do parto à primeira ovulação aumentou nos últimos 40 anos; assim, em 1964 era de 30 dias e atualmente é de 40 dias. O intervalo do parto para a primeira ovulação é afetado principalmente por alterações metabólicas que ocorrem durante o período de transição. Observou-se que a perda de condição corporal superior a 1 ponto (escala 1 a 5) durante as quatro primeiras semanas pós- -parto, prolonga o período do parto até à primeira ovulação. 2.4 Número de serviços No passado, a baixa fertilidade era uma condição que se limitava às vacas repetidoras (vacas com mais de três serviços inférteis), atualmente, sabe-se que este problema é crítico desde o primeiro serviço, no qual, com frequência, a porcentagem de concepção não é superior a 30%. Nos atuais rebanhos leiteiros é frequente que as vacas do terceiro e quarto serviço tenham uma porcentagem de concepção maior do que o primeiro e o segundo serviço. O efeito do número de serviços indica que algumas causas de infertilidade nas vacas leiteiras estão relacionadas com a proximidade do período pós-parto, desta forma ao acumular mais dias em leite observa-se uma melhoria na fertilidade. As vacas nos primeiros dois serviços estão mais expostas a fatores que podem conduzir a uma concepção deficiente, tais como o balanço energético negativo ou qualquer problema relacionado com o puerpério; enquanto as vacas com três ou mais serviços estão mais distantes de serem influenciadas por tais fatores. Há evidência de que o balanço energético negativo afeta a função do corpo lúteo do segundo e terceiro ciclos pós-parto e diminui o potencial dos ovócitos para desenvolver embriões viáveis (tabela 3 e figura 3). Tabela 3: Porcentagem de concepção por número de serviços em vacas leiteiras Número de serviços Vacas inseminadas Vacas gestantes % de concepção 1 3154 943 30b 2 2037 633 31b 3 1278 464 36c ≥ 4 1738 615 35c b, c - valores que não compartilham a mesma literal, são diferentes (P<0,05). Fonte: TIXI et al., 2009. Figura 3: A porcentagem de conceção é aumentada à medida que transcorrem os dias pós-parto. Este fenômeno se deve a que com o passar dos dias após o parto a vaca se afasta das patologias do puerpério, já que com as ondas foliculares vão sendo eliminados os folículos e ovócitos afetados pelo balanço negativo de energia e começam a desenvolver outros com maior potencial para desenvolver embriões saudáveis. Elaborado pelo autor. 2.5 Concentrações séricas de progesterona As causas da baixa fertilidade na vaca leiteira são de natureza diversa; entretanto, muitas delas estão relacionadas com a alta produção de leite e com concentrações séricas baixas de progesterona. As vacas leiteiras têm níveis subnormais de progesterona sérica devido à elevada taxa de eliminação hepática determinada pelo elevado consumo de matéria seca (tabela 4; figuras 4 e 5). Foi demonstrado que as vacas em lactação têm concentrações séricas de progesterona inferiores às das novilhas ou às vacas que não estão em lactação. As baixas concentrações de progesterona têm sido relacionadas com anormalidades do desenvolvimento embrionário precoce e com menor secreção de IFN-τ mas, o efeito da progesterona na fertilidade não se limita à influência que este hormônio possui no desenvolvimento embrionário, mas também está associada com alterações na dinâmica folicular. As vacas com níveis subnormais de progesterona sérica ovulam folículos que têm mais dias de dominação que vacas com níveis normais de progesterona. Sabe-se que os folículos com mais dias de domínio liberam ovócitos com menor potencial para desenvolver um embrião saudável. Além disso, as vacas que têm uma fase lútea com níveis elevados de progesterona pré-inseminação tendem a ser mais férteis do que vacas com níveis mais baixos. Figura 4: Uma das principais causas da falha na concepção é o baixo nível de progesterona sérica, o qual deve-se à disfunção do corpo e à rápida eliminação da progesterona no fígado. Arquivo pessoal do autor. A participação relativa das concentrações subnormais de progesterona sérica, como causa de infertilidade, é maior nas vacas de primeiro serviço que nas vacas de maior serviço, devido que as de primeiro serviço estão mais próximas do balanço energético negativo e do pico de lactação. Tabela 4: Diferenças de algumas características reprodutivas entre vacas em lactação e novilhas Características reprodutivas Vacas em lactação Novilhas Duração do estro (h) 8,7 13,8 Dupla ovulação (%) 20 1 Partos gêmeos (%) 8 1 Porcentagem de concepção 30 - 35 65 - 70 Perdas gestacionais (%) 20 5 Tamanho do folículo ovulatório (mm) 18,5 14,9 Concentração máxima de estradiol (pg/ml) 7,9 11,3 Volume do corpo lúteo (mm3) 11,1 7,3 Concentração máxima de progesterona (ng/ml) 5,6 7,3 Fonte: WILTBANK et al., 2006. Figura 5: O elevado consumo de matéria seca na vaca leiteira provoca um aumento do fluxo hepático, acelerando assim a eliminação dos hormônios esteroides. Elaborado pelo autor. 2.6 Nutrição Independentemente do efeito das alterações metabólicas causadas pelo balanço energético negativo, as dietas oferecidas às vacas de alta produção também podem afetar a fertilidade. Um consumo excessivo de proteína degradável (>18%) e uma deficiência relativa de carboidratos provoca um aumento de amoníaco no rúmen. Este composto é absorvido pela parede ruminal e no fígado é convertido em ureia. Outra fonte de ureia é a gerada no fígado durante o processo de catabolismo dos aminoácidos. Assim, as vacas alimentadas com altos níveis de proteína degradável têm altas concentrações de ureia no sangue, que diminui o potencial dos ovócitos para desenvolver embriões saudáveis e afeta a viabilidade embrionária. Fornecer todos os nutrimentos às vacas com altos níveis de produção obriga a oferecer dietas altas em energia (dietas energéticas), baseadas em grãos como o milho. Desta forma, ocorre frequentemente acidose ruminal subclínica, o qual também está associada com a baixa fertilidade. A associação entre acidose e fertilidade não é clara, mas pode ser determinada por absorção de endotoxinas e liberação de prostaglandinas. A semente e caroço de algodão são usados em dietas de vacas em sistemas intensivos de produção. Esta semente/caroço, além de ser uma excelente fonte de energia, proteína e fibra, contém altas concentrações de gossipol. Esta substância é altamente tóxica em espécies monogástricas, no entanto, os ruminantes são relativamente resistentes ao gossipol, uma vez que este pigmento é inativado pelos microrganismos do rúmen. A quantidade de semente de algodão contida nas dietas comuns oferecidas às vacas leiteiras (10% da matéria seca) provocam concentrações de gossipol no plasma dentro da margem de segurança (< 5 μg/ml). No entanto, a utilização de maiores quantidades de sementes de algodão ou a utilização de variedades com maior conteúdo deste pigmento, geram concentrações plasmáticas de gossipol superior a > 5 μg/ml, que diminuem a porcentagem de concepção. Observações em gados leiteiros na Califórnia, com dietas que continham sementes de algodão com maior teor de gossipol, mostraram uma diminuição significativa da fertilidade. 