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Qual o futuro do ensino?

Qual o futuro do ensino?

Inovação: o Expresso realizou cinco conversas com reitores, investigadores e estudantes, que refletiram sobre os novos paradigmas do ensino e as mudanças, desafios e pontes desejáveis entre a academia e a sociedade nos próximos anos

Numa época em que a transformação digital e tecnológica está cada vez mais acelerada a tornar obsoletos empregos, profissões, conhecimentos e métodos de ensino, as universidades e institutos têm que responder aos desafios da inovação e aos novos paradigmas da sociedade. Isto a somar aos grandes problemas mundiais como a emergência climática, o desemprego ou as desigualdades sociais, que exigem respostas da academia e da investigação. A propósito do Encontro Internacional de Reitores Universia, o Expresso realizou cinco conversas com reitores, investigadores e estudantes, para refletirem sobre as pontes e mudanças necessárias no ensino e mundo profissional.

No painel sobre “empreendedorismo, inovação e transferência de tecnologia em resposta aos desafios sociais”, o reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão assinalou que já há um esforço de transferir o conhecimento das academias para a sociedade, mas critica a falta de coordenação e políticas públicas para combater lacunas. “Há ainda uma separação e dessintonia nos ritmos entre as universidades e a sociedade. O ritmo da academia é mais lento, dirigido para a produção de artigos científicos. Por outro lado, os modelos de negócio necessitam das coisas para ontem. Mas creio que os estímulos deveriam vir do Governo, promovendo maior interligação entre o ensino superior e a sociedade civil.” A somar a esta crítica, Rodrigo Val D’Oleiros, investigador do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, da Universidade do Porto, considera que há um certo ensino tradicional “altamente castrador e contraditório” para o que é fundamental para o sucesso do empreendedorismo. “Muitas universidades continuam a ensinar que não se pode errar, que não devemos colaborar com outros e que só há uma resposta certa. Essa é uma filosofia de negação e uma alienação criativa e do empoderamento individual dos estudantes.” Amaro Martins, CEO da empresa Hephaesnus, que pretende patentear um dispositivo que combate à distância os incêndios, afirma que em Portugal não há oportunidades para errar. “Falta na sociedade uma melhor noção da palavra risco e uma melhor relação por parte das universidades com o tecido empresarial. As dificuldades burocráticas são barreiras ao empreendedorismo e inovação.”

Noutro painel foi discutido o papel decisivo da aprendizagem ao longo da vida nestes tempos competitivos e incertos. “Já não faz sentido alguém pensar que ao tirar uma licenciatura deixará de estudar e de se atualizar. É essencial uma atualização rápida e permanente em todas as áreas”, considera Maria José Fernandes, professora coordenadora principal da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave. E faz o retrato: “No caso português, a qualificação jovem está com números bastante elevados. Mas há um défice de qualificação na população adulta, e é crucial trazer este público adulto para as instituições através de programas específicos, como os mestrados profissionais, para os qualificar.”

A professora e presidente do Colégio e Universidade Santa Cecília, no Brasil, Lúcia Teixeira lamenta que só 18% da população jovem tem acesso à Universidade no seu país e sublinha o caminho da universidade “multigeracional” e o conceito de “multiversidade”. Um conceito de ensino inclusivo, aberto e globalizado que contemple pessoas de várias gerações, géneros e classes sociais. “Não estamos numa época de mudança. Estamos é numa mudança de época. E os alunos devem estar preparados para o imprevisível.”

Défice de talentos

Esta formação contínua relaciona-se com os conceitos de upskilling (aperfeiçoar e otimizar competências já adquiridas) e reskilling (aprender novas competências que permitam, por exemplo, mudar de carreira ou área profissional). Maria José Fernandes esclarece que muitas das pessoas adultas que estão a receber formação e a requalificar-se vêm de áreas onde não conseguem trabalhar, e por isso estão a fazer uma reconversão de acordo com as necessidades do mercado de trabalho. “Vivemos um ‘défice enorme’ de talentos nas áreas das tecnologias. E a pandemia veio potenciar ainda mais estas áreas, onde os salários são mais competitivos.” E conclui: “Só a educação transforma”, acrescentando que a formação deve estar alinhada com a sociedade.