2.7 Estresse calórico O gado leiteiro é altamente sensível às altas temperaturas, a prova disso é a redução da fertilidade quando os animais se encontram em climas quentes ou durante a época do ano com maior temperatura. A porcentagem de concepção chega a cair de 30% obtido nos meses temperados ou frios, para 10 ou 15% durante o verão. Os efeitos do estresse calórico na reprodução do gado leiteiro aumentaram nos últimos anos, o que coincidiu com o aumento da produção de leite. Verificou-se que o aumento do peso vivo das vacas leiteiras e o aumento na produção de leite refletiu em um aumento da produção de calor metabólico. Desta forma, as vacas com maiores pesos e produções têm um aparelho digestivo com maior capacidade, o que lhes permite consumir e digerir mais alimento. Durante o metabolismo dos nutrientes gera-se calor, o qual contribui com a manutenção da temperatura corporal, condição favorável em climas frios; no entanto, em climas quentes o calor deve ser removido para manter a temperatura corporal dentro dos intervalos normais. Como a capacidade de termorregulação da vaca leiteira é limitada, é comum que, nas vacas sujeitas a estresse calórico, a temperatura corporal alcance valores entre 39,5 e 41,5 °C (figura 6), lembrando que a temperatura corporal normal dos bovinos é de 37,5 a 38,5 ºC em adultos e de 38,5 a 39,5 ºC em animais jovens. Figura 6: Vacas com estresse calórico. Nestas vacas é frequente que a temperatura corporal chegue a 41,5 ºC. Medidas de ventilação e bem-estar devem ser tomadas para prevenir. Observe a respiração ofegante a fim de dissipar o calor interno. Arquivo pessoal do autor. O aumento da temperatura corporal tem efeitos negativos na reprodução. No Brasil há regiões onde é evidente o efeito negativo do estresse calórico na fertilidade; assim, em regiões muito quentes e de clima com caráter árido ou semiárido é observada uma redução da porcen- tagem de concepção nos meses quentes e secos do ano. Em outras regiões do centro-sul do país, ainda não é observada visualmente uma redução da fertilidade nos meses quentes e secos; contudo, dado que as vacas apresentam uma tendência ascendente na produção de leite e, consequentemente, na geração de calor, além do aumento da temperatura ambiental é possível que nos próximos anos comece a ser observado este fenômeno. Uma redução da fertilidade durante o verão já é observada e relatada em regiões dos Estado Unidos e Canadá, onde até alguns anos atrás não era evidente esse efeito. Em condições in vivo, o estresse calórico, durante os dias um a sete após o estro, afeta o desenvolvimento embrionário em vacas superovuladas. In vitro, a exposição dos embriões a temperaturas equivalentes à temperatura retal das vacas, sob estresse calórico (41 °C), diminui a proporção de embriões que chegam ao estágio de blastocisto. A suscetibilidade dos embriões ao estresse calórico diminui conforme estes avançam em seu desenvolvimento. Assim, os embriões de duas células são mais suscetíveis do que os embriões no estágio de mórula. Também, o estresse calórico diminui a capacidade dos embriões para produzir IFN-τ. O efeito do estresse calórico na fertilidade não é apenas observado durante os meses mais quentes, mas também é evidente um efeito a longo prazo (efeito residual), uma vez que as vacas submetidas ao estresse calórico durante o verão mantêm baixa fertilidade durante o outono. Este efeito pode ser explicado pelo efeito negativo das altas temperaturas nos ovócitos durante as diferentes etapas do desenvolvimento folicular (figura 7). Figura 7: O estresse calórico tem efeito a longo prazo (efeito residual); assim, as vacas sujeitas a estresse calórico durante o verão também mostram baixa fertilidade na primeira metade do outono. Este efeito pode ser explicado pelo efeito negativo das altas temperaturas nos ovócitos, durante as diferentes etapas do desenvolvimento folicular. Elaborado pelo autor. O estresse calórico pode afetar a reprodução indiretamente através das alterações que provoca no consumo voluntário. As vacas sob estresse calórico reduzem o consumo de matéria seca o que torna o balanço energético negativo mais agudo. Assim, os efeitos do estresse calórico na reprodução combinam-se com os efeitos do balanço energético negativo. Por exemplo, o anestro pós-parto se prolonga em vacas com balanço energético negativo e se agrava durante o verão, resultando em um período anovulatório mais longo (figura 8). Figura 8: Diferentes efeitos do estresse calórico na reprodução das vacas leiteiras. Fonte: Adaptação de DE RENSIS & SCARAMUZZI, 2003. 2.8 Estratégias para diminuir o efeito do estresse calórico na fertilidade 2.8.1 Sombreamento A diminuição da exposição à radiação solar direta usando sombreamento é o método mais simples. Existem vários projetos de sombreamento, mas o que sempre deve ser considerado é uma boa altura, por exemplo do telhado em relação ao solo, para que o ar flua, boa orientação, para que o sol incida no piso, e deve oferecer espaço suficiente para todos os animais (figura 9). O benefício do sombreamento, seja natural ou artificial, na reprodução tem sido demonstrado em diversos estudos; no entanto, as sombras só diminuem os efeitos do estresse calórico em condições de temperatura e umidade não extremas (por exemplo, em climas temperados ou em regiões com baixa umidade relativa). Figura 9: Currais com sombreamento artificial, ótima opção para regiões áridas e/ou semiáridas do país. Arquivo pessoal do autor. 2.8.2 Ventilação forçada O movimento do ar favorece a perda de calor por convecção e em condições de baixa umidade ambiental, permite a eliminação de calor por evaporação (figura 10, 11 e 12). Figura 10: Currais com ventiladores instalados no teto (ventilação forçada). Arquivo pessoal do autor. Figura 11: Currais com ventiladores instalados no teto (ventilação forçada). Arquivo pessoal do autor. Figura 12: Currais com ventiladores instalados no teto (ventilação forçada). Arquivo pessoal do autor. 2.8.3 Refrescamento/banhos em tanques Este método consiste na construção de tanques, para que as vacas permaneçam em imersão durante curtos períodos (figura 13 e 14). É um método eficaz para que as vacas percam calor nas horas mais quentes do dia, mas é pouco prático já que as vacas devem se mover de seus alojamentos. É mais empregado em regiões de intenso calor dos Estados Unidos com ótimos índices de bem-estar para as vacas e viabilidade tanto para a fertilidade quanto para a financeira. A questão do deslocamento dos animais está relacionada ao manejo. Figura 13: Tanques de refrescamento no Norte da Flórida, Estados Unidos. Arquivo pessoal do autor. Figura 14: Tanques de refrescamento no Norte da Flórida, Estados Unidos. Arquivo pessoal do autor. 2.8.4 Refrescamento com umidade/aspersão de água e ventilação forçada As aspersões de água para umedecimento só favorecem a perda de calor quando a umidade relativa é baixa. Em condições com umidade relativa elevada, deve-se combinar o umedecimento com a ventilação forçada. Existem duas possibilidades para combinar estas técnicas: a primeira consiste na utilização de um sistema que gera pequenas gotas (nebulizadores) que, quando evaporadas, arrefecem o ar permitindo a eliminação de calor por convecção (perda de calor por diferença de temperatura entre a superfície do animal e do ar); este sistema é mais eficaz quando se introduz uma corrente de ar fresco (figura 15). A segunda consiste na aspersão de água para umedecer a pele, combinada com ventilação forçada. Este sistema pode ser usado nos alojamentos e na área de espera da sala de ordenha (figura 16). Figura 15: Instalações com refrescamento por aspersão e ventilação forçada em condições semiáridas. Arquivo pessoal do autor. A utilização de sistemas de arrefecimento conseguiu reduzir parcialmente os efeitos negativos do estresse calórico na reprodução, mas a fertilidade continua a ser inferior comparada à dos meses frescos do ano. Foram, portanto, exploradas outras estratégias dentro das quais se destaca a utilização de substâncias antioxidantes. Existe evidência de que administrar antioxidantes às vacas leiteiras pode aumentar as porcentagens de concepção; provavelmente, ao reduzir as concentrações de radicais livres que aumentam a nível celular como consequência das altas temperaturas. Por outro lado, dado que o estresse calórico afeta o embrião durante os primeiros dias de desenvolvimento (primeiros 4 dias), foi-se efetuada uma avaliação da transferência de embriões produzidos na época fresca do ano ou produzidos in vitro com resultados encorajadores, mas esta estratégia ainda tem limitações técnicas e econômicas que impedem a sua aplicação rotineira. Figura 16: Arrefecimento com aspersão e ventilação forçada no espaço ou sala de espera da ordenha em condições semiáridas. Arquivo pessoal do autor. 2.9 Estresse oxidativo Cerca de 2% do oxigênio utilizado no metabolismo animal é convertido em espécies reativas de oxigênio entre as quais encontram os íons de oxigênio, os radicais livres e os peróxidos. Estas moléculas são removidas por vários sistemas bioquímicos presentes nas células e nos fluidos extracelulares, conhecidos como antioxidantes. A produção excessiva de moléculas oxidantes e a deficiência de substâncias antioxidantes leva à sua acumulação e dano celular, o que é conhecido como estresse oxidante. A acumulação de espécies reativas de oxigênio pode ser uma causa de baixa eficiência reprodutiva, porque eles podem afetar a síntese de hormônios esteroides, taxa de fertilização e desenvolvimento precoce do embrião. Dentro dos sistemas antioxidantes estão o selênio, vitamina E e β-carotenos. No entanto, estes antioxidantes estão presentes nas dietas dos bovinos, porém a sua administração exógena intramuscular melhora o desempenho reprodutivo. As vacas leiteiras altas produtoras necessitam de maiores quantidades de substâncias antioxidantes, porque o seu metabolismo oxidativo é maior dado ao elevado consumo de energia metabolizável. Em testes de campo com vacas leiteiras, a complementação com selênio e vitamina E, antes e depois do parto, diminuiu as patologias do puerpério e melhorou a fertilidade; além disso, a sua administração em vacas superovuladas melhora a qualidade embrionária. Além disso, a inclusão de β-carotenos na dieta melhora a fertilidade em vacas sob estresse calórico. 2.10 Momento e técnica da inseminação artificial Em 1948, Trimberger recomendou o esquema de inseminação artificial am-pm e pm-am, o que significa que as fêmeas observadas em estro na parte da manhã são inseminadas na parte da tarde e as da tarde são inseminadas na manhã seguinte. Este horário de inseminação é utilizado desde então; no entanto, nas condições atuais não é o ideal. A inseminação deve ser realizada durante o período de receptividade sexual, que dura de 8 a 18 horas. A ovulação ocorre de 28 a 30 horas após o início do estro e o ovócito tem uma vida de 8 a 10 horas. Por outro lado, os espermatozoides têm uma viabilidade de 24 a 36 horas e para que alcancem a maior capacidade de fertilização, devem permanecer, pelo menos, seis horas na região do istmo, antes da ovulação para se capacitarem. De tal modo que o depósito do sêmen, 12 horas após o início do estro, assegura o encontro de um espermatozoide com capacidade fertilizante e um ovócito com o máximo potencial para desenvolver um embrião saudável. No entanto, devido às graves deficiências que existem na detecção de estros, não se sabe se as vacas detectadas no cio encontram-se nas primeiras ou nas últimas horas do estro. No primeiro caso, se as vacas forem inseminadas 12 horas depois, estariam no momento ideal, mas no segundo caso, adiar 12 horas