Noutro painel discutiu-se o poder das redes e da conexão na mobilidade do conhecimento. E se as grandes questões são globais, quer seja no âmbito da biotecnologia, inteligência artificial e robótica ou novos materiais, desejam-se mais parcerias. “Mais do que competirem, as universidades têm que colaborar e complementar conhecimento”, considera o reitor da Universidade Nova, João Sàágua.

Rosário Rocha, estudante de engenharia e gestão industrial na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, traz para a conversa a importância de programas como o Erasmus, para alargar horizontes. A mesma opinião tem António Barros, estudante de Engenharia Eletrónica e de Computadores na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. “Já recebi propostas de estágio e de emprego num contexto internacional em áreas inesperadas.” E acrescenta que estas experiências potenciam as capacidades de comunicação, ajudam a sair da zona de conforto, a equilibrar vida e trabalho, e a olhar para outros percursos de vida académicos que expandem o conhecimento.

O reitor da Nova considera que a sala de aula deve ser privilegiada e adaptada, transferindo-se a parte expositiva para uma sala digital e trazendo para a sala física uma experiência ativa dos estudantes através de debates ou trabalhos de grupo e chama a atenção para as competências no futuro: “As questões de sustentabilidade ecológica e social, as competências digitais e de empreendedorismo para que os estudantes possam criar o próprio emprego.”

Pedro Santa Clara, diretor da Escola 42, considera que a sociedade está a mudar, mas que ainda só estamos a ver a ponta do icebergue. “Acredito que nos próximos 10 anos vamos ter uma grande revolução na Educação Superior.” E não é manso na crítica: “O modelo tradicional é caro, elitista, tem taxas de desistência elevadas e gera taxas elevadas de desemprego à saída da Universidade. Essa espécie de linha de montagem em que os alunos vão de sala de aula em sala de aula e são avaliados com exames no fim não está a dar resposta às necessidades da sociedade na era do ChatGPT.” Sobre quais as competências que os humanos devem ter para trabalhar com ferramentas de inteligência artificial, deixa claro: “Deve desenvolver-se pensamento crítico e competências de criatividade, comunicação, gestão de tempo e de stresse para os estudantes estarem preparados para novos desafios e novos empregos.”

Por seu lado, José João Mendes, presidente da direção da Egas Moniz School of Health and Science, acredita no ensino com base em problemas reais, com apoio da tecnologia. “É preciso aprender a aprender e aprender a ensinar”. Tecnologias como o ChatGPT, a realidade aumentada ou o metaverso poderão mudar o paradigma do ensino e os docentes, assim como os alunos devem ter uma atitude aberta para estas ferramentas. “Concorrência”, “inovação” e “entusiasmo” são as palavras que consideram espelhar o futuro do ensino.

Por fim, no painel sobre “Universidade e a Cidade”, Inês de Medeiros, presidente da Câmara Municipal de Almada, assinala a “diversidade” como uma das ideias-chave. “O combate à guetização e à existência de comunidades fechadas sobre si próprias deve ser uma prioridade das políticas de desenvolvimento do próprio território. Os estudantes, pela sua juventude e diversidade, são por excelência elos de ligação.” Sobre os dois grandes polos Universitários em Almada, a Faculdade de Ciência e Tecnologia da Nova e a Egas Moniz, afirma que desde 2017 tem sido uma prioridade do Executivo intensificar as relações com estas academias. “O que resumimos como levar a cidade à universidade e trazer a universidade à cidade.”

Emídio Gomes, reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, esclarece que “uma percentagem muito elevada” dos estudantes que frequentam a UTAD são oriundos de fora da região e que a antiga província de Trás-os-Montes e Alto Douro, que perdeu cerca de 70% da população nos últimos 50 anos, “não garante o futuro da universidade”. Para o reitor, é “absolutamente fundamental” um trabalho conjunto na construção de um “novo e diferente destino universitário”. E acrescenta. “A oferta de alojamento, público e privado, a par de uma vivência única deste destino constituem, simultaneamente, a maior dificuldade e o maior desafio para o futuro da instituição.”

O encontro dos reitores

Na sequência das conversas preliminares com reitores nacionais e internacionais, o Expresso junta-se ao Santander para o V Encontro Internacional de Reitores Universia, em Valência, iniciativa que juntará cerca de 700 líderes universitários durante os dias 8, 9 e 10 de maio. “Universidade e Sociedade” é o tema deste evento global, que contará com a ministra do Ensino Superior e os reitores portugueses.

Textos originalmente publicados no Expresso de 5 de maio de 2023

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