a inseminação tem consequências negativas sobre a fertilidade, uma vez que aumenta a probabilidade de fertilização de ovócitos velhos, resultando em morte embrionária precoce. Nestes casos é aconselhável inseminar no turno imediato à detecção do estro e evitar que transcorram 12 horas. A boa eficiência na detecção de estros permite inseminar no esquema am-pm e pm-am, ou inclusive em um único turno de inseminação pela manhã (10:00), com bons resultados em concepção (figura 17). Outro erro consiste em inseminar as vacas quando não apresentam estro. A determina- ção das concentrações de progesterona sérica no momento do serviço indica que de 5 a 20% das vacas têm concentrações de progesterona > 1 ng/ml, o que indica que não estão em estro. Figura 17: Com a penetração do espermatozoide ativa-se o mecanismo de bloqueio da polispermia. Este mecanismo consiste na liberação de substâncias contidas nos grânulos corticais, que evitam a penetração de mais espermatozoides (A e B). O bloqueio da polispermia é menos eficaz à medida que o óvulo envelhece, de tal forma que, após 10 horas de liberação, este mecanismo falha. A consequência da polispermia é a morte embrionária precoce, devido a alterações de natureza genética (C). Elaborado pelo autor. Os programas de inseminação a tempo fixo têm o risco de que se podem inseminar vacas em anestro. Por outro lado, em alguns rebanhos leiteiros toma-se, como único critério para a inseminação, o desaparecimento da pintura (marcador) da garupa, o que provoca que cerca de 10% das vacas retornem em estro nos próximos 15 dias. A taxa de fertilização indicada para o gado leiteiro foi obtida em observações experimentais, nas quais foram controlados diversos fatores que não podem ser controlados nos rebanhos comerciais, o que obriga a perguntar-se se realmente a falha na fertilização contribui apenas com 10 a 20% das falhas reprodutivas; é provável que uma proporção maior dos fracassos na concepção são devidos à baixa taxa de ovócitos fertilizados. Por outra parte, as causas da falha na fertilização também estão relacionadas com deficiências no manejo da técnica de inseminação. Não é raro que o manejo da inseminação seja deficiente e que, frequentemente, o nível de nitrogênio diminua abaixo do nível de segurança. Também é comum verificar que as doses são descongeladas sem seguir o protoco- lo e que o sêmen é depositado na vagina ou no colo do útero (figuras 18, 19 e 20). 2.11 Condição corporal e fertilidade A qualificação visual da condição corporal no gado leiteiro permite estimar a porcentagem de gordura corporal. As mudanças na condição corporal estão positivamente correlacionadas com as concentrações séricas de insulina, IGF-I e leptina. Estes hormônios agem como sinais que chegam ao hipotálamo e modificam a frequência de secreção do GnRH. Também se sabe que a insulina e o IGF-I estimulam o desenvolvimento folicular, a maturação do ovócito e o desenvolvimento embrionário (figura 21). Figura 18: Frequentemente, os problemas de fertilidade têm origem na técnica de inseminação. O trabalho dos inseminadores deve ser supervisionado regularmente. Arquivo pessoal do autor. Figura 19: Os técnicos inseminadores devem ser retreinados com frequência. Arquivo pessoal do autor. Figura 20: O sêmen deve ser depositado no corpo do útero. Arquivo pessoal do autor. Figura 21: A perda de condição corporal nos 30 dias pós-inseminação diminui a taxa de concepção. Arquivo pessoal do autor. As vacas que ganham ou mantêm a mesma condição corporal, entre o dia da inseminação e o dia 30 depois do serviço, são mais férteis que as vacas que perdem condição corporal (tabela 5). Tabela 5: Porcentagem de concepção de vacas que ganharam, mantiveram ou perderam condição corporal nos seguintes 30 dias pós-inseminação Ganharam Mantiveram Perderam % 62,1 56,6 25,1 Nº de observações (154/248) (43/76) (122/486) Fonte: URZÚA et al., 2009. 2.12 Mastite Na vaca, a mastite não só provoca perdas econômicas pelo custo dos tratamentos, eliminação do leite, diminuição da produção e qualidade do leite e aumento da taxa de resíduos, mas também pelo efeito que tem na fertilidade. Existem diferentes estudos que demonstraram uma correlação negativa entre a mastite e a fertilidade. Assim, as vacas que tiveram mastite clínica antes do primeiro serviço, e entre o primeiro serviço e o diagnóstico de gestação foram menos férteis do que as vacas que não sofreram mastite. Da mesma forma, as vacas com mastite clínica, entre a inseminação e o diagnóstico de gestação, tiveram maior risco de perder a gestação. O mecanismo pelo qual a mastite clínica afeta a fertilidade é desconhecido, no entanto, são propostos diferentes possibilidades. O aumento da temperatura corporal secundária à mastite pode afetar a maturação dos ovócitos e o desenvolvimento embrionário, tal como ocorre em vacas expostas a estresse calórico; as substâncias produzidas pelas células durante o processo inflamatório afetam a maturação dos ovócitos e diminuem a proporção de embriões que chegam à etapa de blastocisto; as citocinas promovem a liberação de cortisol, o qual afeta a secreção do LH; A PGF2α (liberada durante o processo infeccioso) pode causar luteólise, o que pode explicar a maior incidência de abortos em vacas com mastite. A diminuição da fertilidade é observada não só nas vacas que sofrem de mastite clínica, mas também naquelas que apresentam a forma subclínica. As vacas que sofreram mastite subclínica antes da inseminação tiveram maior risco de perder a gestação entre os dias 28 a 45. Além disso, a mastite subclínica afeta a síntese de estradiol nos folículos e o intervalo do estro à ovulação, o que poderia ocasionar uma assimetria entre a inseminação e o momento da ovulação. 2.13 Endometrite Entre 20 a 30% das vacas sofrem de endometrite subclínica. As vacas com este problema mostram menor fertilidade do que as vacas saudáveis. Provavelmente, as mudanças no endométrio causadas pelo processo inflamatório afetam a viabilidade embrionária. 2.14 Dinâmica folicular pré-serviço e pós-serviço A sobrevivência embrionária também está associada com a dinâmica folicular, antes e depois do serviço. A fertilidade é maior nas vacas que apresentam três ondas foliculares antes do serviço do que naquelas que têm duas. Em outras palavras, a fertilidade é maior nas vacas que ovulam folículos da terceira onda do que da segunda onda. Isto ocorre porque os folículos ovulatórios das vacas com duas ondas têm mais dias de dominação do que os de três ondas, o que afeta o potencial dos ovócitos para desenvolver um embrião viável (figuras 22 e 23). Da mesma forma, o número de ondas foliculares após o serviço também influencia a fertilidade, de tal forma que as vacas que apresentam três ondas foliculares têm uma fase lútea mais longa e são mais férteis do que as de duas ondas. Figura 22: A porcentagem de concepção é maior quando a vaca tem um ciclo estral pré-serviço com três ondas foliculares do que quando tem duas ondas. Isto obedece a que os folículos ovulatórios das vacas com duas ondas têm mais dias de dominação do que os de três ondas, o que afeta o potencial dos ovócitos para desenvolver um embrião viável. Esta figura mostra uma vaca com três ondas foliculares que ovula um folículo que teve quatro dias de dominação. Elaborado pelo autor. Figura 23: Esta figura mostra uma vaca com duas ondas foliculares no ciclo estral pré-serviço, que ovula um folículo que teve sete dias de dominação. A porcentagem de concepção será menor nestas vacas do que naquelas com três ondas foliculares no ciclo anterior. Elaborado pelo autor. 2.15 Número de folículos antrais: indicador da fertilidade nas vacas Durante o ciclo estral, o número de folículos antrais (>3 mm de diâmetro) varia amplamente entre as vacas; em uma onda folicular pode flutuar de 5 a 50, em ambos os ovários. Esta característica é repetível na mesma vaca, e está correlacionada positivamente com o número total de folículos viáveis e com a fertilidade. Em observações feitas em vacas leiteiras pós-parto verificou-se que o número de folículos antrais presentes na primeira onda folicular está correlacionado positivamente com a fertilidade, de tal forma que as vacas com mais folículos antrais tiveram maior porcentagem de conceção, menos dias abertos e menos serviços por concepção do que vacas com poucos folículos. Além disso, as concentrações séricas de progesterona são mais elevadas nas vacas que têm mais folículos antrais do que aquelas que têm menos folículos. Em outras observações com vacas superovuladas foi-se correlacionado positivamente o número de folículos antrais anteriores ao tratamento com FSH com o número de ovulações e de embriões transferíveis. A causa da variação na oferta de folículos antrais não é conhecida, mas propõe-se que têm origem desde o desenvolvimento embrionário; assim, pode-se dever a diferenças na proliferação das ovogônias ou à variação na taxa de atresia dos folículos primordiais. O ambiente materno durante a fase embrionária e fetal não só é determinante para que nasça um bezerro viável, mas também tem efeitos a longo prazo na progênie. No ser humano, o ambiente fetal determina o risco de doenças na vida adulta, tais como problemas cardiovasculares, obesidade e diabetes. Na vaca tem sido observado que a má nutrição durante a vida fetal determina o número de folículos antrais. Além disso, a coincidência do desenvol- vimento embrionário com a fase mais crítica do estresse lactacional está associada com características da bezerra na vida adulta, como sobrevivência, produção de leite e número de células somáticas. O manejo reprodutivo na vaca leiteira tem como meta que a vaca tenha um intervalo entre partos de 385 dias, o que significa que a vaca deve ficar gestante na etapa mais crítica de sua vida: isto é durante o pico de lactação e quando ainda se encontra em balanço negativo de energia. Desta forma, o desenvolvimento do folículo ovulatório, ovulação, fertilização, desenvolvimento embrionário e desenvolvimento fetal precoce, ocorrem quando a vaca tem maiores carências. Tomando a informação referida em conjunto, é possível que as bezerras que tiveram seu desenvolvimento embrionário e fetal, no período mais crítico da vaca, sejam animais com baixa fertilidade na sua vida adulta. 2.16 Anormalidades do aparelho reprodutor A falha na concepção também se deve a anomalias congênitas e adquiridas do aparelho reprodutor. Embora as anormalidades congênitas nas vacas adultas sejam raras, elas devem ser sempre consideradas na revisão de vacas inférteis. O cérvix duplo é uma anormalidade de desenvolvimento devido a um falha na fusão dos condutos de Müller. O duplo cérvix pode ser completo, no qual cada conduto comunica-se com o seu respectivo corno uterino, ou parcial, onde os orifícios externos se comunicam com um único canal cervical. É uma condição pouco frequente e raramente interfere com a fertilidade, embora quando se apresenta na forma completa pode afetá-la sempre que se insemina do lado oposto do ovário que contém o folículo ovulatório. Na literatura é reportado casos de distocia devido a esta anormalidade (figura 24). A aplasia segmentar também é uma anormalidade rara, caracterizada pela falta de desenvolvimento de um corno uterino. Se a ovulação ocorre do lado onde está o corno uterino completo, a vaca pode ficar gestante e parir sem complicações, mas quando a ovulação ocorre do lado da aplasia, a concepção fracassa e a vaca apresenta anestro, já que não tem o corno uterino a PGF2α não atinge o ovário com um padrão luteolítico (figura 25). Figura 24: Duplo cérvix completo em uma vaca leiteira. Arquivo pessoal do autor. Figura 25: Aplasia segmentar. Se a ovulação ocorrer do lado onde está o corno uterino saudável a vaca pode ficar gestante, mas quando a ovulação ocorre do lado da aplasia, a concepção falha e a vaca apresenta anestro. Arquivo pessoal do autor. As anomalias do aparelho reprodutor são frequentes nas vacas leiteiras adultas e causam infertilidade e eliminação das vacas do rebanho. Dentro destas patologias destacam-se salpingite e aderências ováricas. A salpingite é a inflamação do oviduto e pode ser unilateral ou bilateral. Quando é unilateral a vaca pode ficar gestante se a ovulação ocorre do lado saudável, mas quando é bilateral, ocasiona esterilidade. A causa da salpingite está relacionada com a injeção de estrogênio em vacas com infecções pós-parto. Observam-se variantes da salpingite como piossalpinge, caracterizada pela dilatação do oviduto por acumulação de exsudado purulento, e hidrossalpinge, caracterizada por acumulação de líquido (figuras 26 e 27). As aderências ováricas são consequência de processos inflamatórios geralmente provocados por infecções ascendentes. O ovário pode ficar preso ao oviduto ou à bolsa ovárica, o que interfere com a ovulação e com o transporte do ovócito. Assim como a salpingite, se a afetação for unilateral, a vaca pode eventualmente ficar gestante, mas quando é bilateral a vaca fica estéril (figura 28). Figura 26: Algumas infecções uterinas chegam a encapsular-se e formam-se abcessos. Esta patologia pode ocasionar infertilidade. Arquivo pessoal do autor. Figura 27: Inflamação do oviduto. A causa desta patologia está relacionada com a injeção de estrogênios em vacas com infecções pós-parto. Arquivo pessoal do autor. Figura 28: As aderências ováricas são consequência de processos inflamatórios geralmente provoca- dos por infecções ascendentes. Arquivo pessoal do autor. 3. TRATAMENTOS HORMONAIS PARA MELHORAR A PORCENTAGEM/TAXA DE CONCEPÇÃO Existem diversos tratamentos para melhorar a porcentagem de concepção, que têm como objetivo principal diminuir a mortalidade embrionária; no entanto, devido ao fato de a etiologia da morte embrionária ser diversa, os resultados são pouco consistentes e na maioria dos casos em que se observa efeito favorável, este é cerca de 10% (figura 29). Figura 29: Os tratamentos para melhorar a porcentagem de concepção estão orientados a diminuir os efeitos negativos dos fatores que provocam a morte embrionária durante os primeiros 16 dias pós-inseminação. Elaborado pelo autor. 3.1 Progesterona Foram desenvolvidos tratamentos para aumentar o nível sérico de progesterona. Assim, a progesterona foi administrada em dispositivos intravaginais o que induz um corpo lúteo acessório através de uma injeção de hCG no dia cinco após o estro. No primeiro, os resultados foram variáveis, enquanto no segundo caso obteve-se um aumento consistente da fertilidade, particularmente nas vacas de primeiro serviço. 3.2 hCG no quinto dia pós-inseminação Para além do aumento do nível sérico de progesterona nas vacas tratadas com hCG no dia 5, a luteinização do folículo dominante no dia 5, com hCG, faz com que uma elevada proporção das vacas apresente três ondas foliculares e uma fase lútea mais longa. De tal forma que o aumento da porcentagem de concepção pode ser promovido pelo aumento da progesterona sérica e pela modificação da dinâmica folicular. Independentemente do mecanismo de ação do hCG, esta é uma opção eficaz para melhorar a fertilidade das vacas leiteiras (figura 30 e tabela 6). Figura 30: A injeção de hCG no dia 5 pós-inseminação tem como propósito provocar a ovulação do folículo dominante e a formação de um corpo lúteo acessório. Elaborado pelo autor. Tabela 6: Porcentagem de concepção no 30º dia em vacas de primeiro serviço tratadas com hCG no 5º dia Estudo Tratamento Porcentagem de concepção SANTOS et al., 2001 hCG 45,8a Controle 38,7b URZÚA et al., 2009 hCG 55,9a Controle 41,0b a, b Diferença literal na mesma coluna indica diferença estatística (P < 0,05). 3.3 GnRH ou hCG no momento da inseminação Esta forma de enfrentar a falha na concepção se fundamenta no conhecimento de que estes hormônios sincronizam a ovulação com o momento da inseminação, bem como previ- nem problemas de ovulação retardada e melhoraram o desenvolvimento do corpo lúteo. No entanto, a fertilidade obtida com estes tratamentos é variável entre estudos. 3.4 GnRH ou hCG nos dias 12 a 14 pós-inseminação Foi proposto que um dos fatores que contribui com a falha na concepção é a incapaci- dade do embrião para evitar a regressão do corpo lúteo. Desta forma, a inibição da cascata da secreção da PGF2α poderia melhorar as porcentagens de concepção, já que ao embrião se daria mais tempo para alcançar o estado ótimo de desenvolvimento, que lhe permita estabelecer eficazmente o mecanismo de reconhecimento materno da gestação. Este é o princípio dos tratamentos com GnRH ou hCG entre 12 e 14 dias pós-inseminação, que provoca a ovulação ou a luteinização dos folículos, que resulta na diminuição das concentrações séricas de estradiol. Na prática, foram avaliados tratamentos com GnRH ou hCG nos dias 12 a 14; no entanto, os resultados em fertilidade também são variáveis. 3.5 Hormônio bovino do crescimento (bGH) ou somatotropina bovina (bST) No gado leiteiro é comum o uso da bST para aumentar a produção de leite. A utilização deste hormônio em forma periódica aumenta de 10 a 20% a produção láctea. Alguns dos efeitos da bST na produção de leite obedecem à ação direta deste hormônio. No entanto, o maior efeito é provocado pelo IGF-I, que aumenta em resposta ao tratamento com bST. A bST e o IGF-I também desempenham funções importantes no controle da reprodução. Os dois hormônios, participam na regulação do desenvolvimento folicular, na função do corpo lúteo e, especialmente, nas primeiras etapas do desenvolvimento embrionário. Estudos in vitro e in vivo mostram efeitos favoráveis do IGF-I no desenvolvimento embrionário. O IGF-I evita o efeito negativo de algumas substâncias tóxicas para os embriões presentes no meio uterino. A aplicação de 500 mg de bST, no dia da inseminação, tem demonstrado eficácia para aumentar a porcentagem de concepção em vacas repetidoras e em vacas com mais de 100 dias em leite; em contraste, este tratamento não teve êxito nas vacas de primeiro serviço (tabelas 7 e 8). Tabela 7: Porcentagem de concepção de vacas repetidoras tratadas com 500 mg de bST no dia da inseminação Estudo Grupos n Porcentagem de concepção MORALES et al., 2001 bST 201 36a Controle 309 25b MENDOZA, 2000 bST 175 46a Controle 141 35b a, b P < 0,05. Tabela 8: Porcentagem de concepção de vacas de primeiro serviço tratadas com 500 mg de bST no dia da inseminação Estudo Grupos n Porcentagem de concepção MENDOZA, 2000 bST 195 39 Controle 167 35 RODRÍGUEZ et al., 2001 bST 185 36 Controle 250 35 BELL et al., 2001 bST 100 29 Controle 100 31 Não há diferença estatística entre grupos de cada estudo (P > 0,05). 4. MORTE FETAL Quando o embrião morre nos primeiros 18 dias de gestação, considera-se como morte embrionária precoce; nestes casos, apenas é observado que a vaca apresenta estro de 21 a 24 dias após a inseminação. Se o embrião morrer entre os dias 24 a 42 (antes da organogênese estar completa), considera-se morte embrionária tardia; nestas vacas ocorre a reabsorção intrauterina do embrião e só se observa um atraso do retorno ao estro. Se a morte do embrião ocorrer após o dia 45, é um caso de morte fetal. Quando os fetos morrem nos primeiros quatro meses é frequente passarem despercebidos, já que são muito pequenos e se perdem nos pisos dos currais, nestes casos observa-se que as vacas regressam ao estro (figura 31). O aborto é definido como a expulsão uterina do feto antes do termo fisiológico da gestação. De 20 a 25% das vacas diagnosticadas gestantes, no dia 45 pós-inseminação, perdem a gestação nos seguintes meses. A principal causa de abortos é de natureza infecciosa e neste trabalho serão abordadas, de forma breve, quatro doenças que os causam (figura 32). Figura 31: Terminologia utilizada para as perdas de gestações na vaca. Elaborado pelo autor. Figura 32: De 20 a 25% das vacas diagnosticadas gestantes no dia 45 pós-inseminação, perdem a gestação nos meses seguintes. Acervo do autor. 4.1 Brucelose A brucelose bovina é uma doença causada por Brucella abortus. A Brucella abortus é uma bactéria intracelular que é transmitida pelo contato das mucosas com fetos abortados, placentas e com fluidos genitais eliminados após o aborto. Os fluidos uterinos pós-aborto contêm concentrações de bactérias superiores à dose infectante. Embora a bactéria possa estar nas instalações, a transmissão por este meio tem importância epizootiológica menor. Após o contágio, a bactéria é localizada nos nódulos linfáticos regionais, seguido de bacteremia e do estabelecimento da bactéria na placenta. A infecção em uma vaca suscetível provoca o aborto ou o nascimento de bezerros fracos. O aborto ocorre normalmente no terceiro trimestre da gestação; o feto apresenta autólise mínima e há retenção de placenta. A bactéria pode ser localizada no úbere e causar uma leve mastite, por sua vez, as crias podem ser contagiadas pelo consumo de leite de vacas infectadas. Embora o touro possa ser infectado, a transmissão venérea não é de importância epizootiológica. A vacinação é o instrumento mais importante de controle e erradicação da brucelose. As vacinas RB-51 e Cepa 19 são preparações eficazes para prevenir a doença; a desvantagem da Cepa 19 implica na realização de testes de diagnóstico adicionais para ser capaz de distinguir entre uma infecção natural ou uma resposta vacinal. Em 1996, a RB-51 começou a ser utilizada nos Estados Unidos devido à baixa prevalência da doença e a seriedade de seus programas de erradicação, uma vez que a utilização da RB-51 facilita a diferenciação dos animais doentes dos vacinados. A norma brasileira permite a utilização de ambas as vacinas, a sua escolha depende do programa que o veterinário aplicar. Os especialistas recomendam que em países com alta prevalência e com programas de controle marginais, como o Brasil, a vacina de escolha é a Cepa 19, porque proporciona proteção ligeiramente maior. É muito importante não suspender a vacinação só porque se alcançou uma prevalência baixa, a experiência demonstra que quando isso é feito há um ressurgimento da doença. O programa elementar de controle consiste na vacinação com RB-51 ou com Cepa 19 com dose completa em bezerras (RB-51 de 4 a 12 meses ou Cepa 19 de 3 a 6 meses de idade) e meia dose em vacas adultas (a correspondente RB-51 ou Cepa 19). Em regiões com prevalência maior que 10%, as bezerras vacinadas devem ser revacinadas com meia dose uma única vez, a partir dos 22 meses. A vacina não tem efeitos colaterais, embora alguns veterinários têm registrados uma diminuição da produção de leite e ocasionalmente abortos. Os machos não são vacinados porque não têm papel importante na transmissão da doença. A vacinação por si só não é suficiente para o controle da brucelose bovina, são necessárias outras disposições como a identificação e a separação dos animais positivos e medidas elementares de biossegurança. 4.2 Diarreia viral bovina (DVB ou BVD) A diarreia viral bovina (BVD) é uma doença causada por um pestivirus (RNA). Nos gados leiteiros, a prevalência sorológica flutua entre 40 e 90%; estima-se que cause perdas similares às provocadas pela mastite. De acordo com o efeito que o vírus tem em cultura de tecidos, são reconhecidos dois biotipos: citopático e não citopático. O vírus não citopático constitui 95% dos isolamentos em campo. Uma vez que o vírus da BVD sofre mutações frequentes, existem variações (cepas), o que determina a diferença no quadro clínico e o diferente grau de resposta imune às vacinas utilizadas. Os animais afetados mostram diarreia aguda, doença respiratória, imunossupressão, síndrome trombocitopênica, infecção persistente e infecções reprodutivas. As consequências das infecções reprodutivas dependem da fase reprodutiva em que ocorre a infecção. A BVD provoca inflamação ovariana, inflamação dos folículos, necrose das células granulosas e do corpo lúteo. Durante a onda folicular, diminui o tamanho e número de folículos recrutados, de tal forma que o resultado de infecção ovárica resulta em infertilidade. A infecção durante o desenvolvimento embrionário precoce provoca a morte do embrião. Em vacas soronegativas a infecção do feto no primeiro trimestre pode causar morte fetal, aborto, mumificação fetal e bezerros com tolerância imunológica ao vírus (animais persistentemente infectados). Se a infecção ocorrer no segundo trimestre, os bezerros nascem com defeitos congênitos (hipoplasia cerebelar) e se ocorrer no último trimestre, o feto pode ser infectado e nascer com anticorpos contra o vírus da BVD, os abortos nesta fase são raros. Os animais persistentemente infectados são a fonte mais importante de contágio da doença, já que estão eliminando constantemente o vírus. A maioria dos animais persistente- mente infectados morrem no primeiro ano de vida; no entanto, cerca de 10% atinge a idade adulta tornando-se disseminadores ativos do vírus. A identificação e eliminação destes animais é o primeiro passo para controlar a doença no rebanho. No entanto, as técnicas para este fim são complexas e de difícil acesso no Brasil. Nestas circunstâncias, a vacinação é a ferramenta mais prática para diminuir o impacto desta doença, uma vez que reduz as manifestações clínicas, além de prevenir ou diminuir infecções fetais e melhorar a qualidade do colostro. Tais práticas, juntamente com medidas rigorosas de biossegurança, permitem a atenuação do efeito deste vírus. 4.3 Neosporose A neosporose é uma doença causada por Neospora caninum (N. caninum). Este protozoário foi identificado pela primeira vez vez no cão em 1984 e cinco anos depois foi associado com um surto de abortos em um rebanho leiteiro no Novo México. Desde então, é considerado a causa mais importante de abortos em gado leiteiro. A doença foi diagnosticada pela primeira vez no Brasil em 1997, no estado de São Paulo, através do teste sorológico de IFI. A soroprevalência no Brasil é de 15%. O cão e alguns canídeos selvagens são hospedeiros definitivos enquanto a vaca é um hóspede intermediário. O cão é infectado por via oral e elimina cistos com capacidade infectante. Embora o cão seja potencialmente transmissor do parasita na vaca, a via de infecção relacionada com abortos é principalmente transplacentaria. Em estudos recentes foi identificado o protozoário no lúmen uterino e no ovário. Desta forma, a bezerra nasce infectada e quando atinge a idade reprodutiva e fica gestante, a infecção se reativa e afeta o feto. É possível que a imunossupressão das vacas gestantes, a nível uterino, favoreça o recrudescimento da infecção. Assim, os surtos de abortos se apresentariam mais pela reativação da infecção em vacas cronicamente infetadas, e menos por uma infecção recente transmitida por um cão. Os abortos ocorrem principalmente do terceiro ao nono mês, embora seja mais comum entre o quinto e o sexto. É frequente que os fetos infectados durante o último terço da gestação sobrevivam e se convertam em animais persistentemente infectados, o que garante a permanência da infecção no rebanho. Em vacas infectadas o risco do aborto é maior na primeira gestação do que nas seguintes. A vacinação contra N. caninum aumenta os títulos de anticorpos, o que diminui a reativação da infecção e, assim, reduz o risco de aborto. Nota-se que a vacinação não impede a transmissão transplacentária, pelo que a doença persistirá no rebanho. No entanto, já que a causa de surtos de abortos é pela reativação da infecção, uma medida de biossegurança é a expulsão de cães dentro do rebanho, com isso também é conseguido mitigar a incidência de abortos. 4.4 Leptospirose A leptospirose bovina compreende um grupo de doenças causadas por diversas sorovariedades de Leptospira interrogans; atualmente é uma das zoonoses mais frequentes a nível mundial. Existem sorovariedades adaptadas a hospedeiros (reservatórios) e não adaptadas (infecções acidentais), e as diferentes síndromes dependem do tipo de sorovarieda- de envolvida. A sorovariedade Hardjo tipo Hardjo-bovis, é a que possui a maior prevalência sorológica em rebanhos de bovinos leiteiros, frequentemente associadas a abortos e partos prematuros. As sorovariedades que causam infecções incidentais, associadas com abortos, são pomona, canicola, grippotyphosa, e bratislava. Na base do ciclo epizootiológico da leptospirose encontra-se o animal excretor renal, ou seja, os animais portadores crônicos da bactéria que eliminam esta, permanentemente, pela urina. A infecção é adquirida por contato das mucosas (conjuntival, nasal, vaginal e peniana) com urina, secreções genitais e leite de animais doentes, além de que também pode haver transmissão transplacentária. Alguns dos sinais da doença aguda são icterícia, hemoglobinú- ria, anemia, febre e mastite; no entanto, os abortos geralmente ocorrem sem sinais clínicos da doença. A infecção fetal pode resultar em aborto (gestações de quatro meses para o fim) e nascimento de bezerros fracos. Nota-se que os abortos provocados por sorovariedades adaptadas ocorrem de forma esporádica e são raros os casos de surtos rápidos de abortos; no entanto, as infecções acidentais podem provocar abortos com este padrão. Os fetos abortados mostram um grau avançado de autólise, estão ictéricos e edematosos. O diagnóstico da doença é estabelecido principalmente por sorologia. O isolamento da bactéria é complicado e impraticável. A interpretação dos resultados da sorologia deve ter em conta o estatuto de vacinação do rebanho, uma vez que é frequente nos rebanhos leiteiros serem aplicadas várias vacinas por ano contra diferentes sorovariedades de Leptospira, o que contribui, em todos os casos, com resultados positivos. Dentro das medidas de prevenção, a vacinação é a estratégia mais importante para reduzir a eliminação da bactéria pela urina, e para mitigar as perdas de gestação. Recomenda-se a vacinação em todos os animais jovens entre os cinco e os seis meses de idade e de seis em seis meses, a revacinação dos animais adultos. Alguns laboratórios desenvolveram vacinas com sorovariedades de leptospira endêmicas (autovacinas) em diferentes bacias leiteiras. 4.5 Maceração fetal A maceração fetal é uma patologia rara da gestação da vaca. Esta patologia caracteriza-se pela morte fetal durante a segunda metade da gestação, seguida de contaminação ascendente por bactérias piogênicas, retenção do feto e persistência do corpo lúteo. As vacas com um feto macerado podem apresentar exsudação purulenta por via vaginal. À palpação retal sente-se uma saliência do corno uterino e crepitação, a qual é provocada pelo choque dos ossos. O prognóstico destas vacas é reservado, pois, mesmo que elimine-se o feto, os danos causados ao endométrio são severos. Não é aconselhável tratar estas vacas, no entanto, alguns criadores insistem nisso. Se isso acontecer, o tratamento indicado consiste na administração de uma dose luteolítica de PGF2α. Em alguns casos chega-se a eliminar a totalidade do feto, embora o mais frequente é a vaca reter partes ósseas do mesmo. Nota-se que as vacas podem manter o feto ou parte dele, sem ter um corpo lúteo funcional (figura 33). Figura 33: Feto macerado de uma vaca leiteira. Acervo pessoal do autor. 4.6 Mumificação fetal Esta pato

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Emanuel Isaque Cordeiro da Silva
Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE

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2022-01-06

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